Jogo Responsável: Rafael Ávila aponta "um longo caminho"
As apostas esportivas e jogos online, apesar de serem uma grande forma de entretenimento para a maior parte da população, se tornam um problema em alguns casos.
É quando usuários acabam passando dos limites financeiros e psicológicos e o que era para ser uma diversão se transforma num vício. Esse tipo de doença é conhecida como ludopatia ou jogo patológico.
É para evitar este tipo de situação e ajudar quem tem a doença que existe o chamado Jogo Responsável, que consiste numa série de práticas e políticas comportamentais e éticas relacionadas a jogos de azar. Algumas insituições já tomam à frente neste embate, como a SOS Jogador, grupo de apoio gratuito para pessoas com problemas com apostas.
Rafael Ávila é psicólogo pós-graduado em Terapia Cognitivo-Comportamental e diretor-executivo da SOS Jogador. Ele conversou com o UOL Apostas para explicar mais sobre o tema, qual o papel das casas de apostas, a importância do Jogo Responsável e os desafios para se chegar no ambiente ideal das apostas no Brasil.
Apostas esportivas devem ser diversão
As apostas esportivas, apesar de serem tema de debate recente, já são conhecidas há anos. Foi por volta do Século XVIII que as primeiras apostas foram realizadas, em corridas de cavalos e de galgos, na Inglaterra.
O jogo sempre teve como objetivo principal o entretenimento, aliado a uma pequena probabilidade de ganho financeiro, o que gerou a paixão de usuários e nos guiou até o momento atual. Com o passar dos anos, foram criadas políticas e comportamentos éticos do chamado Jogo Responsável, que nada mais é do que saber jogar, quando jogar e quanto dinheiro apostar para que a saúde financeira e psicológica do apostador não seja impactada pelos resultados. No fim, tudo deveria ser apenas diversão.
As práticas de Jogo Responsável visam minimizar os riscos associados aos jogos online, munindo os usuários de informações úteis e os encorajando a tomar decisões que ajudem nos casos de jogo excessivo ou compulsivo.
“Os jogos de azar são uma forma de entretenimento, e entretenimento não é para causar danos na sua vida. Nem todos se divertem, e pra algumas pessoas não é uma prática segura. Se quando você aposta não se diverte, é melhor parar. E se não consegue parar, procure ajuda, é possível melhorar”, afirma Rafael Ávila.
As casas de apostas "devem oferecer as ferramentas"
Num momento em que as apostas estão a ser regulamentadas, o Jogo Responsável tem tido grande destaque nos debates, já que a Lei das Bets, em seu Art. 8º, obriga as casas de apostas a implementarem políticas de jogo responsável.
Segundo Rafael, “essas ferramentas servem para a maioria das pessoas, se utilizadas de forma preventiva”.
“É uma forma de controlar o impulso e ajudar uma pessoa que pode estar em um comportamento compulsivo a conseguir retomar os pensamentos”.
Apesar de a Lei 14.790/2023 citar apenas a responsabilidade das operadoras de apostas, Ávila ressalta que todos têm seu papel para o bom funcionamento do setor de apostas no que diz respeito ao Jogo Responsável, inclusive o apostador.
“O jogo responsável é uma responsabilidade igual de todos, porque deve ser um pensamento comum e incentivado por todos. Pelo Estado, casas de apostas, plataformas de pagamento e usuários. As casas devem oferecer as ferramentas, ensinar a usá-las e incentivar o uso. Por outro lado, nada disso traz eficácia se o usuário decide ignorar e não utilizar as ferramentas”, explica.
"Temos um longo caminho para chegarmos no modelo ideal"
Embora já existam instituições como o IBJR (Instituto Brasileiro de Jogo Responsável), que contam com membros associados e regras para que estes operadores continuem sendo parceiros, há ainda um longo caminho a ser traçado para que o Jogo Responsável chegue ao ponto ideal.
Por mais que a Lei das Bets contemple aspectos relacionados ao Jogo Responsável, Ávila aponta para uma falta de interesse dos operadores em aplicar todas as ações necessárias.
“[As regras] são suficientes para estimular os operadores a assumirem um compromisso maior com o jogo responsável do que o que é feito hoje. Porém, há ainda margem para que as operadoras façam apenas o mínimo. Temos ainda um longo caminho para chegarmos no modelo ideal, mas, com certeza, é um ótimo ponto de partida”, destaca.
Num cenário em que as casas de apostas podem fazer “apenas o mínimo”, de acordo com Rafael Ávila o ponto chave será a fiscalização. “Acredito que a maior dificuldade será a fiscalização, sobretudo nas redes sociais. O volume de casas de apostas que vemos hoje dificulta ter o controle do que está sendo praticado no país. Na falta do rigor na fiscalização, abre-se espaço para operadores mal intencionados”.
