Topo

Monique fala em "plano diabólico" de Jairinho e diz querer ser mãe de novo

Monique Medeiros no Instituto Penal Ismael Sirieiro. Ela é acusada pelo assassinato do filho, Henry - Zô Guimarães/UOL
Monique Medeiros no Instituto Penal Ismael Sirieiro. Ela é acusada pelo assassinato do filho, Henry Imagem: Zô Guimarães/UOL

Luiza Souto

De Universa

05/07/2021 15h11

Presa desde 8 de abril no Instituto Penal Ismael Sirieiro, em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, a professora Monique Medeiros Costa e Silva de Almeida, de 32 anos, diz estar escrevendo um livro no qual detalha o "relacionamento abusivo" que viveu com o vereador cassado Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, a quem ela se refere agora como "assassino do meu filho". Ela e o ex-parceiro, que está preso em Bangu, são acusados de envolvimento na morte de Henry Borel, aos 4 anos, dentro do apartamento onde viviam na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio.

O menino chegou ao Hospital Barra D'Or, na madrugada de 8 de março, já sem vida. No corpo havia 23 lesões, todas "produzidas mediante ação violenta", segundo indicou o laudo da necrópsia. Segundo o documento, a causa da morte foi hemorragia interna e laceração hepática.

Monique conversou na manhã desta segunda-feira (5) com Universa, ao lado de seu advogado, que a orientou a não falar sobre o dia da morte de Henry por "questões processuais". Além da acusação de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, impossibilidade de defesa da vítima e meio cruel), Monique e Jairinho também são acusados de tortura, fraude processual, falsidade ideológica e coação. As penas podem chegar a 30 anos de prisão para cada um — a Justiça ainda não definiu a data do julgamento e ambos seguem em prisão preventiva.

Monique chora em momento da entrevista, ao afirmar que não pode viver o luto pela morte do filho - Zô Guimarães/UOL - Zô Guimarães/UOL
Monique chora em momento da entrevista, ao afirmar que não pode viver o luto pela morte do filho
Imagem: Zô Guimarães/UOL

Vestida com calça jeans, chinelos e blusa comprida brancos, Monique chorou durante a entrevista ao dizer que "não viveu o luto" e afirma que sua vida "acabou" e nega mais uma vez ter participação na morte de Henry. Ela fala ainda em um "plano diabólico" de Jairinho para tirar a vida de seu filho, conta como é sua relação com as outras detentas, revela que quer ser mãe novamente e que pensa "até em produção independente". Confira:

UNIVERSA - Como têm sido seus dias na prisão?
Monique -
Estou destruída, isso é fato. Destruída pela falta do meu filho, da minha família. Sempre tive um laço muito grande com minha família. Aqui dentro é um lugar de sofrimento, de reflexão, de se apegar a Deus, de autoavaliação e autocrítica, de repensar os erros, a vida, de simplicidade. Hoje eu vivo com quatro blusas, duas calças jeans, chinelo, tomo banho de água gelada todos os dias, vivo num lugar que tem 8 metros quadrados. Então é um lugar de repensar e ver o que realmente importa. Você vê que você pode viver com pouco. Você vive com menos mas não vive sem amor.

Sinto falta de ouvir meu filho gargalhando, andando de patinete, brincando com a cachorrinha dele, pedindo as raspinhas de comida na tigela, correndo pela casa, pedindo banho de balde. De todos os momentos mais simples que eu vivia com ele. Às vezes o muito não significa nada. Hoje vivo com tão pouco e a única coisa que eu queria era minha família de volta.

No que você tem se agarrado para conviver com essa dor que você diz sentir?

No momento só Deus. E leio muito. Em um mês já li 23 livros. Ontem acabei um sobre Ghandi, li "Família é tudo", do [Fabrício] Carpinejar. Gosto de livros de autoajuda, li "Infâmia", da Ana Maria Machado, "1984", do George Orwell. Gosto de ler e escrever. Decidi que precisaria escrever meus relatos e que não vou mais me silenciar. Por isso estou escrevendo um livro contando toda a minha história.

Como é a sua rotina agora?

Acordamos às 7h30 com a policial conferindo tudo. Tomamos café, almoçamos, jantamos e dormimos. Temos também o banho de sol por duas horas.

