'Saí de uma prisão': você tem síndrome de salvadora? Como se libertar dela
Não bastou encerrar o relacionamento para que a redatora e escritora Karla Fontoura conseguisse sair de um papel "aprisionante" que marcava seu casamento. Ela diz que sofria da "síndrome da mulher salvadora", que vem da vontade intensa de mediar e consertar as relações ao seu redor.
"Busquei salvar o meu casamento em vários sentidos e, quando me separei, meu filho era pequeno. Passei muito tempo mediando a relação dele com o pai, pois eles estão em lugares diferentes e só conversam online. Depois, entendi como isso também era uma prisão. Saí de um casamento achando que tinha saído de uma prisão e descobri que o local da mulher salvadora tem várias camadas", conta.
Para ela, o impulso de querer salvar a relação, na verdade, é uma forma de a mulher querer salvar a si mesma, no sentido social: ela salva os outros para garantir o seu lugar de ser bem amada, querida e vista pelas pessoas tem em volta.
"A construção da identidade da mulher e da relação dela com o prazer, o pertencimento e a aceitação está sempre relacionada com capacidade de manter relacionamentos. Mais, ainda, os amorosos", analisa.
Hoje, mais consciente desse papel, acredita que enxerga melhor seus limites e tenta falar sobre o assunto nas redes sociais, para que outras mulheres possam refletir sobre o lugar onde estão. "Acho que, no final das contas, uma salvadora se dá conta do problema pelos relatos de outras mulheres", diz.
A boa notícia é que dá, sim para se livrar dessa síndrome e se reencontrar.
O primeiro passo é entender o que há por trás dela: desde a infância as mulheres são ensinadas a cuidar e a se preocuparem com as necessidades de todos ao redor, principalmente por causa dos papéis de gênero atribuídos à maternidade e às funções reprodutivas.
"Na chamada socialização feminina, as mulheres aprendem a abdicar de si mesmas pelos outros, pelo cuidado das pessoas ao redor, e a estarem sempre muito atentas às necessidades alheias. Isso é aprendido desde cedo, o que faz da 'síndrome da salvadora' uma das formas de anulação feminina na cultura patriarcal", explica Priscila Sanches, psicóloga com perspectiva de gênero.
Como perceber que você é uma 'salvadora'
A principal forma é observando se há simetria em suas relações.
"Há simetria de disponibilidade, doação e atenção? É uma via de mão única? Se, nas relações, ela doa e não recebe a mesma atenção e disponibilidade, então, muito provavelmente, ela é uma 'salvadora'", aponta a especialista.
Esse padrão de comportamento não é um diagnóstico clínico —não existe a descrição da síndrome em nenhum manual de diagnóstico da psiquiatria.
Mas, como cantou Gal Costa, é preciso estar atenta e forte. Aprender a impor limites, algo que se internaliza com terapia, senso de auto-observação, autoconhecimento e colocando-se em primeiro lugar nas demandas, é um caminho saudável.
Vale saber que esse processo pode ser atravessado pela culpa. "Como permiti isso?" é um questionamento comum.
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Quero receberÉ preciso, por isso, levar em conta a coletividade e a estrutura social em que estamos inseridas. Não é apenas uma simples escolha, mas uma engrenagem funcionando em uma sociedade que trata homens e mulheres de forma muito desigual.
"É importante muita informação, conhecimento e psicoterapia comprometida com perspectiva de gênero, que saiba falar sobre aspectos individuais e psicológicos e também sobre questões sociais. Porque nós, como seres humanos, não estamos descoladas do coletivo", defende Sanches.
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