'Uma pessoa derruba uma escola': a importância de saber sambar no Carnaval
Não basta mais só estar na Avenida, tem que saber fazer. A cada ano, a cobrança para que os destaques do Carnaval tenham um samba bonito aumenta.
Os irmãos e professores de samba Marcus Prado e Victor Alonzo têm um lema: aprimorar. "Nós trabalhamos com quem não sabe nada, e trabalhamos com quem sabe tudo. Quer dizer, quem não sabe nada está aprendendo, e quem sabe tudo está aprimorando", explicou Victor em entrevista ao UOL.
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"O samba é para todos, não importa a idade, raça, gênero, altura, nada. Qualquer ser humano que estiver a fim de aprender ou quiser aprimorar é capaz", complementa Marcus.
Ao lado da irmã, eles ensinam samba desde 2016 e já deram aula para famosas como Sabrina Sato, Erika Januza, Rafa Kalimann, Thaila Ayala, entre outros. "Chega a época do Carnaval, a Sabrina [Sato] perturba a nossa vida, porque a agenda dela é louca. A gente começa a aula meia-noite, às vezes 1h30 [estamos] chegando na casa dela", explica Marcus.
O samba também tem suas regras
Assim como outras danças têm suas regras, o samba também tem suas regras. Não é porque é uma dança solo, preta, de origem de terreiro, que pode ser tratada de qualquer jeito. Victor Alonzo
Os professores têm notado uma maior preocupação das pessoas em saberem sambar — e relacionam isso às redes sociais. Afinal, sambar de "qualquer jeito" pode fazer alguém ser "cancelado". "Eles estão preocupados com o que a rede social vai dizer [...] Mas, ao mesmo tempo, está sendo bom, porque está obrigando algumas pessoas a entender que [o Carnaval] pode ser um comércio, sim, mas a gente tem que respeitar".
Quem concorda com isso é Mayara Lima, professora de samba desde 2016 e atual rainha de bateria da Paraíso do Tuiuti. Ela era princesa e foi promovida ao cargo de rainha após viralizar com sua sincronia perfeita com os ritmistas em 2022. "De uns tempos para cá, ficou mais evidente, [que as pessoas têm se preocupado em saber sambar]. Meninas que sabem sambar, com a ajuda da internet, conseguem se mostrar mais. Com isso, há essa necessidade de buscar também esse conhecimento".
Carnaval não é brincadeira
Os professores comentam que o samba de hoje é mais "elegante", com mais técnica e mais "sofisticado". Os desfiles, de maneira geral, estão mais quadrados. "Diferentemente de tudo que a gente sempre viu nos anos 2000, nos anos 90, que era uma coisa mais pé no chão, uma coisa mais enérgica", diz Victor.
Tudo isso reforça a importância de saber o que se está fazendo ao pisar na Avenida. "O Carnaval não é brincadeira. Para alguns pode ser, mas para a gente que vive Carnaval, a gente sabe que é uma competição e é uma competição muito importante. A escola se prepara o ano inteiro. É uma coisa muito séria, é como se fosse as Olimpíadas. A gente espera o ano inteiro para aquele momento, para chegar lá e fazer o melhor e ser campeão".
Por conta de uma pessoa, às vezes todo o trabalho de um ano inteiro pode ser destruído. A gente fala claramente [para as alunas]: 'Toma cuidado, porque se você não tiver uma boa evolução, você pode não ser quesito, mas você tira ponto e derruba uma escola'. Victor Alonzo
Parece exagero, mas os resultados do Carnaval, especialmente em São Paulo, estão cada vez mais apertados. No ano passado, a diferença da campeã Mocidade Alegre para as rebaixadas Unidos de Vila Maria e Estrela do Terceiro Milênio não chegou a 1 ponto: foi de 270,0 a 269,1, respectivamente. As duas últimas empataram.
Quero aprender, quanto vou gastar?
Marcus e Victor disponibilizam um aulão às segundas-feiras, com valor popular: R$ 20 por pessoa. Mas é preciso ir sabendo o básico. "Mesmo estando em três professores, a gente não consegue ensinar a pessoa do zero. A gente consegue ir por cima, porque a atenção tem que ser igual para todo mundo".
Já a aula particular custa em torno de R$ 80 a R$ 100, e quem faz duas vezes na semana tem desconto. No entanto, obviamente, os preços sobem quando o Carnaval se aproxima — a alta temporada tem início em novembro.
"A procura é sempre maior no carnaval. Vêm muitos gringos para cá, e, consequentemente, a procura [pelas aulas] aumenta muito mais", diz Mayara, que cobra R$ 300 pela aula particular.
A Rainha da Tuiuti destaca que uma aula por semana é pouco. "Você não vai fazer firula... Não, você vai, no mínimo, dar uma sambadinha tirando o pé do chão, porque uma aula por semana faz quem já sabe sambar, quem já é passista. [O tempo para aprender] é muito relativo, porque cada pessoa é uma pessoa".
Ela usa uma aluna brasileira que mora em Londres como exemplo. "Ela realmente é o meu maior orgulho. Ela mora lá em Londres e começou a sambar comigo na pandemia, então a gente tem mais ou menos 3 anos fazendo aula e a melhora dela é surreal. Ela melhorou muito, muito mesmo. Mas assim, sem pressa, sabe? Ela só se entregou.
Para ela foi bom mentalmente, fisicamente. E consequentemente a dança melhora muito. Mas o samba também tem disso, de trabalhar o seu físico, a sua mente... De curar, na verdade. Mayara Lima