'A ansiedade é algo que assombra. Fico sempre vigilante', diz Gabi Melim
É preciso de poucos minutos na presença de Gabi Melim, 29, uma das vocalistas da banda Melim, para ser contagiada por sua aura leve. A cantora conversou com Universa de cara lavada, pijama e falou abertamente sobre seu diagnóstico de ansiedade.
Quando soube que sofria com o transtorno, Gabi foi aconselhada a mentir sobre o que tinha, para que as pessoas não achassem que era frescura. Ela se recusou: "Quando você mente, invalida todas as suas outras verdades".
Apesar do assunto pesado, Gabi é solar, sabe do que fala e esbanja humildade. É como se ela não entendesse o tamanho da sua fama. Ou talvez entenda. Mas como a cantora mesma disse, o que importa é sua música, que será sempre maior do que ela.
Universa: Há quanto tempo você lida com a ansiedade?
Gabriela Melim: Acredito que a vida inteira, mas era algo que não se falava. Fui descobrir por volta de 2019, quando a Melim passou de quatro para 25 shows mensais. Eu ficava sem dormir, sem comer direito e vivia a rotina exaustiva que essa carreira nos propõe. E isso agravava a situação.
Acredita então que a fama foi um gatilho?
A questão não era a exposição, que deixa tudo mais aguçado porque estão olhando para você com uma lupa, mas a qualidade de vida mesmo. Não comia e nem dormia direito. Conseguia pegar no sono por três horas. Aí a cabeça começa a não funcionar bem, você se sente aérea.
Eu já tenho TDAH diagnosticado, minha atenção não é das melhores. Aí, com a ansiedade, você fica um pouco presa no passado ou no futuro. Não está muito presente. Foi um combo.
Teve algum acontecimento que foi determinante para você decidir procurar ajuda?
Muitos, mas com a minha rotina corrida, sempre estava resolvendo algo, trabalhando. Aí, quando passava, pensava: 'O que está acontecendo comigo?'. Até que tive um problema vocal seriíssimo, que quase me fez perder a voz. Fui ao médico e ele disse que eu precisaria tratar com uma fono e que seria um milagre a voz voltar. Junto a isso, chegou a pandemia e acabaram os shows.
Foi um ano muito turbulento e que piorou muito minha ansiedade. Música é tudo pra mim, é meu sentido de viver, minha carreira, é o que eu amo. Não cantar seria como perder um membro.
Procurei um psiquiatra que me receitou remédios para ansiedade e depressão. Mas a ansiedade é algo que assombra, estou sempre vigilante. Fui a vários médicos que me falaram que era uma questão química, mas que não adiantaria só tomar remédio. Precisava dormir, comer, tomar água, fazer exercícios... Precisei mudar meu comportamento e colocar alguns limites.
Você é uma pessoa que traz alegria para o palco, que está sempre animando os fãs. Foi difícil manter as aparências em momentos de crise?
Sou uma pessoa muito genuína. E, às vezes, precisamos criar personagens para lidar com o dia a dia, quando estamos exaustos. Você é uma pessoa com a sua mãe, outra no trabalho, outra com seus irmãos... E todas essas personas fazem parte da gente.
Já aconteceu de eu estar passando mal no palco, mas não baixei minha energia para o público. Tenho a responsabilidade de entregar um show bonito e sinto uma conexão muito forte com meus fãs. Aquele é o show da vida daquelas pessoas, sabe? Já fiz shows em todas as condições possíveis e sempre busquei forças, porque pra mim é importante estar ali.
Em algum momento teve medo de falar sobre ansiedade e ser julgada?
Não, mas fui aconselhada a não falar, por ser algo que não é muito entendido. Me falaram que era melhor mentir, e nunca vou fazer isso. Não existe essa possibilidade. Quando você mente, invalida todas as suas outras verdades.
Tenho uma relação sincera com o que faço. Acho que é meu papel trazer visibilidade para assuntos importantes, falar dos meus processos. É uma oportunidade para quem quer buscar conhecimento. As pessoas vão acreditar no que elas querem, não tem muito o que você possa fazer. O meu papel é ser justa e verdadeira.
Newsletter
HORÓSCOPO
Todo domingo, direto no seu email, as previsões da semana inteira para o seu signo.
Quero receberVocê se vê como um exemplo para os jovens, que são a maioria de seus fãs?
Engraçado que eu não penso sobre isso diretamente porque não me vejo dessa forma. Acho que a minha música é muito maior do que eu. A Melim é muito maior do que a minha própria imagem. E acredito que isso é o que tenho de melhor para oferecer.
Nossas músicas, com as mensagens que elas passam, influenciam e incentivam as pessoas nos momentos que elas precisam. Para mim, é muito mais legal quando as pessoas falam que minha música mudou a vida delas ou as ajudou a superar alguma dor. Me traz mais sentido, sabe?
A sua carreira começou na composição, né?
Sim, já escrevia muito antes da Melim acontecer. Fazia shows na noite carioca, cantei na Europa. Sempre fui de me jogar. Dessa forma, conheci algumas pessoas no mercado, elas me convidavam para trabalhos e eu fui. Não esperei a oportunidade certa. Sempre gostei de compor e faço isso desde nova.
Por exemplo, escrevi a "Peça Felicidade" quando tinha 15 anos e gravamos no primeiro disco da Melim. Compor é algo natural pra mim, mas também tem muita prática. Eu evoluí com o tempo. "Meu Abrigo" é uma composição minha com meu irmão Rodrigo.
Tem muita música sua cantada por outros artistas?
Tem sim. Sempre usei toda minha energia para escrever para a Melim, mas nas poucas vezes que sentei para compor para outras pessoas acabou rolando. Lembro de uma madrugada em que eu e meus irmãos estávamos em casa com o Rafinha [compositor] e fizemos três músicas. Duas delas foram gravadas pela dupla Matheus & Kauan e estão no DVD deles.
Dá ciúme ver suas composições na voz de outras pessoas?
No começo, talvez. Mas ter uma banda ajuda a trabalhar essa questão da individualidade, já que tudo é compartilhado. Esse ciúme tem que ser trabalhado.
Quando a gente amadurece, perde essa necessidade de posse. Tenho amigas em carreiras solo que falam pra mim que não conseguiriam viver em uma banda, porque as decisões são sempre só delas, enquanto as minhas compartilhadas. Trabalhar em banda te dá esse senso de equipe.
Deixe seu comentário