Profissionais do Carnaval relatam dificuldades de viver um ano sem folia
O ano começou nos trazendo esperança de dias melhores com a chegada da vacina do coronavírus, mas o clima ainda anda estranho com número crescente de infectados e óbitos. Afinal, ver o país do Carnaval silenciado em fevereiro é bastante estranho [mas necessário]!
O Carnaval do Rio movimenta milhões de reais nos setores de turismo e cultura. São milhares de pessoas trabalhando diretamente para que a festa aconteça e encante o mundo com os desfiles. Desde 2020 o setor parou, e agora profissionais da folia, contam como suas vidas foram impactadas com a ausência do evento em 2021.
Tânia Bisteka, chefe do almoxarifado da Mangueira
Ex-rainha de bateria da Mangueira em 1999 e 2001, e com passagens pela Barroca Zona Sul, de São Paulo, Tânia trabalha há oito anos no almoxarifado da escola. Antes disso,foi coordenadora de alas de passistas e coordenadora das musas.
"Impactou muito, principalmente financeiramente, foi um baque. As escolas estão passando por dificuldades, e a Mangueira é uma delas. Reduziram nossos salários, dizem que não têm como pagar. A Mangueira não demitiu ninguém, quando eles conseguem alguma coisa, eles ajudam".
Tânia também trabalha como cabeleireira em sua casa, mas, por conta da pandemia e do isolamento social, viu a procura pelos seus serviços despencar.
"Tive que parar meu curso de reciclagem porque pagava com o dinheiro da Mangueira", lamenta.
'É uma sensação de vazio'
A ausência do Carnaval não impacta só as vidas financeiramente. Muitos deles também ficam emocionalmente abalados com o silêncio num mês que normalmente tem tanto movimento, além da incerteza em relação ao futuro.
"É uma sensação de vazio, um misto de tristeza com preocupação. Você não sabe se vão fazer o carnaval de 2022, que a gente começa a fazer em julho. Se as pessoas não estiverem vacinadas, como farão? Pensando pela lógica, ainda está incerto o Carnaval de 2022. A gente teria que estar vacinado até setembro. E o governo diz que a vacinação vai até o fim do ano", diz Tânia.
Ainda é muito preocupante, todos nós temos famílias, gastos, a gente paralisou nossas vidas. Os presidentes das escolas de samba têm que pensar de uma forma diferente. Isso nunca aconteceu, a gente não estava preparado para isso, mas tem que ter um plano B.
Squel Jorgea, primeira Porta-bandeira da Mangueira
Ao lado de seu tio, Matheus Oliverio, Squel forma o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da verde e rosa carioca. Contratada pela Mangueira, a profissional se viu insegura ao ver sua renda reduzir.
Ela começou cedo no Carnaval, aos 9 anos, na Grande Rio, escola da qual seu pai foi diretor de harmonia. Há oito anos, é porta-bandeira da Mangueira. Neta de Xangô da Mangueira, sambista, compositor e diretor de harmonia da escola durante décadas, ela sempre teve o universo carnavalesco envolvido na família.
"Estamos há quase um ano sem trabalhar, com a vida financeira desestabilizada. Tive que mexer nas economias que tinha. Fiz mudanças bem radicais na minha vida".
Como plano B, Squel e Matheus passaram a dar aulas particulares, inclusive para estrangeiros, além da participar de congressos e eventos pontuais da escola de samba.
"Sou profissional da Mangueira, tenho um salário mensal ao longo do ano. Preciso me manter bem fisicamente, ter uma vida adequada ao meu trabalho. Tinha uma renda, mas ela foi reduzida, existe uma ajuda. De repente, sua vida vai desmoronando, e tem contas que você não pode deixar de pagar".
Com a falta de investimentos na pandemia em seu setor, Squel teve crises de ansiedade.
"Como o Carnaval depende muito da vacinação em geral, acabei desenvolvendo uma ansiedade. Desde maio tomo remédio para dormir, não consigo me concentrar, só consigo fazer aquilo que está no automático, passei a treinar em casa, por questões também de economia, para me manter bem para o meu trabalho".
Não poder trabalhar, tocar a minha vida... isso dá uma angústia muito grande.
Esperança
Apesar de toda a aflição, a porta-bandeira segue esperançosa para que em 2022 todos possam curtir o Carnaval com segurança.
"Graças a Deus o Carnaval ganhou estrutura, se tornou profissional, produzimos o maior espetáculo a céu aberto e dá certo, tenho muito orgulho de ter minha vida vinculada ao Carnaval. Espero que a vacina chegue para todos e que a gente consiga voltar a trabalhar para o Carnaval de 2022 em segurança".
Junior Sampaio, diretor de bateria da Unidos da Tijuca
Com uma longa trajetória no samba, que começou ainda criança, aos 9 anos, na Portela, Junior tem passagens pela Grande Rio, Renascer de Jacarepaguá e a paulistana X-9.
Desde 2017 é diretor da Pura Cadência e também teve sua vida afetada este ano.
"A gente teve que se reinventar dentro do nosso habitat normal de vida. A pandemia dificultou para todos os músicos. Comecei um projeto online no início do ano com 60 alunos e perdi 50% dos alunos porque ficou difícil, não só no Brasil, mas para os alunos do exterior também. Está muito difícil".
Thamara Gonçalves, passista da Unidos da Viradouro
Ela começou no Carnaval aos 9 anos de idade e tem passagens pela Mangueira, Imperatriz Leopoldinense, Mocidade Independente e Porto da Pedra.
"Esse ano sem o carnaval estamos tristes, parece que o ano perdeu o sentido, até dezembro estávamos na certeza de que seria corrido, mas sairia nosso Carnaval. Entendo que seria no mínimo irresponsável de nossa parte não pensar nesse momento que passamos, mas o vazio que essa falta está fazendo é impossível não citar".
Para complementar a renda, Thamara, que é formada em Educação Física, dá aulas com personal trainer, e também fez um curso para trabalhar como designer de cílios e sobrancelhas.
"Trabalho fazendo shows pela escola. Desde o início da pandemia, não fiz um show, o que também mexeu muito na renda. Se estivesse fazendo shows, poderia estar pelo menos respirando. Aprendi outra profissão nesse período porque fiquei muito apertada".
Angélica Vieira, ex-auxiliar de escritório do Salgueiro
Desde 2008, Angélica trabalhava como auxiliar de escritório do Salgueiro e comandava a cozinha nos dias de feijoada da escola de samba.
"Devido às dificuldades, fomos todos dispensados da escola no ano passado. Era dali que vinham todos os recursos da minha vida. Tive que dar meu jeito e agora sou estoquista de uma confecção de roupas ligadas ao universo do samba".
Angélica inicialmente teve o salário reduzido e precisou cortar o plano de saúde. "Não pude pagar mais, mas aí Deus ajuda. Minha família também ajudou, pinga daqui, pinga dali, mas não seca. Fomos dispensados do Salgueiro em outubro".
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