'Me usavam para conseguir dinheiro e hoje luto contra o trabalho infantil'
Na infância, Swany Zenobini foi resgatada de um semáforo onde havia sido colocada pela genitora para pedir dinheiro com os irmãos. Anos depois, já adulta, começou a compreender o que passou.
"Comecei a entender as explorações, as violências que vivi", disse Swany, de 30 anos, relações públicas e pesquisadora da USP.
Ela descobriu que sofreu exploração infantil e pode ter sido vítima de tráfico humano —quando uma pessoa é aliciada para o trabalho e mendicância forçada. Swany decidiu tornar-se ativista para que outras pessoas não passem o mesmo.
A Universa, ela conta sua história:
'Usava a gente para conseguir dinheiro'
"Quando era criança, morava com meus genitores e irmãos biológicos em Carapicuíba (SP), mas às vezes éramos abandonados em casa, sem cuidado.
Não sei o motivo para nos deixarem em casa sozinhos, mas aconteceu de os vizinhos denunciarem duas vezes a situação ao Conselho Tutelar, que nos levou a abrigos. Meus genitores conseguiram reaver nossas guardas em ambas as vezes.
Na segunda vez em que eles nos tiraram dos abrigos, minha mãe biológica, que era usuária de drogas, me colocou em um farol de trânsito para pedir dinheiro com meus irmãos. Eu tinha menos de quatro anos de idade.
Ela usava a gente para conseguir dinheiro dos motoristas, e o brasileiro, que gosta de ajudar, sempre dava uns trocos. Esse dinheiro era usado para financiar o vício em drogas e para comprar bebida alcoólica para ela.
Por coincidência do destino, o juiz que cuidava do meu caso e dos meus irmãos passou pelo farol onde estávamos pedindo dinheiro e viu a gente. Ele nos reconheceu e voltou com os agentes para nos levar novamente aos abrigos.
Foi a terceira e última vez que meus genitores perderam minha guarda.
Cheguei novamente ao abrigo bastante doente, com pneumonia. Fiquei na área do berçário, pois ainda era bastante pequena. Minha mãe adotiva me conheceu na primeira vez que foi ao abrigo. Ela não pretendia fazer uma adoção, já tinha duas filhas crescidas e foi apenas conhecer o local onde uma delas fazia trabalho voluntário.
Ela me viu no berçário bastante doente e começou a me visitar sempre, para levar fralda, roupinha e passar o dia comigo. Um ano e meio depois, minha mãe conseguiu minha guarda provisória e, depois, minha guarda permanente.
Violências e explorações
Ao longo da minha vida, meus pais sempre me contaram minha história. Eles falavam que eu não havia nascido da barriga, mas do coração. À medida que crescia, foram falando aos poucos sobre minha primeira infância. Respeitaram meu tempo, porque eu demorei muitos anos para assimilar que eu sou uma filha adotada.
Depois dos 18 anos, me aprofundei na história da minha adoção e, há cinco, comecei a entender o que havia enfrentado na infância. Então, passei a dar nome às coisas, às violências e explorações que vivi quando ainda era pequena. Por isso, decidi me tornar uma ativista contra a exploração infantil e contra o tráfico humano.
É claro que meus genitores podem ter as razões deles para me abandonarem em casa, mas a mendicância forçada, com objetivo de obter dinheiro não para comprar comida, mas para financiar o vício deles, é uma forma de exploração.
Comecei a estudar e percebi que posso ter sido uma vítima do crime de tráfico de pessoas, que inclui o trabalho infantil e forçado. Fiquei bastante interessada e resolvi que precisava ajudar os outros de alguma forma.
Percebi que no Brasil temos um tipo de exploração geracional, feita pelos próprios pais, muitas vezes. Quebrar esse ciclo é uma oportunidade para fazer uma criança sonhar.
O trabalho infantil causa evasão escolar e, sem educação, a criança não tem perspectiva de melhorar de vida. Ela vai ficar em situação de vulnerabilidade ao abuso sexual, psicológico e emocional.
'É uma forma de retribuir'
A primeira ONG em que atuei oferecia comida e música para garotas de programa na região da Luz. Ali, levamos mais um momento de leveza para mulheres em situação de vulnerabilidade.
Não parei e me envolvi cada vez mais: estou há três anos no movimento Mulheres do Brasil, onde criei o comitê de enfrentamento do tráfico humano. Afinal, as mulheres estão entre as principais vítimas desse tipo de crime [ela também atua nas comissões municipal de enfrentamento ao trabalho infantil de São Paulo e estadual de enfrentamento ao trabalho infantil nos transportes públicos].
Hoje, meu voluntariado é uma prestação de serviço público, não tenho pagamentos: é uma forma de retribuir à vida tudo de bom que ela me deu.
Em 2020, acompanhei afegãos que estavam acampados no aeroporto de Guarulhos porque, como eles estavam em uma situação vulnerável, poderiam sofrer aliciamento para o trabalho análogo à escravidão.
Também dou palestras em empresas sobre tráfico humano, para que consigam perceber, por exemplo, se uma terceirizada está trabalhando de forma análoga à escravidão. As companhias precisam se responsabilizar também pela prevenção, e o tema não deveria ser debatido apenas no ambiente corporativo, mas também no chão de fábrica."
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