Marina Ratton: 'Melhorar vida sexual de mulheres não é nada mirabolante'

Descobrir o clitóris, entender a própria vulva e, finalmente, ter uma relação mais saudável com o sexo. Se 70% das mulheres afirma sentir dor na relação sexual, qual seria o caminho para que elas consigam sentir mais prazer? Foi com perguntas como essa na cabeça que a empresária mineira Marina Ratton, 37 anos, decidiu trabalhar, em 2020, em um nicho de mercado que ainda engatinhava à época: o do bem-estar sexual.

Formada em moda, ela começou a carreira nas revistas semanais da editora Abril. Ali, viveu uma interação grande com o público: a pesquisa para melhorar as publicações nas quais trabalhava incluía visitas à casa das leitoras, para entender melhor seu modo de vida e seus gostos. Depois, migrou para área de marketing, trabalhou em uma grande rede de academias e viveu intensamente o universo do bem-estar escutando clientes.

O próximo passo foi a indústria farmacêutica, quando teve a percepção de que homens estavam na liderança das marcas e eram eles que decidiam a respeito da vida e questões de saúde de mulheres. "Era sempre um médico de jaleco falando em termos técnicos. A gente não estava falando a real sobre a jornada intima feminina", se deu conta.

Todo esse background profissional culminou na decisão de empreender na área de bem-estar sexual— a Feel, empresa que vende sabonetes íntimos, lubrificantes e óleos calmantes, nasceu em 2020, quando Marina notou que havia uma oportunidade na área de saúde intima e sexualidade. "Muitas mulheres têm dor e desconforto na relação e isso para mim justificava fazer o produto. É comum que poucas

acessem o próprio prazer e isso só se resolve com educação e conhecimento do corpo. Por exemplo: se 70% das mulheres tem nojo de menstruação, como poderão construir sua própria intimidade?", questiona.

Logo depois, conheceu Marilia Ponte, que havia fundado uma marca com objetivo parecido, a Lilit, e comercializava vibradores. Na conversa online, no meio da pandemia, ambas perceberam que deveriam ser sócias - a união dos dois produtos fazia sentido se o objetivo era dar mais prazer para as mulheres.

Quem mais conhece sua vulva?

A pergunta que ela costuma fazer às clientes é quem conhece mais a sua vulva: o ginecologista, a depiladora ou você mesma? E frequentemente o feedback que recebe é de mulheres afirmando que são quebradas, que não conseguem sentir prazer.

"Nós não podíamos correr o risco de reproduzir conceitos que acabassem se tornando uma pornografia 2.0. Não poderíamos prometer orgasmos como se a solução para tudo estivesse em um vibrador", afirma, lembrando que gozar ou não depende de uma série de fatores. "Se ela não está emocionalmente bem no trabalho ou está sobrecarregada, pode ser que seja um sabonete íntimo que vai ajudá-la a se colocar em contato com a vulva no banho. Isso pode ser sexual e nosso papel aqui também é educar e dizer que está tudo bem - pode ser que tudo que a mulher precisa é tomar um banho tranquila. Só isso já é muito. E, se ela precisar de mais coisas, nós estamos aqui para oferecer", diz.

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A proposta das sócias é colocar de maneira mais madura a complexidade do bem-estar: o que a mulher consegue fazer naquele momento basta. Com conversa e autoconhecimento, é mais fácil se sentir bem na cama.

Ela aproveitou a própria experiência profissional para estudar a cliente e investigar a fundo os desejos delas. Eram mulheres que estavam casadas a três, quatro anos e sentiam culpa de não ter uma vida sexual satisfatória e do impacto que isso trazia aos seus relacionamentos. "Nossa visão de bem-estar ficou mais voltada para educação, conhecimento do corpo", afirma.

Marilia Ponte e Marina Ratton: sócias pelo bem-estar sexual
Marilia Ponte e Marina Ratton: sócias pelo bem-estar sexual Imagem: DIvulgação

Menos rigidez consigo mesma

Na própria rotina, Marina afirma ser bem pouco rígida consigo mesma. "Não dá para a gente se pressionar porque não conseguiu dar conta de tudo. Mas eu faço questão de acordar mais cedo todos os dias e tomar um café da manhã com meu marido antes de treinar. É um momento em que a gente se vê e conversa", diz. O treino diário é algo do que não abre mão. "É uma questão de saúde mental e o momento em que queimo minha ansiedade".

Ela afirma que equilibra os cuidados estéticos. Está ansiosa para que nasçam cabelos brancos, mas compra cremes caros de cuidados para a área dos olhos.