Estima-se que as marcas que solicitaram a licença para operar no Brasil possam receber a autorização no início de 2025. Entretanto, há assuntos que exigem uma atenção imediata.
“Devem ajustar a publicidade imediatamente, não há mais espaço para a venda dos jogos de azar como fonte de renda ou dinheiro fácil. Essa forma de propaganda é algo que não deveria estar acontecendo há muito tempo”, explica o psicólogo.
Empresas devem oferecer treinamento adequado para os colaboradores
Um dos pontos mais críticos para a aplicação das políticas de jogo responsável é a identificação do jogador compulsório que precisa de algum tipo de ajuda ou intervenção em sua atividade de apostas.
Para Rafael Ávila, a maior responsabilidade das casas de apostas é um bom programa de treinamento para os funcionários das casas de apostas.
“Tem que realizar treinamento sobre jogo responsável abordando como algo mais prático, sobre a pessoa que busca ajuda. É preciso conhecer os serviços públicos de saúde e as políticas públicas que serão criadas, as instituições de acolhimento ao jogador compulsivo, apresentar as ferramentas de jogo responsável corretas para cada caso”, afirma.
Os colaboradores do suporte ao cliente são o ponto chave para o sucesso das práticas de Jogo Responsável, pois “é através do apoio ao cliente que você conhece e tem um contato humano com o usuário. É onde o usuário recebe o primeiro acolhimento em sua busca por ajuda”, ressalta Ávila.
“Os atendentes bem preparados saberão identificar falas e comportamentos do usuário que possam indicar que é um usuário que precisa de ajuda, já fazendo uma intervenção precoce e apresentando as ferramentas do jogo responsável”.
A experiência no SOS Jogador faz com que Rafael conheça características dos apostadores. Para ele, os operadores devem deixar de lado preconceitos e estereótipos ao lidar com quem sofre do jogo patológico.
“É importante sair do ‘viciado metafórico’ e lembrar que são pessoas precisando de ajuda. Outra coisa muito importante é preparar seu time para lidar com questões sensíveis, considerando a alta presença de ideação suicida em pessoas com problemas relacionados ao jogo”, explica.
Regulamentação é o melhor caminho para o mercado de apostas brasileiro
As apostas esportivas e, consequentemente, a regulamentação no Brasil são, com frequência, alvo de críticas. Casos de pessoas que sofrem com o jogo patológico são utilizados para tirar a credibilidade do mercado.
Enquanto uma parte da população segue contra a regulamentação das apostas no Brasil, Rafael enxerga como um passo importante, inclusive, para que as pessoas tenham ainda mais conhecimento sobre o setor.
“O mercado regulado, se tiver suas regras bem respeitadas, trará um maior controle e transparência para os usuários, os operadores têm a capacidade de aplicar as regras que foram colocadas”, afirma. “É bom também ressaltar que o contrário do mercado regulado é justamente o que vimos do período de 2018 até então, sem controle da propaganda, sem regras para oferecimento de ferramentas de jogo responsável, sem o controle de sites maliciosos. Então, os efeitos da regulação do setor são necessários”, completa Rafael.
O amadurecimento do setor de apostas no Brasil trará também uma maior noção do impacto que o setor tem no Brasil, a todos os níveis, desde financeiro até o comportamento dos usuários. Com as empresas tendo sede no Brasil e respeitando as regras definidas, os relatórios serão mais precisos.
“Acredito que a regulamentação traga dados mais confiáveis sobre o setor, a geração de empregos, um maior controle da propaganda, promoção do jogo responsável. A regulamentação vem na tentativa de arrumar a bagunça feita até então”, explica.
SOS Jogador presta apoio gratuito
Como no Brasil existem diversos casos de pessoas com compulsividade e excessos em jogos online, organizações como a SOS Jogador, liderada por Rafael Ávila, se tornam cada dia mais importantes no apoio aos jogadores.
“O SOS Jogador auxilia o usuário que sofre danos em consequência do jogo em sua vida, mesmo que não seja uma pessoa que preencha os requisitos do Transtorno do Jogo, mas que quer parar de jogar e tem dificuldades”, conta.
Ávila aponta para comportamentos em comum entre pessoas que sofrem problemas relacionados ao jogo, como vergonha, medo de julgamentos e solidão. “Um dos grandes problemas de alguém que sofre com problemas relacionados ao jogo é sua vergonha e o sentimento de estar isolado, sozinho para resolver seus problemas. O contato com outras histórias traz identificação e contribui para a pessoa entender o problema e se engajar na melhora”, finaliza Rafael Ávila.