Bets que não forem sérias "serão varridas pela concorrência"

Em entrevista exclusiva para o UOL Apostas, o presidente da Associação do Jogo Positivo, o advogado Filipe Rodrigues, explica como a regulamentação das apostas esportivas no Brasil protege o apostador e faz um aviso: ou as bets fazem um trabalho sério, “ou serão varridas pela concorrência”.

Especialista em questões contratuais, esportivas e Direito Administrativo e membro da Comissão Permanente de Integridade e Apostas da SIGA (Sport Integrity Global Alliance), Filipe Rodrigues enxerga a legislação aprovada e que começa a entrar em vigor como “muito boa”, especialmente para o apostador.

No entanto, como ele mesmo diz em suas palavras, “leis não criam cultura” e considera que a educação do público é a chave para um ambiente de apostas mais saudável no Brasil. Foi por isso que fundou a Jogo Positivo.

A Associação do Jogo Positivo tem como principal missão a educação ampla da população sobre as apostas esportivas, especialmente crianças e adolescentes

O objetivo é educar o público sobre como as apostas funcionam antes que tenham a oportunidade de apostar, de modo a terem ferramentas para lidar com as bets de forma segura.

Além da educação, é meta da Jogo Positivo o monitoramento do mercado, além de atendimento aos jogadores. No momento, a associação monta uma pesquisa para compreender o que o público brasileiro “entende por Jogo Responsável” para, depois, traçar planos de ação de acordo com os dados.

Fomos conversar com o fundador da Jogo Positivo para saber como o advogado Filipe Rodrigues avalia a regulamentação colocada em vigor pelo Governo Federal, sua visão da publicidade feita por influenciadores e ouvir suas sugestões importantes para o futuro do mercado no Brasil.

Como a Associação do Jogo Positivo ajuda a divulgar aos jogadores a importância de jogar com responsabilidade?

⁠A Jogo Positivo foca seu trabalho em três pilares: educação, monitoramento e atendimento. Para desenvolver ações em cada pilar é preciso pesquisa à base de dados. Acreditamos em pesquisa para mover nossas metas e etapas de trabalho. 

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Qual é a próxima meta ou etapa? 

Atualmente, estamos na fase de aceitação de novos filiados, o que nos permitirá ampliar nosso trabalho e ampliar o objeto da pesquisa. Na primeira etapa, precisamos saber o que o brasileiro entende de jogo responsável e, daí, criar um plano de educação adequado, considerando que o brasileiro tem perfis muito distintos. É preciso entender essas diferenças e calibrar o plano educacional com base nessas diferenças, se houver. Afinal, comunicação passa pela compreensão da linguagem e tantos outros aspectos.

A legislação atual atende os melhores critérios para que o Jogo Responsável seja praticado?

A legislação atual é muito boa. Ela transformou o setor da noite para o dia. Ela confirmou o básico: menores, pessoas expostas esportivamente, adictos não podem jogar. Protegeu fisicamente escolas, colégios e ambientes hospitalares. Além disso, a legislação impõe limites para um mercado que até o final de 2023 era sem limites. Toda extravagância e comunicação inapropriada estão vetadas. As operadoras que já tinham ‘compliance’ e bom senso ético não foram muito afetadas. A lei também criou direitos para o apostador.

E que direitos são esses?

Ele tem direito a ser informado sobre os riscos do jogo desde o cadastro. Essas informações precisam estar em linguagem e tamanhos claros. Caso ele queira, ele pode se auto impor limites de tempo e gastos de forma personalizada. Cada jogador tem seu limite de tempo e recursos. A plataforma deve possibilitar e incentivar a criação desses limites.

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Tudo isso é suficiente ou falta algo ainda?

A única coisa que a lei ainda não fez foi a criação de um cadastro único de pessoas excluídas por si, pela operadora, por decisão administrativa e judicial. Isso impediria que um adicto se limitasse numa operadora e entrasse em outra no dia seguinte.

Qual a principal meta da associação Jogo Positivo para acreditar ter resultados com a prevenção do Jogo Responsável?

A principal meta da Jogo Positivo é a educação ampla da população. Precisamos educar principalmente as crianças e adolescentes. Assim como elas precisam receber educação financeira, educação sexual para lidar com tais temas na idade adulta com equilíbrio e fazer escolhas que façam sentido segundo suas idiossincrasias. Do mesmo modo é com o jogo. A educação e a reflexão devem vir antes da prática.

Saber dos riscos antes do uso?