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E organiza o dia para comer bem. "Faço questão de tomar banho com calma e me arrumar, por exemplo, com zero pressão estética. Às vezes, passar um batom diferente faz com que eu entre em contato comigo. Curto me dedicar a isso e ter uma relação saudável com meu corpo."

Estar sobrecarregada, aliás, é uma constante na rotina da maioria das mulheres e ela não foge disso: "A rotina caótica engole a gente. Então, sei que temos dias e dias: se um prato caiu, é porque o outro está lá em cima. Não me penitencio. Há mensagens que eu vou demorar para responder. Sou empreendedora e tenho muitas demandas. Mas gosto da vida online, de postar coisas do trabalho e da minha rotina, mesmo que discretamente. Trabalhar com bem-estar sexual é um privilégio".

Não é algo mirabolante

Nesses quatro anos de empreendedorismo, o feedback das mulheres que se sentiam "quebradas" foi mudando. Algumas contam ter o bullet Lilit e o lubricante da Feel em um altar, no quarto, por exemplo. Há diversas clientes que relatam o primeiro orgasmo após o uso do produto. "Recentemente, em uma feira, uma cliente me disse que se sentia estuprada a cada relação e, com o lubrificante, tudo melhorou. Isso é muito gratificante. E não é algo mirabolante: estamos falando de um bullet externo que aumenta a circulação clitoriana e de lubrificantes naturais", ela afirma.

O público da Feel e a Lilit (as sócias fizeram questão de manter as duas marcas) são mulheres de 43 a 55 anos. Algumas compram quatro lubrificantes de uma vez só, para não correr o risco de acabar. "Uma cliente queria mandar o produto para uma amiga que ia viajar para Trancoso com o marido, com quem estava em crise. Como a compra não chegaria a tempo, ela deu o seu próprio produto para a amiga levar e comprou outro para si", descreve, no melhor exemplo de como funciona o boca a boca.

"A ideia é ser uma marca de mulheres que deixa a cara. Colocamos nosso clitóris na mesa para mostrar que estamos aqui", ela brinca e completa: "Estamos em um país que usa o condicionador como lubrificante íntimo. Não tivemos educação sexual. Há o caso de um cliente que comprou nossos produtos para a esposa que tinha atrofia vaginal e escreveu uma carta dizendo que não sabia como resolver o problema, mas ia fazer de tudo para aprender com ela. Ele se propôs a passarem por isso juntos. A oportunidade de educar a mulher respinga no homem", afirma emocionada. Nessa jornada, os homens também se beneficiam quando veem suas mulheres começarem a sentir prazer.

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Produtos para conectar corpo e mente

Todo esse trabalho é cuidadoso para não deixar que o assunto vire militância e que o resultado não seja efetivo para o que a mulher precisa. "Não pode ser ditadura estética, nem uma pressão pelo orgasmo. No fim, as clientes relatam é que o mais legal foi descobrir que tinham um clitóris. Então, não adianta a gente pensar em vibradores com mil funções. Estamos um passo antes ainda", conta.

No começo, Marina achava que o lubrificante deveria ser 100% natural e sem cheiro. Percebeu, no entanto, uma demanda de mercado por produtos perfumados, que faz questão de atender. "O Brasil é o terceiro maior consumidor de perfume no mundo. Se é isso que vai trazer mais tranquilidade e conexão com o corpo dela, vai ajudá-la de alguma forma. A gente está aqui para atender".

O excitante, produto da marca que tem gengibre em sua composição e aumenta a vascularização na região do clitóris, causa um resfriamento no órgão que leva a concentração da mulher àquele ponto e assim, aumenta o prazer. Tudo isso com o que ela chama de paladar "beijável" - um gostinho bom que estimula o sexo oral.

E, como o bem-estar sexual tem tudo a ver com a mente, a sensualidade também pode ser explorada por contos eróticos escritos por mulheres e publicados semanalmente nas redes sociais da marca. "É uma de nossas ações online mais acessadas e agora vamos evoluir para áudios eróticos, um recurso que ajuda o prazer prolongado", conta. Todas as narrativas têm o cuidado de não ferir a mulher ou colocá-la em lugar de inferioridade.

Não por acaso, nas duas captações de investimento pelas quais passaram, 90% do recurso arrecadados veio de investidoras anjo mulheres. "São aquelas que ascenderam profissionalmente e estão financiando projetos. Quando vamos negociar com homens perdemos muito tempo explicando o que é sentir dor na relação, por exemplo. As mulheres se entendem melhor quando se fala de prazer e podem se ajudar mais", diz.

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