Você tem contato com as outras presas?

Então... A mídia me colocou numa situação muito difícil, porque me demonizaram como se eu fosse coautora dos atos contra meu filho. Não demonizaram o assassino do meu filho [se referindo a Jairinho], mas uma mãe vítima do próprio companheiro. Aliás, travestido de companheiro, porque ele não era meu companheiro. Ele era meu algoz travestido de companheiro.

As presas me julgam muito porque quem está de fora fala que teria tomado outra atitude. Mas você vivendo dentro da situação, será que tomaria uma posição diferente? Será que você conseguiria sair de uma outra forma, de uma pessoa que é acima da impunidade, que tem credibilidade, que conhece todos os políticos, o governador do Estado, todos os milionários da cidade? Quem era eu? Não era ninguém. Não tinha voz.

Retrato de Monique Medeiros no Instituto Penal Ismael Sirieiro. Ela é acusada pelo assassinato do filho Henry - Zô Guimarães/UOL - Zô Guimarães/UOL
Monique: "Não demonizaram o assassino do meu filho, mas uma mãe vítima do próprio companheiro"
Imagem: Zô Guimarães/UOL

Quem era a Monique então?

Uma professora que a vida inteira foi pautada na educação, porque minha mãe era professora. Fiz muito pela escola, levei inclusive alunos ao Conselho Tutelar para denunciar maus-tratos. Não deixava isso passar. Fiz muita diferença porque na minha profissão a gente vê a transformação do outro. Trabalhava em Senador Camará [bairro na zona oeste do Rio de Janeiro], em meio à milícia e fiz a diferença na vida daquelas crianças, de famílias carentes. Nesse ano em 2021 o Jairinho me apresentou ao conselheiro Guaraná [Luiz Antonio Guaraná, conselheiro do Tribunal de Contas do Município] para que eu fosse trabalhar no Tribunal de Contas porque como era diretora de escola tinha conhecimento de prestação de contas e verba municipal. Comecei a trabalhar no Tribunal de Contas para ganhar R$ 2 mil a mais. Não é verdade que larguei salário de R$ 6 mil para R$ 18 mil. Mas larguei de R$ 6 mil para ganhar R$ 8 mil e isso será provado. Mas as pessoas julgam muito. Ninguém se colocou no meu lugar.

Fui mãe de um filho que o pai [o engenheiro Leniel Borel, pai de Henry] visitava na minha casa aos sábados e domingos.

Sempre criei meu filho sozinha da melhor maneira possível. Mas omissa nunca fui e isso vamos provar. Não abandonei em nada com relação ao meu filho. Mas vivi sim uma relação abusiva, com abuso psicológico, violência doméstica. Mas tudo isso veio a partir da morte do meu filho

Por que uma das mães não denunciou antes [Monique refere-se às ex-parceiras de Jairinho, que denunciaram atos de violência contra seus filhos na época em que se relacionaram com o ex-vereador]? Esperaram meu filho morrer para que elas começassem a denunciar torturas e maus tratos que as crianças delas viviam. Por que a ex-esposa dele não disse antes que sofria violência doméstica?

Já que meu filho falava tanto para meu ex-marido por que ele não teve participação omissiva? Ou mesmo a babá, já que quem tava cuidando do meu filho era ela? Por que me demonizaram ao invés de colocarem tudo em pratos limpos?

Menti no primeiro depoimento porque fui induzida ao erro por um advogado não constituído por mim. O meu ex-companheiro me orientou daquela forma porque dizia que teria que ter um advogado para o casal e a partir do momento que pude ter meus advogados, por que não quis me ouvir de novo?

Monique segurava uma foto do filho Henry e os textos que têm escrito na prisão - Zô Guimarães/UOL - Zô Guimarães/UOL
Durante a entrevista, Monique segurava uma foto do filho Henry e os textos que têm escrito na prisão
Imagem: Zô Guimarães/UOL

Então por que, desde o início, você aceitou?

[O advogado explica que Monique não pode responder por questões processuais.]

Está tendo algum acompanhamento psicológico?

Não. Eu tinha acompanhamento psiquiátrico lá fora. Assim que meu filho morreu tomava antidepressivo e ansiolítico, mas aqui não tomo nem tenho acompanhamento.