Exatamente. Saber dos riscos antes do uso. Só cumpriremos nosso objetivo quando isso entrar na grade curricular como tema a ser debatido no conteúdo pedagógico de uma escola particular e pública.

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Como o mercado brasileiro de apostas está em relação a porcentagem de jogadores e viciados em jogos?

Não temos pesquisa sobre isso. Daí, a importância de pesquisa. 

E como fiscalizar as maiores casas de apostas esportivas deem real atenção ao Jogo Responsável e ajudem a divulgar para os seus usuários?

É preciso ter um trabalho conjunto de governo, setor de jogos e sociedade civil. Criando juntos parâmetros, fiscalizando juntos e sancionando quem não se importar com a saúde social. 

É um jogo coletivo.

Isso, mas tudo passa pela tecnologia. Assim como os padrões ‘ESG’ (*nota: ESG é um termo ligado às melhores práticas Ambientais, Sociais e de Governança) precisam ser aferidos de forma regular e atualizados quase diariamente, do mesmo modo é com o Jogo Responsável. Ser responsável todo dia, o ano todo. 

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As casas de apostas precisam agir com transparência e governança corporativa.

Promessas falsas ou dúbias não são permitidas. Logo, as casas de apostas irão ser fiscalizadas, acionadas judicialmente com mais constância se continuarem a ter práticas lesivas contra o consumidor

E como levar as marcas a terem requisitos de aposta mais fáceis de interpretar?

Agora, elas terão CNPJ e sede aqui, não terão como escapar. O brasileiro conhece muito o Reclame Aqui. Ou as bets farão um trabalho sério, ou serão varridas pela concorrência

Muito se fala do Jogo Responsável. Entretanto, quais são as outras ações que as casas de apostas e Governo devem tomar para criar um ambiente mais saudável?

Eu gosto muito do mercado belga e australiano. No mercado australiano, o governo criou o Bestop. Um programa que contém uma lista única de impedidos de jogar. Uma vez que o jogador se autoexclua da plataforma governamental, ele estará excluído de todas as operações legalizadas no país. Ele só pode voltar depois do período de autoexclusão.

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Na sua visão, o Jogo Responsável é um fator que reduz as apostas feitas pelos jogadores?

Definitivamente não. O Jogo Responsável só cria consciência e atua mais fortemente através de restrições a um grupo muito pequeno de jogadores que desenvolvem compulsividade e não conseguem lidar com isso sozinhos. O que reduz as apostas é a ausência de publicidade e alta carga tributária.

Como a educação e a conscientização podem ajudar os apostadores a ter uma experiência de jogo mais satisfatória?

Na minha opinião, mais pastas ministeriais precisam estar envolvidas no tema do jogo, como o Ministério da Educação. Precisamos incluir o tema da possibilidade de entretenimento e dos riscos, bem como da prevenção ao jogo patológico desde a infância.

Como analisa a publicidade das bets e a propaganda feita por influencers e famosos? 

Moderação. Desde que as operações de apostas atuam no Brasil, devido ao atraso na criação da regulamentação, houve uma liberdade absoluta para publicar não somente apostas, mas um estilo de vida falso. Nem todos que jogam futebol serão o próximo Messi ou Neymar, mesmo que treinem muito. Eu mesmo nunca seria. 

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Da mesma forma, alguns podem apostar muito tempo e com muitos recursos. Nunca serão milionários devido ao jogo ou terão mansões com isso. Isso é enganoso. Isso precisa parar imediatamente. E a regulamentação busca frear isso.

Em 17 de setembro foi publicada a portaria que proíbe casas de apostas sem licença, ou que não tenham solicitado a outorga junto ao Ministério da Fazenda, de operarem no Brasil a partir de outubro. Como essa medida impacta o Jogo Responsável? 

O tema do licenciamento é muito importante. Estar licenciado e operar de forma regulamentada garante o pagamento de impostos e a adequação aos padrões de comunicação, marketing e publicidade responsável. A portaria 1.475 é uma confirmação que no Brasil o Governo pretende fiscalizar seriamente o setor. 

Quem é sério, quem trabalha em ‘compliance’ e valoriza o Jogo Responsável não temeu a nova portaria. Mas quem adiou a adequação teve que antecipar sua conformidade regulatória. Mas, leis não criam cultura. 

E como se criará então essa cultura?

A cultura do jogo virá através da educação de todos na sociedade, em linguagem, conteúdo e formato apropriados. E isso precisa ser pensado. Ainda não foi.