Topo

Quer se livrar dos abusos do telemarketing? Atenda: pode ser um 'robocall'

Telemarketing irrita milhões de brasileiros todo dia - Getty Images/iStockphoto
Telemarketing irrita milhões de brasileiros todo dia Imagem: Getty Images/iStockphoto

Abinoan Santiago

Colaboração para Tilt, em Florianópolis

21/04/2022 04h00

O Brasil alcançou recentemente a marca de dez milhões de números registrados no "Não Me Perturbe", plataforma que bloqueia contatos de telemarketing no país. Já dados obtidos por Tilt junto à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) revelam que a autarquia recebeu 25.739 reclamações por ligações indesejadas em 2021 — cerca de 70 por dia.

Um dos vilões nessas estatísticas são os chamados "robocalls", tecnologias de software que fazem ligações automatizadas. Eles são usados por empresas que prestam serviços de telemarketing para cobranças ou ofertas de serviços em diversos segmentos, como telefonia, TVs por assinaturas e operadoras de cartões de crédito, por exemplo.

Ainda sem legislação específica que discipline o uso dos robocalls, a Anatel informou a Tilt que medidas para combater a prática "serão anunciadas oportunamente."

Mas o que são esses robôs e como a gente se livra deles? A estratégia é simples: jogar o jogo do software.

Atender dá certo?

Os robocalls são softwares produzidos por empresas de tecnologia que usam de IA (Inteligência Artificial) para realizar determinadas ordens, como ligações em massa, de acordo com o que a empresa de telemarketing traça como estratégia.

Lincoln Ribeiro, chefe de Operações da Callflex+VoxAge, empresa que cria robôs de telemarketing para empresas, explica que "as tecnologias por trás deles são, além dos bancos de dados de contatos, o reconhecimento de voz e algoritmos de IA que interpretam a voz do cliente e identificam o que a pessoa está falando".

"Esses robôs também trabalham com vozes humanizadas. Não são só aquelas robotizadas", acrescentou.

Ribeiro comenta que os robocalls ainda trabalham com scripts de programação e atuam com processos de "gatilhos" do consumidor. Ou seja, "de acordo com a resposta do cliente, o robô toma a decisão de ir para um caminho ou outro".

O especialista diz que, como os robôs obedecem a comandos, uma alternativa para se livrar deles é atender as chamadas e recusar o serviço oferecido. É que o software pode entender ser improdutivo retornar a ligação para ofertar novamente em um curto espaço de tempo.

Ele interpreta a voz da pessoa falando que não tem interesse no serviço. Isso retorna para o robô como resposta negativa e a empresa pode ter programado que outra tentativa ocorra somente após determinado período. Isso é possível. Agora, esse intervalo varia de acordo com a a estratégia da empresa. Lincoln Ribeiro.

Por que me ligam tanto?

O inverso também pode acontecer. Se a gente não atender as ligações, os robôs são programados para continuar ligando, pois o comando dado ao software não foi o de serviço recusado.

"A interpretação desse não-contato com o cliente é importante", explica Ribeiro. "Pode ser que o telefone estava fora de área, o cliente estava em outra ligação ou até que ele não exista. Então, é possível que o robô seja programado para continuar ligando, visto que o telefone existe."

De acordo com Ribeiro, o horário que os robôs ligam é determinado pelo perfil da própria pessoa incomodada. Se a empresa de telemarketing define os jovens como público-alvo, por exemplo, provavelmente as ligações acontecerão em momentos quando o cliente não esteja em aula, caso seja estudante. Isso também é o que define a intensidade das chamadas.

Tudo isso varia de cliente para cliente e é estabelecido pelas próprias empresas de telemarketing, não pelos fabricantes dos robocalls.

"Cada indivíduo tem a sua própria jornada na ferramenta. Mas se o robô conseguir falar com a pessoa e ela disser que não quer comprar um serviço, por exemplo, é possível que o sistema seja programado para não ligar mais para ela", concluiu.

O que dizem as empresas

A ABT (Associação Brasileira de Telesserviços), entidade que representa as empresas de telemarketing, defende o uso de robôs, pois "a questão que mais preocupa não é a tecnologia em si, mas o seu uso massificado e em forma não-apropriada, como no caso de ligações em grande quantidade".

De acordo com Cláudio Tartarini, diretor jurídico da ABT, como não há legislação que crie normas para o uso de robôs, as próprias empresas do setor se autorregulamentaram, criando o chamado "Probare", que é um conjunto de regras.

O Probare não proíbe o uso de robôs, mas exige que as empresas que ligam se identifiquem ao consumidor. Há também outras práticas recomendadas, como no caso de horários. Ligações de ofertas não devem ser realizadas antes 9h ou depois das 21 horas, de segunda a sexta-feira. Aos sábados, a permissão é das 10h às 16h. Ligações aos domingos e feriados nacionais não são indicadas.

Além disso, no parágrafo 3º do artigo 15, orienta-se que, caso o consumidor recuse um produto ou serviço, a empresa ofereça novamente somente depois de um mês.

Apesar de tantas diretrizes, a ABT entende que nem todas as empresas acabam seguindo.

Para quem tem más práticas, pode não significar muita coisa, continuando as ligações insistentes. Cláudio Tartarini.

Anatel mira por regulamentação

Questionada por Tilt, a Anatel diz que "tem analisado e procurado adotar medidas para combater o fenômeno complexo e mundial do telemarketing abusivo".

Entre as medidas já adotadas estão o serviço "Não Me Perturbe" e a designação de numeração específica (0303), recentemente anunciada.

Somente nos três primeiros meses de 2022, a Anatel já recebeu 5.833 reclamações de consumidores por causa de telemarketing.

Apesar dos problemas decorrentes do uso dos robôs, a agência diz que "não existe, até a presente data, proposta de proibição de robocalls submetida ao Conselho Diretor".

Abusos geram indenização

Os casos de ligações abusivas no Brasil têm parado nos tribunais. Em março de 2021, a Justiça de São Paulo condenou uma empresa de callcenter que fez mais de 80 ligações a um homem para cobrança de uma terceira pessoa, com pagamento de multa por danos morais, em R$ 5 mil.

Foi por agir assim que a Claro também foi condenada a pagar uma indenização de R$ 40 mil por danos morais a um ex-cliente da operadora, em 2019.

O advogado Enki Della Santa Pimenta, especialista em direito do consumidor, afirma que a Justiça tem acatado pedidos de indenização de consumidores que comprovem prejuízos em sua rotina em decorrência de ligações abusivas.

O cliente poderia estar fazendo outra atividade, como estudar ou trabalhar. Isso é passível de indenização. Enki Pimenta.

"As ligações abusivas são aquelas realizadas ao ponto de gerar um constrangimento ou incômodo em sua rotina. Mesmo que o consumidor esteja inadimplente e seja cobrado, não pode ser colocado em uma situação vexatória", concluiu.