Você queria ser mãe?

Sim. Meu filho sempre foi muito desejado. Queria ter família grande, ter seis filhos. Não planejava me separar também até porque venho de uma família cristã e o processo de separação foi muito dolorido. Desde que meu filho nasceu meu marido só voltava para casa aos sábados e domingos e por isso meu filho dormia comigo, e passei a falar para o Leniel dormir numa cama de solteiro quando nos visitava. Eu transferi todo o amor que eu tinha por ele para meu filho.

Você sente medo?

Quando você convive com a morte, não tem mais medo. E convivo com ela todos os dias lembrando do meu filho.

Eu não convivo com a vida, mas com o sofrimento, com o arrependimento, com a tristeza, com sentimentos que eu acho que poderia ter evitado se pudesse ter previsto o que poderia ter acontecido na minha vida. Se alguém tivesse denunciado ele antes, falado dos comportamentos inadequados dele com crianças, talvez meu filho não tivesse pago um alto preço

Porque justiça não existe no meu caso. Meu filho não volta mais, mesmo sendo absolvida ou ficando presa pra sempre. Não vou ter mais como sair daqui e encontrar meu filho. Ele [Monique se refere a Jairinho] enterrou meu filho e todos os meus sonhos juntos. Foi isso que ele fez.

Você conheceu alguma presa numa situação parecida com a sua?

Tem. Bem parecida. Ela viveu relacionamento abusivo e foi indiciada por assassinar o filho do marido, mas é injustiçada também. A gente vê muita gente aqui inocente sim. Muitas presas também são culpadas também, mas eu mesma fui sentenciada antes de entrar aqui.

As pessoas me condenaram como se eu tivesse sido uma pessoa ruim. E a parte do Jairinho? As traições dele, as torturas a outras crianças? Eu não tive uma conduta ruim igual ele teve

E por que o lado dele não foi mostrado? Por que a gente vive numa sociedade em que as mulheres não têm voz. Todas as vidas importam, mas a gente não tem voz. A sociedade julga as mulheres. Me julgaram como se eu fosse um demônio, e as pessoas não falam do assassino do meu filho. Só falam de mim. Eu fiz muito pelo meu filho e isso vai ser provado. Tudo será desmascarado. Não tive tempo para falar porque criaram uma estrutura midiática em torno do que poderia ser.

Você se refere ao Jairo como o assassino do seu filho. Então você acredita que o Jairo matou o seu filho?

Sim. Acredito que ele matou o meu filho. Hoje eu acredito. Eu entrei aqui achando que ele era inocente e comecei a ouvir das presas que eu era assassina, era pior do que ele, que era a mãe e deveria ter protegido o meu filho, que deveria ter feito um escândalo. Cada uma teria feito de uma forma diferente. Então comecei a enxergar o que eu tinha feito de errado, onde tinha errado.

Eu errei em não acreditar que um vereador bem-sucedido, médico, que tem família estruturada, ia se sujeitar a fazer uma coisa dessa com uma criança indefesa dormindo. Como poderia imaginar que ele tinha um plano tão diabólico, de tirar o meu filho de mim pra que não tivesse empecilho entre eu e ele?

Isso eu percebi aqui. Eu achava que era crise de ciúme da parte dele, mas matar alguém é uma coisa completamente diferente. Você prever isso é diferente. E isso enxerguei aqui com outras pessoas dizendo que viveram situações semelhantes.

Você tem apoio da sua família?

Toda a minha família segue ao meu lado. Todos os meus familiares se juntaram para pagar meus advogados. Cada membro da minha família porque todo mundo sabe exatamente quem eu fui. Espero que eu possa um dia mostrar quem eu sou. Sou uma pessoa boa, carismática, um pouco recatada, tenho dificuldade de me expressar às vezes, muito pacífica e tranquila. Nunca tive problema com professor.

Eles te visitam?

Ainda não, por questões burocráticas. Meu irmão somente agora conseguiu autorização. Minha família hoje são meus advogados, os policiais que trabalham aqui e a diretora do presídio. Às vezes quero dar um abraço em alguém mas não posso. Sinto muita falta desse contato físico.

