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'Pronto? Só no dia': barracões vivem clima de retoques antes de desfile

Valmir Moratelli

Colaraboração para o UOL, do Rio

13/04/2022 04h00

Uma rodinha de conversa entre funcionários do barracão da Beija-Flor de Nilópolis, no meio da tarde, mostra que o pré-Carnaval está em clima de descontração. Ao contrário de anos anteriores, quando as escolas de samba lutavam contra o tempo para dar conta de prepararem suas alegorias e fantasias, agora o que se vê numa visita pela Cidade do Samba, no centro do Rio, são trabalhos quase finalizados nessa reta final dos desfiles do Grupo Especial, remarcados para 22 e 23 de abril.

Na maioria dos barracões, carros alegóricos estão protegidos por plásticos e fantasias já guardadas, à espera da entrega aos componentes. Devido à pandemia de covid-19, o Carnaval carioca foi remarcado para o feriadão de abril. Assim, as agremiações ganharam mais dois meses para preparar as surpresas que prometem surpreender a Sapucaí.

Alexandre Louzada, um dos carnavalescos da comissão de Carnaval da Beija-Flor, é dos que acreditam que o desfile só fica pronto no dia. Enquanto passa em revista as alegorias já praticamente finalizadas, pede ajustes pontuais em algumas esculturas. Num dos carros, que homenageia a escritora Carolina Maria de Jesus, uma escultura de Sol ainda na madeira, sobre barracos de uma favela, era finalizada em tons de amarelo. Nada que tire o sono de Louzada.

Trabalho segue intenso nos barracões do Rio de Janeiro - Valmir Moratelli/UOL - Valmir Moratelli/UOL
Movimentação segue intensa nos barracões cariocas
Imagem: Valmir Moratelli/UOL

"Falta pouco, mas nunca termina. Só o artista sabe o momento da última pincelada no seu quadro. Aqui é a mesma coisa. Se eu levar os carros agora para a avenida, ninguém vai perceber o que falta, só eu. Estamos na fase dos preciosismos", diverte-se ele, que preparou o enredo "Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor", sobre a história de luta contra o racismo no mundo.

Na Unidos da Tijuca, uma imensa escultura de índio parece tomar conta dos olhares curiosos do barracão, já sem o habitual entra e sai. Na Paraíso do Tuiuti, apenas uma alegoria está nos ajustes finais de decoração, na parte de fora do barracão. Já na Grande Rio, alguns aderecistas seguem fazendo os últimos ajustes em fantasias.

Alegorias imensas

Assim como "atraso", outra palavra que não se ouve entre as escolas é "crise". As alegorias estão grandes, várias das agremiações vêm com carros acoplados - na Vila Isabel o abre-alas tem quase 70 metros, na junção de três alegorias em tons de azul e preto. A prefeitura do Rio pagou ainda em 2021 a subvenção para os preparativos dos desfiles, o que permitiu melhor planejamento interno.

"A questão não é crise, é responsabilidade pelo que se proporciona às pessoas que vão lá assistir. Há muitos anos o Carnaval sofre com a questão financeira, não é novidade. Nossa mensagem é mais forte do que todas essas pendências que fazem parte do nosso dia a dia", diz o carnavalesco Edson Pereira, que prepara um enredo em homenagem ao cantor Martinho da Vila.

Outra mudança causada pela atual conjuntura foi a utilização de materiais importados. Louzada conta que quase 90% da matéria-prima do Carnaval vem da China. Com a pandemia, as importações diminuíram drasticamente. "Tivemos que investir em estamparia própria, fabricar um tipo de pena vegana, até porque o Carnaval está caminhando para a sustentabilidade. São alterações que vieram para ficar", afirma o carnavalesco da Beija-Flor.

De olho em 2023

Na atual campeã do Carnaval, estão todos de "braços cruzados". Na Viradouro não há mais qualquer alteração a fazer. Apenas o pessoal da limpeza redobra os cuidados para tirar o pó das imensas esculturas de colombina e pierrô que enfeitam um dos carros. Sacos plásticos tentam impedir a sujeira na maior parte dos objetos.

Marcus Ferreira, que assina o desfile ao lado do marido Tarcísio Zanon, conta que já começa a pensar em 2023. "A gente quer se livrar logo desse desfile, não aguenta mais ver os carros prontos à espera do Carnaval que nunca chega. Agora, com a proximidade, aumenta a ansiedade. A ideia é começar a trabalhar o próximo enredo assim que esse for para a avenida", diz ele, já com equipe reduzida à espera do desfile.

Para Alexandre Louzada, o problema não foi o prazo, dessa vez maior - já que as escolas, ainda que tenham parado seus trabalhos no ano passado, no auge da pandemia, estão com enredos escolhidos desde 2020. "Foi mais tristeza do que dificuldade. Houve uma campanha para que se tornasse o Carnaval um vilão do atual momento do país. Sofremos com isso. Tentar colocar um espetáculo com tanta alegria no meio de uma atrocidade dessas foi muito cruel. Seguimos todos os protocolos rígidos de isolamento e segurança, mas cada semana só aumentava a incerteza", diz.

Trabalho dobrado

Como o cronograma inicial era para fevereiro, teve escola que preferiu não se acomodar. Na Vila, o ritmo se manteve intenso, sem alusão aos versos de Martinho da Vila, "devagar devagarinho". "100% pronto só estará no dia, não tem jeito. Mas já estávamos prontos quando foi cancelado em fevereiro. O único problema é que os materiais sofrem degradação do tempo, estamos recolocando tudo no lugar, reconstruindo as cores que ficaram apagadas. É um custo alto comprar mais material, além de trabalho dobrado", diz Edson.

Outra demonstração do clima de harmonia e sem pressa na praça de alimentação da Cidade do Samba: há duas semanas dos desfiles, os carnavalescos Leandro Vieira, da Mangueira, e Renato Lage, da Portela, duas potências do Carnaval carioca, batiam um papo animado num começo de noite, de costas para seus barracões, já prontos para ganharem a passarela.

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