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Labuta da folia: bastidores do ensaio do bloco Tarado ni Você, em São Paulo

Tarado no Você: bastidores de um ensaio com pouca folia e muito trabalho Imagem: Luciana Bugni/ UOL

Luciana Bugni

Colaboração para Splash

07/02/2024 04h00

"Estamos tocando a segunda música e eu já estou suado, morrendo mesmo aqui dentro, com ar-condicionado", diz Diego Moraes, um dos vocalistas do bloco Tarado ni Você. "Também, você não para de pular", responde Demetrius Lulo, o violonista ao seu lado.

São 11 pessoas na banda dentro do estúdio em Pinheiros ensaiando as 50 músicas do repertório do bloco, que tem 10 anos de história e é tradicionalmente conhecido em São Paulo por abrir o Carnaval, no sábado (10), no centro da cidade.

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Diego e Mairê, a outra vocalista, largam os microfones por alguns segundos para buscar mais água. Voltam rápido para seguir o penúltimo ensaio antes da apresentação, que começa na esquina da Ipiranga com a São João, imortalizada na Sampa de Caetano. A preocupação do grupo com o calor é por conta da previsão do tempo: a máxima deve ser de 32°C. Ao sol, a sensação térmica deve chegar perto dos 40°C. Diferentemente do refrão de Caetano, parece que vai ser só suor e cerveja - não há previsão de chuva na saída do bloco.

Eles até tentam cantar sentados, para poupar energia (foram seis horas seguidas no ensaio de segunda-feira, praticamente sem intervalos), mas imediatamente se levantam. Não há nenhum músico parado na sala, levando a sério o refrão "atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu".

Nos intervalos entre as músicas, o papo fica mais profissional ainda. Discutem sobre andamento dos arranjos, sugerem alterações, discordam, encontram um meio-termo. Carnaval não é bagunça para quem está envolvido com a labuta da folia. "Você tenha ou não tenha medo/ Nego, nega, o Carnaval chegou (...)/ O Carnaval é a invenção do diabo que Deus abençoou", diz uma das letras de Caetano ali entoada.

Instituição do Carnaval paulistano

Fundado pelos amigos Rapha Barcalla, Rodrigo Guima e Thiago Borba, o Tarado é uma instituição do Carnaval de rua paulistano, evento que cresce na cidade há mais de uma década. Foi Thiago, um fotógrafo baiano, quem teve a ideia de trazer para a festa na capital algo mais tropical, inspirado na Bahia. Guima ouviu e pediu para fazer parte do projeto, por estar muito envolvido com movimento de ocupação pública na época. "Vários coletivos que surgiram ali celebram sua década agora. Em 2013, 2014, estávamos vivendo um momento forte de arte no espaço urbano", ele diz, como carnavalesco do Tarado.

A partir desse embrião, decidiram ter uma banda em cima do trio, pegada baiana diferente dos blocos de chão que se popularizavam, e começaram a criar a musicalidade brincando com a antropofagia da música de Calcanhoto: "Não era só homenagear Caetano, era comê-lo mesmo na cidade", explica Guima.

Bloco Tarado ni Você, em 2014, no viaduto Santa Ifigênia: a cidade como palco Imagem: Alex Cerveny/ Divulgação

Quando olham para a trajetória toda, gostam de pensar que criaram a estética de um outro tipo de festa. A chegada apoteótica do Tarado no Teatro Municipal, por exemplo, é esperada pelo público. Ali, aconteceram experiências como algumas que não saíram da memória dos paulistanos: chuva de bolas douradas, um rio que desce da varanda do teatro, céu colorido de fumaça.

"O mais forte que criamos nesses dez anos foram narrativas que misturam a obra de Caetano, o que estava acontecendo conosco e o que estava havendo em São Paulo. E essa criação adentrou os corações de milhares de pessoas", reflete Guima. O primeiro desfile tinha 7.000 pessoas, em 2014. De lá para cá, cresceu de uma maneira galopante e em 2024 são esperadas 100 mil pessoas nas ruas do centro. "Não tinha como não ser desse tamanho. Estamos falando de Caetano Veloso".