Monique Medeiros está presa no Instituto Penal Ismael Sirieiro, em Niterói - Zô Guimarães/UOL - Zô Guimarães/UOL
Monique Medeiros está presa no Instituto Penal Ismael Sirieiro, em Niterói
Imagem: Zô Guimarães/UOL

Qual o momento mais desesperador?

Às vezes acho que vou sair daqui e encontrar meu filho lá fora, me esperando. Minha mãe perguntou se podia dar as roupas dele mas não consigo pensar nisso. Hoje faço propósito de oração para perdoar quem machucou meu filho tanto e ser perdoada também.

Você estava vivendo uma vida de conforto, era vaidosa, estava sempre fazendo unhas e cabelo, e hoje está num presídio. Isso mexe com o seu psicológico também?

Não tenho nem espelho, então nem me olho. E não me faz falta me olhar no espelho porque não tem sentido. Minha vida perdeu um pouco o sentido. Convivo com a morte todos os dias. Não me importo de ter uma vida melhor ou não. Perdeu todo o sentido. Sempre fui vaidosa, sempre gostei de me cuidar, ir à academia. Hoje não tem importância. O que mais sinto saudade não é do salão de beleza, mas da minha casa.

O Jairinho te cobrava estar sempre bem?

Sim. Eu tinha que ter um comportamento padrão.

Por isso você foi ao salão depois do enterro do seu filho?

Sim. Eu estava tentando arrancar meu cabelo... [O advogado explica que Monique não pode responder por questões processuais]

Dá para explicar a dor de perder um filho?

A dor de perder um filho é a de enterrar todos os sonhos. Estou sem sonho, sem propósito, sem expectativa de vida, sem vontade. A gente não vê luz. Tudo eu fazia por causa dele.

Quando caiu a ficha de que você não vai mais ver seu filho de novo?

Não caiu essa ficha ainda. Não vivi o luto do meu filho [Monique chora]. Sinto falta de tanta coisa. Do carinho dele, dele me elogiando o tempo inteiro, falando que ia me amar para sempre.

Você pensa em ser mãe novamente?

Se Deus me permitir nas minhas orações têm o desejo de que eu possa ser mãe de novo.

Você queria ter filhos com o Jairinho?

Não. Ele é vasectomizado. Não tínhamos esse plano.

Você afirmou que vivia um relacionamento abusivo com Jairinho. Quando percebeu isso?

Eu achava que ele tinha um ciúme excessivo, que era manipulador. Ele era o cara que comandava a casa. Eu até gostava do ciúme, achava que era preocupação.

Você diz numa carta enviada à imprensa que ele chegou a te enforcar. Em nenhum momento pensou em terminar?

Sim, foi por causa de mensagem trocada com meu ex-marido. Acordei com ele em cima de mim me enforcando. Teve também uma outra vez que ele me enforcou, da porta da cozinha até a porta do banheiro da nossa casa.

Eu queria ir embora, já fiz malas, mas ele chutava as malas, me trancava, escondia a chave de casa, dizia que fez um gasto financeiro muito grande para ficar comigo, me culpava pelo relacionamento não estar dando certo. A culpa era sempre minha

Ele conseguia distorcer as coisas, era uma pessoa com credibilidade, uma pessoa pública, as pessoas chamavam ele de príncipe.

Monique: "Eu errei em não acreditar que um vereador bem-sucedido, médico, que tem família estruturada, ia se sujeitar a fazer uma coisa dessa com uma criança indefesa dormindo" - Zô Guimarães/UOL - Zô Guimarães/UOL
Monique: "Eu errei em não acreditar que um vereador bem-sucedido, médico, que tem família estruturada, ia se sujeitar a fazer uma coisa dessa com uma criança indefesa dormindo"
Imagem: Zô Guimarães/UOL

Uma ex-companheira dele disse que chegou a falar para você das agressões que ela sofria. É verdade?

Ela não me contou de agressão nenhuma.

Ainda na carta que você escreveu, você disse que engolia os desaforos porque pelo menos estava levando uma vida que você queria proporcionar para seu filho. Como você classifica hoje sua vida antes e depois de se relacionar com o Jairo?

