O Carnaval do brega funk

De Pernambuco para o Brasil, ritmo supera barreiras e deve dominar a folia em 2020

Renata Nogueira Do UOL, em Salvador e São Paulo Fernando Moraes/UOL

O ano nem tinha virado e Kevinho já dava a letra:

Segura que essa eu vim na contramão, não é funk 150 não, Kevinho agora veio pesadão, é o brega funk no teu paredão

O "muleque dos hits", um dos funkeiros mais conhecidos do Brasil, estava certo. Se os beats acelerados do funk 150 bpm consagrados por Kevin O Chris dominaram o Carnaval passado, o brega funk pernambucano toma a frente nesta temporada.

Esqueça o agogô, chocalho ou pandeiro. O som metálico que está embalando os passinhos dos foliões sai dos computadores dominados por jovens produtores que muitas vezes começaram a fazer música dentro de seus quartos.

Dados do Spotify mostram que o interesse pelo ritmo cresceu 145% na plataforma. Em outubro, um brega funk ("Surtada") chegou ao topo das mais tocadas do serviço de streaming pela primeira vez na história.

Nem os sertanejos, acostumados a liderar com folga as paradas, estão alheios ao fenômeno. "Oi, eu sou a Marília Mendonça e meu filho é bregafunkeiro", tuitou a rainha da sofrência há um mês. Simone e Simaria também se preparam para lançar um brega funk misturado com sertanejo no DVD que acabaram de gravar.

O prazo para uma música viral ganhar uma versão do ritmo do momento é cada vez mais curto. Pabllo Vittar garantiu o remix de "Amor de Que", Poze do Rodo também fez uma versão brega de "Voando Alto". Uma versão brega funk de "Dance Monkey", a música mais tocada do mundo, está quase pronta para sair.

O verão é do brega funk e o Carnaval não passará alheio à onda que cobriu o mapa.

Fernando Moraes/UOL

É o brega funk!

"O brega funk tem uma batida mais seca, com som da lata, com kick. É pra galera fazer o passinho." Quem dá a letra é JS O Mão de Ouro (foto), que produziu três das cinco músicas mais tocadas atualmente: "Tudo Ok", de Thiaguinho MT e Mila, "Sentadão", de Pedro Sampaio e Felipe Original, e "Surtada", de Dadá Boladão, Tati Zaqui e OIK, . É dele também "Hit Contagiante", de Felipe Original.

A versão bregafunkeira de "Evoluiu" estourou tanto quanto a original, de Kevin O Chris, e serviu como porta de entrada definitiva na rota Rio - São Paulo. No Spotify, "Hit Contagiante" superou os plays de "Envolvimento", de MC Loma e As Gêmeas Lacração, primeiro hit nacional do gênero, que já tinha mostrado o potencial da mistura há dois carnavais.

Radicado em São Paulo desde dezembro, ao lado de outros profissionais trazidos para a capital paulista, o produtor pernambucano mostra a fórmula para fazer as músicas grudarem na mente e nos quadris:

É uma parada mais repetida, início meio e refrão. Depois é só repetição. JS O Mão de Ouro

O som já é pensado para estimular o passinho, espécie de sarrada reformulada. O pulo no ar que encontra com as mãos perto da pélvis é mais seco e repetitivo, sem perder a sensualidade. Os braços vêm e vão com a repetição, geralmente no refrão.

Juntar ideias é o trabalho bruto de um produtor. JS caça referências principalmente no YouTube e tem seus favoritos. "Pesquiso muita música gringa, tipo reggaeton, trap, reggae... E aí eu faço uma mistura. Vou pegando as referências e já jogando para o brega funk."

Com pedidos diários de parcerias com grandes artistas, o pernambucano já sonha alto. "Quero produzir para o J Balvin, as batidas do reggaeton puxam um pouco para o brega funk, o suingue de caixa, kick, bumbo e as melodias são parecidas."

Anitta e Pedro Sampaio aproveitaram a similaridade para abrasileirar o hit colombiano "Baila Conmigo". Com pitadas de brega funk, a música que viralizou no Tik Tok virou "Baila Comigo" e embala uma campanha do DJ e da poderosa para uma marca de desodorantes. Estourado com "Sentadão", o DJ carioca que seguir investindo no brega funk. "É um ritmo novo, contagiante. Eu me apaixonei por ele."

Top 5

  • 'Tudo Ok' (Thiaguinho MT, Mila e JS)

    Lançada em novembro do ano passado, a música virou trilha para desafios no Tik Tok e viralizou em janeiro depois de embalar um vídeo montado com fotos de famosas "se vingando" dos ex-namorados.

    Imagem: Reprodução/Instagram
  • 'Sentadão' (Pedro Sampaio, Felipe Original, JS)

    O brega funk que uniu o Rio de Janeiro e Recife chegou ao segundo lugar das mais tocadas do Brasil na Deezer e no Spotify. O clipe é cheio de referências dos dois Estados que "pariram" os ritmos.

