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Escola de samba deixa convidados com fome após viagem de 7 horas no ES

O Ticumbi de Conceição da Barra (ES) seria homenageado em desfile, mas seus integrantes sequer entraram no sambódromo - Reprodução/ Apoena Medeiros
O Ticumbi de Conceição da Barra (ES) seria homenageado em desfile, mas seus integrantes sequer entraram no sambódromo Imagem: Reprodução/ Apoena Medeiros

Colaboração para o UOL, em São Paulo

15/02/2023 18h35Atualizada em 15/02/2023 19h37

A escola de samba capixaba Imperatriz do Forte está sendo acusada de deixar convidados de seu desfile no Carnaval do Espírito Santo sem água e comida, após uma viagem de sete horas. Os convidados, integrantes do Ticumbi de São Benedito, importante manifestação folclórica, se deslocaram de Conceição da Barra, no norte do estado, até Vitória, para participar de desfile no Sambão do Povo. Ontem eles divulgaram nota de repúdio.

"Não esperava receber esse tratamento. O contato foi feito diretamente comigo e estava tudo certo para acontecer o desfile na escola. O enredo trata sobre o Baile de Congo do Ticumbi e o Benedito Meia-Légua [importante líder quilombola]. Por mim, achava que deveria ter um pouco mais de respeito e compromisso", confessa Jonas Baldino, Rei de Congo do Ticumbi, em entrevista ao UOL.

A nota de repúdio divulgada nas redes sociais rapidamente ganhou apoio e pede posicionamentos da escola de samba e a Liga de Carnaval capixaba.

"O Baile de Congo de São Benedito de Conceição da Barra vem a público manifestar seu repúdio às ações e inações do Grêmio Recreativo Escola de Samba Imperatriz do Forte e da Liga Espírito-Santense das Escolas de Samba (LIESES) que vêm tentando calar a voz do povo preto do Sapê do Norte [regiões de São Mateus e Conceição da Barra]", introduz a nota.

De acordo com a manifestação, os convidados se sentiram constrangidos ao chegarem na capital capixaba — em ônibus cedido pela prefeitura — para a abertura do Carnaval de Vitória na noite da última sexta-feira (10), e, mesmo sendo integrantes de parte do enredo escolhido, eles nem chegaram a desfilar.

"[O Ticumbi] sequer foi recebido pelos diretores da agremiação, [que] agora se recusam a ouvir o clamor do grupo por um pedido formal de desculpas e blindam a escola impedindo as manifestações dos aviltados em suas redes sociais", reclamam.

A escola de samba foi acusada de levar para a avenida um "enredo fictício" na proposta de homenagear o revolucionário negro Benedito Meia-Légua: "Mas, do alto de sua arrogância, sentiram-se maiores que a Tradição e abandonaram o grupo na concentração do desfile, sem água, sem comida e nem boas-vindas, depois de sete horas de viagem. Tudo que o grupo pediu foi alimentação na chegada e um lanche para o retorno, que seria feito na mesma noite, imediatamente após o desfile".

Uma homenagem

O Ticumbi é uma dança afro-brasileira feita por descendentes de africanos escravizados há mais de 300 anos e que só existe no município de Conceição da Barra, no norte capixaba.

"A gente faz uma homenagem em devoção a São Benedito. Esta homenagem [da escola] era sobre o Benedito Meia-Légua, negro quilombola morto num tronco de árvore aqui na região. Foi um herói da resistência. O Ticumbi também [...] retrata a história de resistência de dois reis que lutam para fazer a festa de São Benedito", explica Balbino.

O enredo da escola de samba buscava justamente homenagear Benedito, por isso foi feito o convite para o grupo de resistência da cultura popular capixaba estar presente no desfile em Vitória.

"Foi muito trágico [ser] convidado para receber homenagem, não receber a homenagem nem tampouco desfilar. A escola em si estava totalmente desorganizada. Diretor não entendia diretor, não sabia quem realmente iria nos direcionar para a ala [certa]. Os diretores estavam em conflitos. Chegamos lá a tempo, não nos receberam, nem água ofereceram", recorda Jonas.

