Mestres do "ficar em casa", arquitetos mostram seus refúgios da quarentena
"Papaai, papaaiê". É o que se ouvia ao fundo na conversa por videoconferência com Pedro Kastrup Buzanovsky, arquiteto de 36 anos. Quem chamava o pai a todo momento era Guilherme, que brincava em um canto da sala. Assim como grande parte das pessoas em quarentena, o arquiteto compartilha com a família o espaço de lazer e trabalho em um apartamento em Niterói, Rio de Janeiro.
Pedro mora com a esposa, a estudante de Odontologia Maria Fernanda, os filhos Gabriel e Guilherme, 5 e 3 anos respectivamente, e o cachorrinho Sushi, 8 anos.
"Pensamos em todos os cantinhos do apartamento. A estrutura da casa ajuda a passar tempo com a família. Conseguimos trabalhar e nos divertir", conta o arquiteto.
Construir uma casa tem lá os seus desafios. Mas pensar na sua própria é mais complicado. "Esse foi o projeto mais difícil que fiz", revela. "Você tem muitas questões para ponderar. É bem mais fácil pensar para o cliente". A reforma deu certo.
A casa comprada em 2015 se tornou mais do que abrigo. É refúgio e inspiração para as brincadeiras com os filhos, as horas de trabalho no escritório da casa e as receitas inventadas na cozinha.
Refúgio de Pedro Kastrup Buzanovsky
Logo na entrada, há um corredor com recordações na parede, objetos que a família ganhou de amigos e trouxe em viagens: quadros de artista de rua, pedaços de madeira, pipas. "Não adianta ter uma casa impessoal. É importante ter recordações para relembrar os bons momentos, principalmente neste período".
Pedro gosta de misturar materiais nobres com outros mais simples. "Não é preciso investir fortunas para fazer uma boa arquitetura. Se bem pensado, é possível tirar proveito dos materiais. É um equilíbrio para o orçamento".
Como é o caso do ladrilho hidráulico da cor gelo, um material artesanal muito comum em pisos. Na casa, foi utilizado na parede da sala de estar e no quarto do casal. "É barato e traz a textura natural que a gente queria", resume. Uma outra ideia inusitada foi no quarto do caçula.
O berço é feito com um visor de vidro e palhinha. Assim o filho Guilherme consegue interagir com o cachorro Sushi.
É nos três ambientes integrados da casa que a família se reúne. A sala de estar, jantar e a cozinha são abertas, e compartilham um painel em laca preta.
Todo mundo entra na dança
O aniversário de cinco anos de Gabriel foi comemorado na sala de estar. No dia 24 de março a família cantou parabéns, cortou o bolo, comeu brigadeiro e contou com a presença dos amigos do filho, em uma festinha virtual. O isolamento mudou a rotina da família, principalmente para as crianças.
Hoje, eles ajudam mais nas tarefas domésticas. Fazem a cama, colocam os pratos na pia, e até arriscam na cozinha, com a supervisão da mãe Maria Fernanda. Um prato especial da família são cogumelos no forno. A receita é pá pum: funghi, paris e porcini com cebola roxa e cheiro verde. "Tirando o lado ruim da pandemia, ficar em casa com a família é muito bom. Estamos mais unidos".
"Sinto o quão prazeroso é ter uma pausa"
Se antes da quarentena, a arquiteta Emanuella Wojcikiewicz, 42 anos, acordava às 6h com o alerta do WhatsApp e as demandas do dia para cumprir, hoje ela levanta com calma, e presta atenção no momento presente.
Manu, como é chamada, faz um café coado e saboreia o pão que preparou com a esposa, a médica Gracielle Cardoso. O casal mora em um apartamento no centro de Florianópolis, desde 2016 com as gatas Bibi e Ludovica.
Desde que a pandemia começou, Emanuella saiu, aos poucos, do piloto automático. "A pandemia deu um tipo de pausa. As pessoas não tinham tempo. Mas agora, eu escuto o bem-te-vi na sacada, dou comida para o passarinho. O compasso do trabalho aniquilava qualquer outro prazer." A conversa com Manu, claro, foi por videoconferência. Atrás dela havia uma estante de madeira repleta de livros, destacados por uma luz neon.
Refúgio de Emanuella Wojcikiewicz
A criação de pontos de luz é a sua assinatura, e os livros uma das suas paixões. A luz é a protagonista do espaço, sintetiza a arquiteta. A reforma do apartamento está acontecendo aos poucos. Mas sempre respeitando os gostos do casal. Emanuella uniu os pontos de luz com materiais de madeira e elementos brancos, características que Gracielle aprecia. "São dois interesses e duas estéticas, que se confluem. É simples de resolver", explica.
Quarentena produtiva
A prateleira foi posicionada no meio da sala de jantar - os livros e a luz são destaques na casa. A arquiteta lê bastante, mas na quarentena aumentou o repertório. Hoje lê três livros por mês. "Antes a regra era trabalhar 14 horas por dia. Mas sinto o quão prazeroso é ter uma pausa". As pausas que tanto defende não são por falta de trabalho - mesmo com a pandemia, há encomendas de projetos. São, na verdade, um momento para se aquietar e desfrutar cada atividade do dia.
O casal está descobrindo o prazer de preparar a própria comida. Todos os dias, elas colocam a mão na massa. Fazem pães, guiozas e pizzas. Os jogos de tabuleiro como Perfil e Imagem e Ação animam as noites, enquanto o som chiado de Miles Davis e John Coltrane invadem o ambiente. Elas escutam grandes nomes do jazz na vitrola de 1950, presente da mãe de Emanuella.
"Eu prezo ter uma casa com conforto e pertencimento com todas as expressões que tenho", conta Manu. E é nesse espaço pensado e construído por ela, que aproveita a companhia da esposa e dos gatos, e as pausas provocadas pela quarentena. "Eu espero que a gente saia dessa pandemia pensando no valor do tempo." Que assim seja.
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