Nova lei de proteção aos animais está perto de sair. Saiba o que muda
Resumo da notícia
- Projeto de Lei que endurece pena para quem maltrata cães e gatos foi aprovado no Senado
- Projeto seguiu para sanção mas Bolsonaro ainda não se decidiu sobre o assunto
- Deputado autor do PL reúne assinaturas em um abaixo-assinado
- Maus-tratos aos animais cresce na pandemia e jurista opina que punição existente hoje é insuficiente
- Deputado autor do PL e jurista concordam que é preciso, também, buscar ações para além do âmbito penal
Bastaram cinco dias para que o abaixo-assinado do deputado federal Fred Costa (Patriota-MG) no site change.org alcançasse 100 mil assinaturas. Na petição, o deputado pede que o presidente Jair Bolsonaro sancione o Projeto de Lei 1095/2019, escrito por ele e aprovado pelo Senado no último dia 9, que prevê o aumento da pena para quem pratica maus-tratos contra cães e gatos.
O abaixo-assinado, assim como as centenas de comentários nas redes sociais do presidente, parece ser agora o último recurso para convencê-lo a sancionar a lei. Apesar de ter anunciado em uma live no último dia 10 que faria uma enquete em suas redes para ouvir a opinião da população sobre o aumento da pena, a consulta até agora não saiu.
O questionamento de Bolsonaro é se a nova punição contra os maus tratos não seria muito dura. "Dá para você entender o que são dois anos de cadeia porque uma pessoa maltratou um cachorro? A pessoa tem que ter uma punição, mas dois anos... Dois a cinco anos?", opinou na ocasião.
Ainda assim, o deputado autor da lei, que carrega o lema de que "é preciso dar voz a quem não tem", diz estar otimista em relação à sanção, já que, segundo ele, "tem sido massacrante" as opiniões em favor dela nas redes sociais. Bolsonaro tem até primeiro de outubro para decidir pela sanção ou veto da lei.
O que é e o que pode se tornar a lei de proteção aos animais de estimação
A aprovação do projeto de lei no Senado e seu envio à sanção não poderia vir em melhor hora: se o quadro de violência contra animais já era preocupante, nos últimos meses têm se tornado ainda mais grave.
Ao mesmo tempo que algumas ONGs viram crescer a procura por adoção durante o período de isolamento social, aumentaram também os casos de abandono e denúncias de diversas outras formas de violência contra animais. De acordo com a agência de dados Fique Sabendo, a Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA) do estado de São Paulo registrou um aumento de 81,5% nas denúncias de janeiro a julho de 2020 se comparado ao mesmo período do ano anterior, totalizando 12.581 queixas.
Por enquanto, essas mais de doze mil pessoas denunciadas poderiam ser enquadradas no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, já que não existe no Brasil uma legislação específica para a causa animal. Com isso, estariam sujeitas a detenção de três meses a um ano (com possibilidade de aumento da pena em caso de morte do animal) e multa. Na prática, a maioria dos casos acaba com a pena convertida em prestação de serviços ou doação de cestas básicas.
Para Carlos Frederico Ramos de Jesus, jurista especialista em direito animal e professor da Faculdade de Direito da USP, a punição é insuficiente e desproporcional se considerado que a própria Constituição veda em um dos seus artigos a crueldade contra os animais. "Ou seja, a morte de um indivíduo senciente (capaz de sofrimento e dor), expressamente protegido pela Constituição, tem uma pena máxima de apenas um ano e quatro meses", afirma.
O advogado também lança luz sobre a questão das espécies silvestres e as que fazem parte da chamada "indústria animal" como vacas e porcos. "Cães e gatos são tão sencientes quanto bovinos maltratados na indústria da carne e nos navios de carga viva ou quanto a fauna do Pantanal e da Amazônia, desalojada pelos incêndios fora de controle".
Para ele, estes também deveriam ser protegidos por lei de qualquer tratamento cruel, mas o projeto de lei acaba focado nos domésticos por haver maior sensibilidade em relação a eles.
Esse debate não estava fora do radar de Fred Costa quando formulou a lei: o ideal de seu ponto de vista seria incluir todos os animais, mas isso tornaria quase inviável a aprovação do projeto considerando a resistência da bancada ruralista e dos parlamentares que apoiam rodeios ou vaquejadas - práticas que diz abominar.
"Não é a toa que temos dezenas de propostas que aumentam penas mas nenhuma delas foi aprovada", afirma ele, justificando a restrição a cães e gatos no texto do seu projeto. Ele também enfatiza que cerca de 90% das denúncias envolvendo maus-tratos referem-se a essas duas espécies.
O projeto aprovado no início do mês pelo Senado, e que agora aguarda sanção presidencial, modificará a Lei de Crimes Ambientais e substituirá o artigo contra maus-tratos animais atual, expandindo a pena para reclusão de dois a cinco anos no caso de agressão contra cães e gatos e proibindo que o agressor tenha a guarda do animal no futuro. Em termos práticos, aumenta as chances de o agressor de fato ser preso, já que somente condenações inferiores a quatro anos podem ser convertidas em penas alternativas.
Ações para além do legislativo - e do campo penal
Mudanças nas leis e no campo penal são importantes, mas estão longe de fornecer todas as respostas para esse e outros problemas sociais. Como medida preventiva, a expectativa é que o aumento da punição funcione como "um elemento de dissuasão da prática do crime", como explica Ramos de Jesus. Ou seja, uma maneira de convencer o potencial agressor a não praticar a agressão.
Ainda assim, a efetividade do combate aos maus-tratos depende de outros elementos como educação em ética animal e ambiental, fiscalização e expansão das delegacias de proteção animal - para que de fato as leis sejam efetivas. Nesse sentido, Fred Costa lembra o modelo no qual se inspira em sua atuação em defesa dos animais fora do legislativo, o tripé castração, adoção e fiscalização.
Além da consciência da importância de medidas educativas, o jurista também destaca a necessidade de aliar um outro debate a qualquer discussão sobre crimes e mudanças na legislação: a seletividade penal no Brasil. Segundo ele, o racismo e a desigualdade social presentes no país fazem com que o encarceramento em massa atinja justamente a população pobre e discriminada. Mudar esse quadro passa, entre outras coisas, pela educação em Direitos Humanos e pelo fortalecimento das Defensorias Públicas, para que pessoas presas tenham direito à defesa.
O advogado defende, no entanto, que esse é um debate que pode e deve ser feito paralelamente a alterações penais importantes como essa de agora, que buscam proteção de populações (humanas ou não) vulneráveis.
"A luta pelos direitos animais tem o mesmo fundamento moral da luta pelos direitos humanos: trata-se de entender que a nossa animalidade comum nos faz todos seres vulneráveis à dor, à tortura, ao abandono, à fome e que essa característica demanda proteções legais, na forma de direitos e de punição às violações", conclui.
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