  • 'Vem Me Satisfazer' (MC Ingryd, DJ Henrique da VK)

    A mais proibidona entre os brega funks que estão bombando com a voz suave de Ingryd repetindo o "toma toma" no refrão. A música tem uma outra versão com MC Elvis e DJ Pernambuco.

    Imagem: Reprodução/Instagram
  • 'Surtada' (Dadá Boladão, Tati Zaqui, OIK)

    A faixa também tinha outra versão antes de virar um brega funk com um dos reis do gênero, Dadá Boladão, e versos de Tati Zaqui. Foi a volta ao topo da funkeira paulista, que chorou ao virar nº 1 no Spotify.

    Imagem: Reprodução/YouTube
  • 'Paredão' (MC Kevinho, Dadá Boladão, MC JottaPê)

    O "muleque dos hits" se juntou com Dadá Boladão --rei do brega funk-- e JottaPê, que estourou depois da série "Sintonia". A parceria colou e "Paredão" consagrou o ritmo do verão.

    Imagem: Reprodução/YouTube

Tudo Ok

A música do momento também tem a "mão de ouro" de JS. "Tudo Ok" surgiu em uma das imersões dele e do parceiro inseparável, Thiaguinho MT, cantor do Rio de Janeiro. Vivendo em uma espécie de "casa dos artistas" anexa à produtora paulistana Los Pantchos, os dois costumam fazer sessões musicais juntos. "Tem faixa que sai em 5 minutos, mas essa aí levou mais tempo, uns dois dias", conta, em entrevista ao UOL. Uma visita da cantora Mila, artista da parceira Kondzilla Records, foi a cereja no bolo. E assim nascia o maior hit do ano. Até agora.

O brega funk já dava sinais de seu potencial há algumas temporadas. E Léo Santana foi um dos primeiros artistas de outro gênero a atentar para isso. Com a ajuda de seu produtor, Sandro Andrade, pernambucano e um dos pioneiros do brega funk, acrescentou o ritmo em sua parceria com Anitta. "Contatinho" pegou no Brasil todo. "Eu sempre vesti a camisa do ritmo. Nos shows, quando ninguém ainda sonhava com o estouro do brega funk, eu já falava: isso é legal. É o futuro do funk no Brasil. Deu no que deu", conta o artista baiano.

Vários artistas estão deixando de gravar funk para gravar brega funk. Principalmente a galera do pop. Isso mostra como o ritmo vem crescendo. Fico feliz de ser um dos pioneiros. Léo Santana, que apostou no ritmo em "Contatinho", com Anitta

Anfitrião do Baile da Santinha, o cantor de axé fez questão de acrescentar uma pista 100% dedicada ao brega funk nas últimas edições do seu festival, em Salvador. "Eu sempre levo o ritmo para os meus shows. Se tem lugares em que o brega funk ainda não é tão forte e eu digo 'vou apresentar para vocês agora um ritmo aqui, que tem um passinho assim, vocês vão se amarrar'. É um ritmo que envolve", conclui o Gigante.

A dupla Simone e Simaria também aproveitou o auge do brega funk para incluir o ritmo no "Bar das Coleguinhas 2". Com produção de JS, "Tá Gostoso Tá" é um brega funk misturado com o sertanejo típico da dupla. "A gente não pode perder a essência, então o que a gente faz? A gente mistura. Tem um solinho que vocês vão escutar até dar dó", adianta Simaria.

Fernando Moraes/UOL Fernando Moraes/UOL

'É um produto que veio para ficar'

Com nomes já consagrados no Recife —como MC Troia, Dadá Boladão, MC Tocha, MC Sheldon, e a dupla Shevchenko e Elloco— e vários artistas abraçando o ritmo, o brega funk tem tudo para superar o Carnaval e seguir respirando após a festa de Momo.

"O brega funk tem uma coisa muito forte com a dança e quando rola essa conexão dá muito certo. É um produto que veio para ficar", acredita Pedro Sampaio. Aos 21 anos, o DJ, cantor e produtor conversa diretamente com o público adolescente, uma das faixas etária que mais consomem funk no país.

Fiz 'Sentadão' e todo mundo que escuta tem a mesma opinião. Por mais que quem esteja ouvindo não entenda nada sobre música ou sobre ritmos, o corpo sente e fala por si só, todo mundo já começa a dançar Pedro Sampaio, DJ, cantor e produtor

Para Dany Bala, hitmaker pernambucano que participou do Festival Path, em junho, e hoje está radicado em São Paulo tocando novos projetos, o futuro da música está na periferia, onde surgiu o ritmo. "O brega funk não vai morrer tão cedo. Ele passou por mudanças e misturas, mas não morre, nunca vai deixar de ser brega."

Produzindo em um estúdio colado ao de Dany Bala, JS compartilha da mesma opinião e já enxerga novos caminhos. "Um rock com brega funk ninguém lançou ainda. Se um artista do trap jogar nessa pegada também dá para fazer uma parada bem diferente." Os caminhos são infinitos, e é só o começo.

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