"Temos uma legislação moderna capaz de criar um ambiente seguro"

A Regulamentação das Apostas no Brasil contou com um importante passo no início deste mês de outubro. O Ministério da Fazenda divulgou a lista das empresas de apostas autorizadas a operar no país até dezembro.

Estas empresas terão até o final do ano para se adequar a todas as exigências para obter a licença a partir de janeiro, incluindo a implementação de ações de Jogo Responsável.

E num momento em que o tema de Jogo Responsável ganha destaque, iniciativas como o Aposta Responsável surgem com o intuito de ajudar o apostador que enfrenta dificuldades por conta do jogo compulsivo.

O Aposta Responsável é um site onde o usuário pode, por exemplo, fazer um autoteste para saber se as apostas estão prejudicando sua vida. Se o teste definir que o usuário precisa de ajuda, a plataforma oferece uma rede de apoio e uma série de dicas que podem ajudar o apostador a ter melhores práticas no jogo online.

E foi neste mote que conversamos com Ricardo Feijó, advogado especializado na regulamentação dos jogos de azar no Brasil e o idealizador do projeto Aposta Responsável.

Na sua qualidade de especialista em regulamentação, que análise faz à legislação brasileira para os jogos online e apostas esportivas online?

A legislação brasileira regulamenta de forma expressa e detalhada os jogos online e apostas esportivas online. O foco da regulamentação pode ser dividido em três principais pontos.

O primeiro é prever um processo de autorização para os operadores, vedando a exploração da atividade por quem não tem essa autorização. O segundo foco é a proteção dos apostadores, prevendo medidas de jogo responsável, prevenção à fraude e prevenção à lavagem de dinheiro. Por fim, a legislação busca garantir a higidez do jogo e a sua segurança.

Quais são os principais pontos da regulamentação das apostas?

O principal ponto da regulamentação é trazer para a legalidade atividades que eram exploradas, mas estavam fora do controle do Estado.

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O segundo ponto é o foco na proteção do jogador e não na simples arrecadação com a atividade. Temos uma legislação moderna e que é capaz de criar um ambiente seguro e saudável para a exploração da atividade.

Que aspectos da regulamentação você acredita que poderiam ser melhorados ou ajustados?

A legislação abrange os principais pontos do mercado. Por outro lado, coube à Secretaria de Prêmios e Apostas regulamentar a legislação. Nesse sentido, foram publicadas 14 portarias desde o ano passado.

A regulamentação é bastante extensa e detalhada. Pode-se dizer que em alguns pontos ela acaba sendo muito excessiva. No entanto, o que vale é a aplicação prática dessas regras. Somente quando as portarias estiverem em plena vigência, a partir de 01/01/2025, saberemos se existem pontos que devem ser alterados ou não.

Como a regulamentação do Brasil se compara às de outros países que já possuem mercados de apostas legalizados?

Mostra-se muito avançada e incorpora a experiência de outros países. No entanto, a regulamentação do Brasil tem um mercado muito peculiar, mostrando-se difícil compará-la. Podemos dizer, entretanto, que temos uma legislação muito boa e esperamos que a sua aplicação concretize essas normas.

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E na sua visão, como o cenário das apostas esportivas no Brasil estará daqui a 5 anos, após a implementação da regulação?

Em 5 anos, teremos um mercado mais maduro e experiente com a regulamentação. Passaremos por momentos difíceis de transição em que os operadores e o regulador terão que agir de forma cooperativa para manter um mercado que seja saudável e bom para todos. A falta de cooperação certamente gerará uma fuga para o mercado ilegal, que não interessa ao consumidor, aos operadores e ao Estado - ou seja, não interessa a ninguém.

O combate aos sites ilegais será efetivo? Será possível eliminar os sites ilegais?

Essa é a grande esperança de quem aplica para uma autorização federal. Existem mecanismos legais, como bloqueio junto à ANATEL e proibição de processamento de pagamentos por instituições autorizadas. 

Porém, será necessário verificar a conduta do regulador perante o mercado ilegal. Somente com um combate efetivo do mercado ilegal teremos um mercado regulado próspero e saudável.

Quais mecanismos você considera essenciais para garantir a transparência e a integridade do mercado de apostas esportivas no Brasil?

