'Mulheres silenciam situações para sobreviver', diz Camila Farani
Como é de se esperar de alguém que toma decisões difíceis todos os dias, Camila Farani, 42, pensa antes de falar e te dá toda atenção durante uma conversa. E são necessários poucos minutos de papo com ela para que você esqueça a sua importância no mundo de investimentos e acabe se sentindo como uma amiga.
Reconhecida no mercado, Camila participa de diversas empreitadas diferentes. Ela é presidente da G2 Capital, empresa focada em investir em tecnologia, fundadora do Grupo Farani, dedicado a projetos focados em educação, e sócia de diversas outras corporações.
Camila participou de seis temporadas da versão brasileira do programa "Shark Tank" e acaba de lançar um curso exclusivo para mulheres que querem empreender chamado "Ela Vence".
"Me realizo ensinando outras mulheres. Decidi há alguns anos que essa era minha missão", disse em entrevista à Universa.
Apesar de toda essa sorte no jogo, Camila também tem sorte no amor. Apaixonada pela stylist Tula, elas esperam o primeiro filho, Luca. "Sempre quis ser mãe, era um sonho". E confessa: seu maior medo nesse momento é o parto.
UNIVERSA: Você é uma mulher em um ambiente extremamente masculino. Se lembra de alguma situação de machismo, homofobia e misoginia que já passou e que pode dividir com a gente?
Camila Farani: Quando eu entrei no "Shark Tank", um homem do mercado de startup me falou que eu tinha sido escolhida pela cota de diversidade. Estávamos na primeira temporada. Não falei nada na hora, mas também nunca mais conversei com ele.
Passei por outra situação por conta da temperatura do escritório. Estava muito frio e liguei o ar para aquecer o ambiente. Um colega chegou, desligou e disse que eu não podia gastar energia para esquentar o escritório, na frente de toda minha equipe. Ele era meu par, não meu chefe.
Na vida pessoal, quando Tula e eu anunciamos a gravidez sofremos bastante com os comentários. Lemos coisas como "vocês estão com o demônio dentro de vocês", "isso não é de Deus"... Era tudo muito chocante. E agora fico me perguntando em que mundo o Luca vai nascer.
Você fez um post sobre esses preconceitos em suas redes sociais. O que recebeu de feedback?
Esse post reverberou muito. Foi como se todas as mulheres tivessem suas histórias guardadas e as colocaram para fora. Não tinha dimensão do tamanho desse lugar que toquei. Nós, mulheres, de alguma forma, tentamos silenciar situações para sobreviver. Eu mesma já tentei fazer isso.
Depois da publicação, o assessor de um deputado me ligou e sugeriu criarmos um projeto de lei chamado "Ela Vence", como meu curso, para darmos mais atenção às situações de assédio moral nas empresas. Estamos trabalhando para ver como isso pode ser viabilizado. Ainda não temos nada escrito, mas já marcamos uma reunião para pensarmos essa ideia.
Como você se apaixonou pelo ambiente dos negócios? Meninas não costumam ser incentivadas a seguirem carreira em áreas de exatas...
Nunca fui boa em matemática e tive um professor que dizia para minha mãe que como eu não ia bem na disciplina ia ser difícil ser alguém na vida. Cresci achando que era ruim com números, mas quando fui ajudar minha mãe com um negócio que ela tinha, criando algumas inovações, me apaixonei.
Sempre tive essa vontade de ser empresária, mas não sabia de qual área. Não sou especialista em números, mas me aprofundei, me tornei investidora e decidi que aquela história de eu ser ruim era algo que colocaram na minha cabeça.
Vamos falar do "Ela Vence", seu curso para mulheres empreendedoras. Para você, é importante ajudar mulheres?
Eu me realizo ensinando outras mulheres. Quando elas falam que eu mudei suas vidas, que passaram a faturar 25% a mais, que conseguiram sair de relações ruins, não tem preço. Decidi há alguns anos que essa era minha missão. Chamo para mim a responsabilidade de criar um ambiente confortável e uma comunidade para as mulheres.
O "Ela Vence" dá curso para quem está começando, quem já tem negócio e quer crescer, ensina sobre finanças, marketing, gestão. Temos até um software que ajuda a fazer um diagnóstico dos empreendimentos. Além disso, temos um marketplace para essas empreendedoras venderem seus produtos e as mentorias comigo e com meu time. É um ecossistema completo para as mulheres, uma grande rede de apoio.
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Quero receberPara você, o quanto é importante ter essa rede de apoio?
