Preparação intensa e menos 20 kg: eles contam como é ser rei de bateria
Carisma e samba no pé. São essas as duas principais características que um rei de bateria precisa ter para desempenhar o papel com maestria.
Homens também brilham na avenida
Os reis de bateria. John Avelino, 33, rei da União de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e Daniel Manzioni, 48, primeiro "Rei De Bateria" da história do Carnaval, contam como é a preparação para os desfiles.
Há três anos, o cabeleireiro e maquiador John deixou Goiânia para morar Rio de Janeiro devido a sua paixão pelo Carnaval, que surgiu ainda na infância enquanto assistia aos desfiles pela TV, por volta dos 5, 6 anos.
Eu ficava encantado com as escolas de samba. Foi amor à primeira vista. Passava a noite assistindo aos desfiles e quando fiquei adolescente, comecei a gravar para assistir ao longo do ano.
John Avelino.
O fato de ele morar longe sempre o impossibilitou de ganhar cargos na escola. Até que, em 2015, John foi filmado enquanto assistia e sambava ao som da bateria da União Primeira de Mangueira, na chuva. O vídeo viralizou, teve dois milhões de acessos, e a partir daí, foi convidado pelas escolas. Na cidade, ele desfilou pela Lins Imperial, depois pela São Clemente, em 2019, onde se tornou "muso" da escola.
Antes de ser muso e rei de bateria, eu desfilei como destaque, composição, destaque de alegoria, até chegar esse posto de muso e rei, que se tornou um sonho realizado.
Já em São Paulo, o educador físico Daniel Manzioni, 48, foi pioneiro no cargo de rei de bateria e abriu a possibilidade para que outros homens também pudessem ter destaque na avenida.
Sou o primeiro rei de bateria da história, reconhecido pelo Guinness Book Brasil através do Acadêmicos do Tatuapé. Comecei em 2005 em uma escola ligada aos estudantes da USP, que nem existe mais, a Acadêmicos de São Paulo. Em 2006, fui reconhecido pela mídia e coroado como rei do Carnaval brasileiro.
Quebra de paradigmas
O amor de Daniel pelo Carnaval começou na infância, aos 6 anos, quando assistia pela TV ou era levado pela mãe para os blocos infantis. Aos 19, ele teve o seu primeiro contato com a Camisa Verde e Branco. "Comecei desfilando como ala e passei por vários outros setores. Desfilei na Tucuruvi e em mais seis outras escolas e também desfilei no Carnaval do Rio de Janeiro", conta Daniel Manzioni, morador de Itupeva, interior de São Paulo.
O convite na Acadêmicos do Tatuapé surgiu após a escola ver as matérias e a repercussão que Daniel teve em 2005. Criar o posto de rei de bateria, para desfilar ao lado da rainha, é visto como uma quebra de paradigmas, já que por muito tempo, Daniel e John tiveram que lidar com as críticas e o preconceito, enfrentado até hoje.
Fiquei muito feliz e honrado porque era uma escola mais tradicional e eu teria a chance de estar ali, representando vários homens. Eu desfilo ao lado da minha rainha e o objetivo nunca foi tirar o brilho de nenhuma mulher. Vir com esse pioneirismo não é fácil, mas abrir essas portas para os outros chegarem é gratificante
Daniel Manzioni.
Segundo John, durante décadas a imagem do gay no Carnaval era representada pela pessoa que fazia a fantasia para a rainha, para o destaque, longe dos holofotes. Mesmo após conquistar o posto de rei, ele conta que ainda enfrenta preconceitos.
Estávamos sempre no papel de servidão, então quebrar essa barreira e mostrar que nós podemos também desfilar, ser destaque, é muito gratificante. Já o preconceito sempre existe, mas às vezes de forma muito velada. Sou atacado todos os dias com xingamentos nas redes sociais. No geral, o mundo do samba costuma ser muito acolhedor, mas tem muita gente que não concorda, que diz que eu estou ferindo a tradição do Carnaval. Acho que venci uma barreira importante, quebrando esse paradigma e elevando a comunidade LGBQIAP+.
John Avelino
Já para o primeiro rei de bateria, os comentários chegavam por caras viradas e questionamentos, já que ele estava criando algo novo e fora dos padrões esperados. Além do fato de ser homem, a fantasia que iria usar na avenida também era uma questão:
Preconceito eu não sofri, mas tive alguns problemas por ser pioneiro, já que criei um personagem que não existia. Mas recebi muitas caras viradas e comentários de que aquilo não era necessário. Acreditavam que apenas mulheres deveriam estar à frente da bateria e que para estar ali tinha que ser gay. A gente sente uns olhares, mas faz parte, estamos sujeitos a críticas e sempre usei todas elas para melhorar.
Daniel Manzioni.
Conquistar respeito e preparação para avenida
Desde 2005, desempenhando esse papel, o primeiro rei de bateria conta que a parte mais difícil é conquistar o respeito e a admiração das pessoas da escola.
Ser respeitado pelo seu pavilhão, mostrar o seu trabalho e ter esse reconhecimento por tantos anos, é a parte mais desafiadora disso tudo. Além disso, tem que ter carisma e samba no pé. Não somos melhores que ninguém, somos apenas componentes e integrantes como outro qualquer que vai para a avenida contar uma história, um enredo. Esse título representa um marco para mim e na história do samba
Daniel Manzioni
Para ele, a preparação para o desfile acontece durante o ano todo. Além de exercer a profissão, a experiência de tantos anos de desfile faz com que ele crie estratégias para fazer bonito na avenida.
Aguentar a avenida, sambando 65 minutos não é fácil. Intensifico meu condicionamento físico uns dois, três meses antes. Minha rotina é dormir bem, me alimentar corretamente, beber bastante água e estar mentalmente equilibrado. Trabalho muito a parte da meditação também
Daniel Manzioni
Já para John, o preparo foi ainda mais intenso nos últimos meses. De setembro a fevereiro, ele conseguiu eliminar quase 20 kg com os treinos e alimentação balanceada.
A preparação é intensa. Acordo por volta das 5h20 para treinar, faço uma hora de cardio, treino com o personal, depois trabalho o dia inteiro e vou para os ensaios à noite. O samba no pé é o cardio mais intenso que existe e eu tenho vários profissionais que me ajudam nesse processo
John Avelino
E as fantasias?
Para Daniel, fantasia sempre foi uma linha muito tênue. "As pessoas achavam que seria um homem travestido, de tapa sexo, de biquíni e não é o meu caso. Sempre tive o cuidado de levar uma fantasia mais masculina para a avenida, de terno, com muita cor e da melhor forma possível".
Diferente de Daniel, John vai optar por roupas menores e mais nudez para representar a União de Jacarepaguá: "vou desfilar de fio dental e desde que me tornei muso tem sido assim. Gosto dessa sensualidade do Carnaval, da nudez. Todo mundo nasce nu então vamos colocar o corpo pra jogo na avenida. Esse ano a expectativa está lá no alto e quero entregar tudo aquilo que me propus. Esse Carnaval será maravilhoso."
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