Topo

'Abortado' por Bolsonaro, 'Transversais' mostra a vida de pessoas trans

Kaio Lemos, um dos personagens de "Transversais" - Divulgação
Kaio Lemos, um dos personagens de 'Transversais' Imagem: Divulgação

Fernanda Talarico

De Splash, em São Paulo

24/02/2022 04h00

"Transversais" é um importante documentário sobre a vida de cinco pessoas do Ceará que lidam com a trasexualidade. Cada uma delas tem conquistas e perdas, mas sempre encontra uma mensagem positiva sobre a própria trajetória.

A importância da família no apoio e aceitação é um dos principais assuntos nesta produção simples, porém, de voz potente.

Transversais

Lançamento: 2021 Duração: 85 minutos Pais: Brasil Status: Em Cartaz Direção: Émerson Maranhão Roteiro: Émerson Maranhão
splash
3,4 /5
ENTENDA AS NOTAS DA REDAÇÃO

Fizemos uma análise geral de cenário, figurino, direção de arte e fotografia

A diversão é uma nota na qual propomos, que independente das notas técnicas, a produção vale ser vista

Pontos Positivos

  • Tem uma visão positiva e esperançosa
  • Mesmo com formato de entrevistas, não é maçante
  • Importante relato sobre a vida de pessoas trans

O documentário "Transversais" foi concebido inicialmente como uma série que expandiria a história contada no curta "Aqueles Dois", e a produção dependia de um edital de chamamento de projetos voltados a TVs públicas com a temática LGBTQIAP+. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou durante uma live que "abortaria" a série documental. "Olha o tema: 'sonhos e realizações de cinco pessoas transgêneros que moram no Ceará. O filme é isso daqui, conseguimos abortar essa missão", debochou à época.

No entanto, a tentativa de boicotar "Transversais" não funcionou. Por meio da Lei Aldir Blanc, a série se tornou um filme — o primeiro longa-metragem do diretor Émerson Maranhão — e pôde ser rodado no início de 2021.

Presente em grandes festivais de cinema brasileiros, como na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Mix Brasil e Cine Ceará, "Tranversais" tem um argumento simples, como o presidente do Brasil anunciou durante sua live, e conta sobre a vida de diferentes pessoas que lidam com a transexualidade.

Em um esquema de entrevistas, conhecemos duas mulheres trans — Érikah, 33, e Samila, 38 —, dois homens trans — Kaio, 42, e Caio, 27 — e a mulher cis Mara, 42, mãe da adolescente trans Lara. Por meio dessas histórias, todas situadas no Ceará, vamos descobrindo as diferentes situações que aproximam e distanciam a vivência de cada um dos personagens.

Samilla em cena de 'Transversais' - Divulgação - Divulgação
Samilla em cena de 'Transversais'
Imagem: Divulgação

Mesmo de maneira simplória, os relatos emocionam, seja pela verdade que cada um carrega ou pela esperança transmitida por eles. "Transversais" não tenta relativizar ou transformar em vítimas os seus personagens, apenas dá voz a pessoas que relatam as dificuldades, os preconceitos, as vitórias e as felicidades da vida de uma pessoa trans.

"Uma aceitação de meia boca não é aceitação"

Érikah é diretora de um colégio e professora de matemática. Já Samilla, é servidora pública. Kaio é antropólogo, e Caio enfermeiro. São pessoas comuns, que vivem e batalham como qualquer outra, não fosse por um detalhe: precisar enfrentar o julgamento externo por serem transexuais. E este é o principal recorte de "Transversais".

A diretora e professora de matemática, Érikah - Divulgação - Divulgação
A diretora e professora de matemática, Érikah
Imagem: Divulgação

Mesmo que de maneira tortuosa, com altos e baixo, todos relatam vivências positivas e eventuais aceitações de familiares, com as vitórias vistas pelos olhos deles. Para Kaio, que é do Candomblé, mas tem uma mãe extremamente católica, ver que seu nome social está gravado da maneira correta no celular dela é um passo importante.

Já Samilla tem o carinho dos pais, mas eles continuam a chamando pelo nome morto e não aceitam que agora têm uma filha. "Uma aceitação de meia boca não é aceitação", diz a servidora.

Lara e Mara, mãe e filha são muito unidas  - Divulgação - Divulgação
Lara e Mara, mãe e filha são muito unidas
Imagem: Divulgação

A esperança nesta questão surge com o depoimento da família de Lara, encabeçado pela mãe, Mara. A jornalista conta ao espectador todo o processo de descobrir que a filha estava infeliz por não se reconhecer como um menino e como juntou forças para lutar ao lado dela.

Ao longo de 85 minutos, "Transversais" abraça todo o tipo de narrativa que uma pessoa possa ter na vida, as tristezas e felicidades, e as mostra da perspectiva trans — o que adiciona luta e empoderamento ao balaio. Por fim, o recado do documentário é claro: podem até tentar nos censurar, "abortar", mas não vão nos calar. E ainda bem.