É muito importante. Nove em cada 10 empreendedoras não têm apoio. Muitas vezes o marido não dá suporte, a família não quer, insiste para que ela siga em uma profissão com carteira assinada ou no serviço público. E não é culpa de ninguém. O fato é que não fomos criadas para assumir riscos.
Você já recebeu feedbacks emocionados de mulheres que fizeram parte de seus cursos?
Não quero parecer metida e arrogante, mas recebo depoimentos assim todos os dias. E é tão valioso pra mim. Já aconteceu de eu estar em palestras e mulheres me abraçarem chorando. Tem dois casos específicos que sempre me lembro.
Uma vez, estava dando uma palestra em uma grande empresa e o vice-presidente queria muito falar comigo. Quando nós conversamos, ele me disse: 'Camila, você mudou a vida da minha mãe. Ela via seus conteúdos, acompanhava suas redes e você a tirou da depressão'. Devia ser uma senhora entre 70 e 80 anos que já tinha sido comerciante, mas faliu. E ela carregava esse estigma de frustração.
Outra história que me lembro é a da Tamara, que trabalha comigo. Ela tem três filhos e não conseguiu terminar seus estudos. Um dia ela me disse que queria fazer uma camiseta com uma foto minha. Até me emocionei, porque talvez seja uma simbologia do quanto ela me dá importância em sua vida.
Quando você respirou aliviada e percebeu que todo o seu trabalho tinha dado certo?
Quando eu sentei na cadeira do "Shark Tank". No começo, senti que aquele lugar era grande demais para mim, típica síndrome de impostora. Com o tempo percebi que estava no lugar certo.
O que te dá mais frio na barriga: apresentar, como você fez no "Shark Tank" e no palco com seu nome no Rio Innovation Week ou negociar contratos difíceis?
Estar no palco e no programa não me deixa nervosa, porque eu amo. Mas também amo uma mesa de reunião, porque ali estou negociando. E quanto maior a negociação, mais empolgada eu fico. Mas se for para escolher algo entre essas três opções, acho que é estar em uma mesa de negociação. Tive uma esses dias em inglês que eu estava nervosa.
Mas o que eu tenho medo hoje em dia é parto de criança.
Eu sei que você e a Tula estão grávidas e ia perguntar qual era o seu maior medo da maternidade. Então é o parto?
Com toda certeza [risos]. E a maldade do mundo. No ambiente dos negócios, assim como em tantas outras áreas da vida, a gente vê tanta coisa. Você vê crianças inofensivas tendo que lidar com situações cotidianas difíceis. Não vou fechar os olhos, sei que o Luca também vai passar, porque ele tem duas mães. Até mesmo com coleguinhas, porque essas crianças reproduzem o que elas ouvem em casa. Então posso dizer que essa é minha grande preocupação.
Você passou por um processo de congelamento de óvulos. Foi difícil?
Eu nunca falei sobre isso. Congelei meus óvulos quando eu tinha 35 anos. Estava entrando no "Shark Tank Brasil", recém-separada do meu ex-marido e começando a me relacionar com mulheres. Fiquei 11 anos casada e descobri que tinha endometriose quando começamos a tentar engravidar e não dava certo.
Sempre tive muita cólica e menstruei pela primeira vez aos 9 anos. Nunca me pediram um exame sobre endometriose, então não sabia. Bom, aos 35 resolvi congelar os óvulos e recomendo fortemente que mulheres façam isso até essa idade, por conta da qualidade dos óvulos.
Estava fazendo viagens pelo Brasil e levava minhas injeções de hormônio. Na primeira tentativa, gerei poucos óvulos, então precisei fazer mais uma estimulação.
Seu sistema reprodutivo já tinha sido comprometido pela endometriose?
Sim, e eu já tinha feito uma cirurgia. Quando consegui a quantidade ideal de óvulos, congelei e fiquei tranquila, sabendo que em um momento oportuno eu poderia ser mãe. Eu e Tula tomamos a decisão consciente de engravidar agora. Meus óvulos ficaram lá sete anos, congelados. Não tem nada melhor para mulheres que querem ser mães. É um procedimento doloroso, emocional e fisicamente, mas também não é um grande sofrimento.
A Tula está gerando por conta dos seus problemas no sistema reprodutivo?
Não aguentaria passar por um processo de tentar e não conseguir engravidar. Como já tenho um histórico, a Tula está gerando o Luca. Não tínhamos preferência sobre quem, mas juntou o emocional, minha vida agitada e essa foi a melhor decisão.
Sempre quis ser mãe, era um sonho. Queria que fosse com uma pessoa que eu amasse, mas se não tivesse encontrado alguém seria mãe solo.
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