O principal mecanismo é o jogo responsável, que pressupõe a exploração do jogo de forma responsável e não abusiva. Isso quer dizer que desde o desenvolvimento de um jogo até a publicidade da casa de apostas deve se preocupar em agir de forma que não seja apelativa ou falsa, mas que promova o jogo como entretenimento.

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Além disso, é importante que as empresas tenham um controle financeiro próprio para prevenir a lavagem de dinheiro.

Por outro lado, as obrigações legais são justas para as casas de apostas e cassinos online?

Entendemos que as obrigações são justas, apesar de muitas delas poderem ser excessivas e de difícil cumprimento. A questão é como será feita a aplicação dessas exigências pelo regulador.

O que você acha sobre a tributação proposta no Brasil para as operadoras de apostas? Ela é competitiva em relação a outros mercados?

A tributação dos operadores é bastante alta no Brasil, especialmente comparando com outros países. O risco da alta tributação é o fomento do mercado ilegal que não recolhe tributos.

Entendemos que o mercado interessado na regulamentação está disposto à tributação atual, mesmo sendo alta. No entanto, tentativas de aumentar ainda mais a carga tributária tendem a gerar o esvaziamento do mercado regulado.

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A regulamentação está ficando tão apertada que o mercado brasileiro pode não ser competitivo para as maiores bets do mundo?

Atualmente, creio que o mercado ainda é muito interessante para grandes operadores. Claro que o aumento da tributação pode fazer as empresas repensarem o interesse no mercado brasileiro. Todavia, no cenário atual, diversas empresas grandes de fora do Brasil já requisitaram a autorização para explorar as apostas no Brasil.

Você vê riscos de que a regulação crie barreiras para a entrada de pequenas e médias operadoras no mercado brasileiro?

Certamente, o valor altíssimo da outorga criou essa barreira de entrada, bem como as exigências de diretoria e de normas regulamentares. Hoje, é praticamente impossível que uma empresa de pequeno ou médio porte tenha capacidade para explorar o setor de forma adequada.

Como a regulamentação pode impactar os clubes de futebol, que têm se beneficiado do patrocínio de casas de apostas?

No primeiro momento, teremos casas que patrocinam times e que não terão autorização. Nesse caso, os times terão que adotar condutas para interromper o patrocínio. Por outro lado, com a regulamentação estabilizada, os times podem continuar se beneficiando do patrocínio das casas regulamentadas.

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O governo brasileiro tem envolvido todas as partes interessadas de maneira adequada durante o processo de regulação? Como esse diálogo pode ser melhorado?

O governo ouviu diversas entidades envolvidas nesse processo de regulação. É claro que seria melhor se tivessem sido feitas consultas e audiências públicas com ampla participação. Porém, o tempo exigiu uma regulamentação mais rápida do governo atual.

Então, entendo que o envolvimento foi adequado. Destaco, entretanto, que a regulamentação é um processo constante e a revisão e aprimoramento das normas no futuro pode contar com maior participação de todos os envolvidos.

Qual o papel do Aposta Responsável na ajuda aos apostadores?

O Aposta Responsável cumpre dois papéis fundamentais. De um lado, ajuda os jogadores a terem mais informações sobre sua conduta no jogo e informações do jogo em si, além de oferecer uma rede de apoio de psicólogos especializados em ludopatia. Isso ajuda os apostadores a entenderem melhor suas ações e a terem apoio quando precisam.

Ao mesmo tempo, o projeto ajuda os operadores a cumprirem as regulações de Jogo Responsável. O Aposta Responsável une o trabalho das empresas em promover jogos mais seguros com o desejo dos jogadores de apostar de forma saudável. Isso cria um ambiente melhor e mais positivo para todos envolvidos na indústria.

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O Aposta Responsável é uma iniciativa que nasce da sociedade civil para ajudar a criar uma cultura positiva de apostas. Como a regulamentação do setor poderia ajudar nesse objetivo?

A regulamentação fomenta práticas de jogo responsável pelos operadores - além das regras obrigatórias. Esperamos que os operadores incentivem e patrocinem iniciativas da sociedade civil para promover o jogo responsável, o que é incentivado pela regulamentação atual.