Antes de me relacionar com ele eu já morava numa cobertura, tinha meu carro. A única coisa que ele fez foi me apresentar uma pessoa para me conseguir um cargo em que ganhava R$ 2 mil mais. Eu já pagava babá para meu filho quando estava morando em Bangu. Tudo que meu filho queria ele tinha. Não era uma vida que começou com o Jairo. Aliás, minha vida só piorou com ele, porque não queria que eu tivesse preparador físico porque o treinador era homem, ou que eu tivesse cabeleireiro homem.

Se eu pudesse voltar no tempo estaria na casa dos meus pais até hoje. Talvez separada, não sei, porque faltava um pouco de amor também, de atenção. Meu ex-marido [o pai de Henry, Leniel] deixou muito a desejar, porque um relacionamento acaba pelos dois. Ele teve a participação dele também.

Qual é a sua culpa hoje?

Minha culpa foi não prever que eu tinha um algoz travestido de companheiro e que pudesse matar o meu filho.

Você diria que foi uma boa mãe?

Com certeza. Fui a melhor mãe que meu filho poderia ter. E ele foi o melhor filho que eu poderia ter tido.

Você acredita que vai conseguir provar a sua versão dos fatos?

Vou provar, sem manipular fatos e pessoas. Provarei da maneira mais verdadeira e justa.

Saindo daqui, o que você faria?

Eu vou lutar por todas as mulheres que têm relações abusivas e não têm voz. Não vou mais ser silenciada.

Pensa em construir uma nova família?

Se Deus me permitir, sim. Pensei até numa produção independente.

Quer voltar a dar aula?

Não. Quero recomeçar de repente dando palestras, e lançar meu livro. De repente fazer mestrado, dar aula em faculdade. Educar nunca é pequeno, é transformador.

Entenda o caso

Henry havia passado o final de semana com o pai, o engenheiro Leniel Borel de Almeida. Por volta das 19h do dia 7 de março, Leniel deixou o filho no condomínio onde mora a mãe e o padrasto, na Barra da Tijuca. O pai do menino contou, em entrevista à TV Globo, que Henry estava nervoso e chegou a vomitar ao se aproximarem do local.

Henry Borel, de 4 anos, morreu no dia 8 de março, no Rio de Janeiro - Reprodução/Redes Sociais - Reprodução/Redes Sociais
Henry Borel, de 4 anos, morreu no dia 8 de março, no Rio de Janeiro
Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Em depoimento na 16ª DP (Barra da Tijuca) Jairinho e Monique disseram que deixaram a criança no quarto deles e foram assistir televisão, da sala. Incomodados com a possibilidade do som da TV estar atrapalhando o sono do garoto, o casal se mudou para o quarto de hóspedes, onde também havia um aparelho.

Monique relatou que Jairinho dormiu devido aos remédios que tomava e que, por volta de 3h30, ela levantou e acordou o companheiro. Nesse momento, o vereador cassado foi ao banheiro e, ao voltar para o quarto, a mãe encontrou o filho no chão já desacordado e gelado. Ela disse acreditar que o filho possa ter despertado, ficado em pé sobre a cama, se desequilibrado ou tropeçado no encosto da poltrona e caído no chão.

Mas Monique mudou essa versão e, numa carta escrita após sua prisão, em 23 de abril, disse que não foi ela quem encontrou o menino caído no chão e que foi obrigada pelo companheiro a inventar essa versão porque "seria melhor até para ela".

Após encontrar o menino caído, a dupla levou Henry ao Hospital Barra D'Or, na Barra da Tijuca, mas ele já chegou sem vida na madrugada de 8 de março, segundo o depoimento de três pediatras à polícia.

Durante as investigações, a polícia do Rio descobriu que Jairinho tentou fazer uma liberação rápida do corpo do menino no hospital, sem que o cadáver fosse enviado para o IML (Instituto Médico Legal) para produção de laudo de necropsia.

Ele também enviou mensagens e telefonou para o vice-presidente de operações e relacionamento da Qualicorp e conselheiro no Instituto D'Or de Gestão de Saúde executivo Pablo Menezes, pedindo que o atestado de óbito do enteado fosse agilizado. E ligou para o governador do Rio, Cláudio Castro (PSC), horas após a morte do enteado. Na época, a assessoria do Governo confirmou a ligação e disse que "no telefonema, ao saber do fato, Castro limitou-se a explicar ao vereador que o assunto seria tratado pela delegacia responsável pelo inquérito e encerrou a ligação".