A banda do Tarado, com seus fundadores, Rapha Barcalla e Rodrigo Guima Imagem: Ancar Barcalla/ Divulgação

O tema é "A Grande Cobra Coral Encantada" e os diretores garantem que o projeto mantém o mesmo propósito, em nova pele —a banda é totalmente inédita este ano. O desejo, no entanto, é o mesmo de 10 anos atrás: devorar Caetano. "Se o ano começa após o Carnaval, é porque ali que trocamos de pele, nos curamos e nos renovamos para seguir adiante. A mutação é inerente. O movimento é eterno", informam no Instagram.

Guima afirma que o grupo todo, pós-pandemia, vive um período de transformação. "Falamos sobre a gente, sobre se renovar. Quando as pessoas se juntam para construir relações durante o ano todo, vai para além do capital que a gente conhece como dinheiro. Mas os blocos não veem o dinheiro do patrocínio do Carnaval de rua. A metáfora é mais ou menos assim: você está dando uma festa, leva todo mundo, realiza o espetáculo, mas não vai ganhar no bar nem na bilheteria. Essa conta está errada. Este ano temos o cancelamento de mais de 150 blocos, muitos deles por falta de patrocínio. A gente consegue a folia fazer com capital social afetivo, mas poderia fazer algo muito maior", reclama.

O que esperar da saída do bloco

Rapha Barcalla chega animada ao estúdio com pacotes com as camisetas de uniforme da banda, que estampam a cobra coral, e brincos de argola com compridas linhas vermelhas que chamam a atenção. Organiza todos para uma foto, dança, se anima. Todos dentro do estúdio estão empolgados com o resultado musical. A banda, união de músicos de várias partes, que não se conheciam, parece em sintonia e cria como quem trabalha no projeto há anos.

"A expectativa é enorme, com a mudança do corpo artístico de banda e mudanças políticas que o Brasil teve nos últimos anos. Eu, particularmente, tenho uma preocupação muito grande que tudo corra bem com os órgãos públicos, que a política pública consiga fazer o Carnaval da melhor maneira possível", diz. Segundo ela, tudo começou como um hobby e foi crescendo, ecoando e se profissionalizando para atender a expectativa do público que foi se formando em volta disso.

"Somos um corpo mutante, um projeto que procura trazer cor, alegria e reflexão sobre como vivemos e curtimos a cidade onde a gente mora para ter uma vida melhor".
Rapha Barcalla, sócia fundadora do Tarado

"Meia-Lua Inteira", "Milagres do Povo", "Eclipse Oculto" e "Não Enche" estão no repertório. "Vamos Comer" e "Eu Sou Neguinha" devem empolgar no peso da percussão liderada por três mulheres (Lenynha Oliveira, Valentina Facury e a sócia fundadora do grupo, Heloise Gildemeister). Ali, elas trocam com o baterista Eduardo Guarinon e decidem juntos se a levada da música vai mais para um samba-reggae ou um pagodão. Diego volta com um café e dança no meio da sala.

"Está pesado esse som, hein, gente? Que delícia", os músicos comentam entre eles. Todos cantam juntos o refrão de "Você não entende nada" e emendam na sequência "De noite na cama". Cinco dos integrantes se revezam nos vocais: o guitarrista Rodrigo "Deadcat" e a tecladista Lê Veras se juntam aos três vocalistas em algumas das canções. A direção musical é de Felipe Pizzu e a banda ainda conta com Erick Pontes na guitarra. Na apresentação, ainda estão previstas participações especiais de Caetana, Tássia Reis, Assucena, Nina Maia e Any Gabrielly, do Now United.

Atenção para a versão de "Tigresa" - os vocais de Mairê são cheios de sentimento e os rapazes no backing vocal improvisam sopros com a voz, mostrando que "como é bom poder tocar um instrumento" está ao alcance até de quem não tem o instrumento em mãos.

Nas dezenas de músicas ensaiadas na segunda-feira, ninguém ficou parado. Para a sorte do grupo, o ar-condicionado segurou a onda. A previsão é que a energia e a temperatura aumente na saída do Tarado com uma centena de milhares de pessoas espalhadas pelo centro da cidade em três horas de apresentação. "Venha, veja, deixa, beija, seja, o que Deus quiser".

Quando é Caetano quem manda, é de bom-tom obedecer.

Bastidores das fotos do grupo, no ensaio para o Carnaval Imagem: Luciana Bugni/ UOL

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