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Em ordem: "Pintinho", Jonas Balbino (Rei de Congo do Ticumbi) e Mestre Berto Florentino
Imagem: Reprodução/ Thiago Balbino

Responsabilidades

A nota de repúdio publicada pelos representantes do Ticumbi citou que o presidente da escola de samba Imperatriz do Forte, Artur Kadratz, "lavou as mãos" quanto aos problemas ocorridos de falta de recepção, e culpou o carnavalesco Vitor dos Santos pelos problemas.

Procurado pelo UOL, Vitor confirmou que fez contato com o grupo, realizando convite para o desfile durante apresentação do Ticumbi na Grande Vitória, após dificuldades de comunicação inviabilizar uma ida ao norte capixaba. Ele ainda afirmou que apenas fez a interlocução de cunho cultural e artístico, sendo que a logística não dependia dele. Segundo ele, o convite ao grupo foi feito após autorização da agremiação.

"Assim que eles enviaram as demandas deles de alimentação e hospedagem [...] eu passei para a agremiação. Aí a gente deu um retorno de que a hospedagem seria complicada", declara. "Infelizmente, de forma muito desonrosa, vexatória, desrespeitosa, a agremiação devido aos problemas que enfrentou principalmente no dia do desfile, ela não conseguiu receber com dignidade o povo do Ticumbi".

Ele reafirma que apenas foi responsável pela comunicação com o grupo e por orientá-los quanto ao que seria o desfile: "Eu não tenho responsabilidade pelo acolhimento, toda diretoria da escola tinha ciência dessa vinda e tinha prometido e acordado que ia cumprir com as demandas [de lanche e fantasias]. Infelizmente, devido aos tumultos do dia, eles nem conseguiram isso, [a diretoria] nem [conseguiu] receber. Boa parte da diretoria estava presa em algumas situações bem complexas para colocar o desfile na avenida".

1 - Reprodução/ Apoena Medeiros - Reprodução/ Apoena Medeiros
Muitos integrantes do Ticumbi já são idosos e ficaram na espera de entrar no sambódromo, sem sucesso, após viagem que durou sete horas até Vitória (ES)
Imagem: Reprodução/ Apoena Medeiros

Pedido de desculpas

Na manhã de hoje, a escola de samba fez um pronunciamento com nota intitulada "Erramos e estamos aqui para pedirmos desculpas". Eles afirmaram que o texto não era para agradecer e reconheceram que falharam, sem citar diretamente o que ocorreu.

"A intenção de convidar os integrantes do Ticumbi era para que a nossa homenagem ao Benedito Meia-Légua e São Benedito, realmente tivesse sentido, fazer um verdadeiro 'intercâmbio de quilombos', de duas manifestações culturais capixabas diferentes e que têm um denominador comum: Resistência e protagonismo preto(a)", iniciam.

"Estamos aqui para pedir desculpas, não só ao Ticumbi, mas a população negra. Reproduzimos aquilo que mais criticamos em diversos momentos quando uma escola de samba vai fazer uma apresentação: A falta de atenção, trato e boa vontade", reconhecem, dizendo também que o grupo "não tem nada a ver com os problemas internos da agremiação".

"Jamais o que aconteceu na última sexta-feira foi proposital", escreveram. Por fim, eles pediram para que não fossem feitos ataques à escola. "Queremos que a verdade prevaleça e ela é única: O pedido de desculpas aos que vieram desfilar e não conseguiram".

Sendo uma das demandas da nota de repúdio, Jonas Balbino afirmou que não recebeu ligação da escola de samba, nem da Liga capixaba, para um pedido mais formal de desculpas e que apenas viu o pronunciamento pela mídia: "Não pensamos em fazer [boletim de ocorrência]. O que a gente queria é que realmente eles se retratassem e já fizeram [isso]. Para a gente já tá de bom tamanho".

A apuração das escolas de samba que desfilaram no Carnaval de Vitória, em que o Ticumbi seria homenageado, ocorre hoje.

O UOL tentou contato com um dos diretores-executivos da escola de samba, o presidente da agremiação Artur Kadratz e a Lieses (Liga das Escolas de Samba), mas não obteve retorno até o momento da publicação desta reportagem. O espaço será atualizado se houver resposta.

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