Os investigadores também descobriram que a babá de Henry avisou à mãe do menino, por mensagens no celular, da "rotina de violência" que o garoto sofria pelo menos um mês antes de sua morte.

O casal foi preso um mês após a morte da criança, em 8 de abril, e declarado oficialmente investigado. Segundo a polícia, o pedido de prisão aconteceu pelo casal atrapalhar investigações e ameaçar testemunhas. A dupla estava na casa de uma tia de Jairinho em Bangu, na zona oeste.

No dia 3 de maio, a polícia concluiu as investigações sobre a morte do menino Henry, e indiciou Monique e Jairinho por homicídio doloso (intencional) com duas qualificadoras: utilização de tortura e impossibilidade de defesa da vítima. Além do homicídio, Jairinho responderá também por dois crimes de torturas, e Monique por omissão, já que foi alertada pela babá das agressões contra o filho e nada fez.

Três dias depois, o promotor Marcos Kac, do Ministério Público do Rio, denunciou à Justiça Jairinho por homicídio triplamente qualificado, tortura e coação de testemunha. Já Monique foi denunciada por homicídio triplamente qualificado na forma omissiva, tortura omissiva, falsidade ideológica e coação de testemunha.

O advogado de Jairinho, Braz Sant'Anna, disse em entrevista à Folha que "a defesa vai mostrar no curso do processo que a história não é essa, que a verdade é completamente diferente do que a polícia e o Ministério Público estão querendo mostrar".

Já para a defesa de Monique Medeiros, Thiago Minagé, Thaise Assad e Hugo Novais, o caso "foi finalizado prematuramente com erros investigativos". Segundo o trio, "Monique não teve igual direito, em 'dois pesos e duas medidas'" —referindo-se a outras pessoas que prestaram mais de um depoimento. A despeito dos reiterados pedidos da defesa, a polícia não ouviu novamente a mãe de Henry após mudança de versão.

Jairinho foi indiciado por outros crimes contra crianças

Com a morte de Henry, outras ex-companheiras de Jairinho trouxeram à tona cenários semelhantes de agressão e medo provocados por ele, e o ex-vereador acabou indiciado por agredir outras crianças. E uma mulher também.

O vereador cassado Jairo Souza Santos Júnior, preso em 8 de abril. - Vitor Brugger/Estadão Conteúdo - Vitor Brugger/Estadão Conteúdo
O vereador cassado Jairo Souza Santos Júnior, preso em 8 de abril.
Imagem: Vitor Brugger/Estadão Conteúdo

No início de maio, o Tribunal de Justiça do Rio aceitou a denúncia do Ministério Público contra Jairinho pelo crime de tortura contra a filha de uma ex-namorada. Os crimes aconteceram entre 2010 e 2013, quando a vítima tinha de 3 a 5 anos. Em seu relato, a criança contou que teve a cabeça batida contra a parede de um banheiro em uma ocasião e afundada na piscina em outra. Ainda de acordo com o MP, o vereador chegou a torcer o braço da vítima.

Um mês depois, o MP também o denunciou por tortura e falsidade ideológica, cometidos contra o filho de uma ex-namorada, identificada como Débora Saraiva. As agressões ocorreram em 2015, quando a criança tinha três anos. Débora também disse à polícia ter sofrido agressões durante o relacionamento com Jairinho. Em uma delas, ocorrida em 2016, ela chegou a ter o dedo do pé fraturado. Jairinho foi indiciado por violência doméstica contra ela. Débora afirmou que contou para Monique das agressões.

A dentista Ana Carolina Netto, mãe de dois filhos de Jairinho, disse à Polícia Civil do Rio que foi agredida em 2013 pelo então marido. Eles estão separados desde então. Ana Carolina chegou a fazer exame de corpo de delito, que atestou lesões compatíveis com sua denúncia, mas o caso acabou sendo arquivado.

Após sua prisão, e diante de tantas denúncias, Jairinho teve o registro de médico suspenso em caráter temporário pelo Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro), foi expulso do partido Solidariedade e do Conselho de Ética da Câmara Municipal e, no dia 30 de junho, teve seu mandato cassado.