A revolução de Paulo Barros, o carnavalesco que 'furou a bolha' no Rio
Era uma vez o sonho de um desconhecido carnavalesco que gostava de desafiar e superar limites. Até a Unidos da Tijuca apostar na fantasia de Paulo Barros e levar para a Sapucaí o desfile que entraria — e mudaria — para a história do Carnaval carioca, há 20 anos.
Como descreve o carnavalesco da Porto da Pedra Mauro Quintaes para UOL: "Paulo Barros deu uma sacudida na gente, deu dois tapas na cara e falou: 'é assim que se faz'".
O enredo "O Sonho da Criação e a Criação do Sonho: a Arte da Ciência No Tempo do Impossível" deu à escola da zona norte carioca o segundo lugar naquele ano de 2004, mas o célebre "Carro do DNA", em que 127 bailarinos dançavam em espiral marcou mais que o título da então bicampeã Beija-Flor.
Para além dos movimentos humanos e das alegorias vivas que passamos a ver em outras escolas nos anos seguintes, inspiradas por aquele desfile, o estreante no Grupo Especial que debutou em 1994 na Vizinha Faladeira incentivaria ainda as comissões de frente a se tornarem mais ousadas.
Quem não se lembra de bailarinos trocando de roupa seis vezes em segundos no desfile campeão de 2010, "É Segredo", na mesma Tijuca? A agremiação estava havia 74 anos sem vitórias na elite do Carnaval.
"Acho que a grande importância dele foi essa. Foi mostrar pra gente que por melhor que estivesse um espetáculo, ainda era possível criar mais um pouco. Quando eu falo que ele nos dá dois tapas na cara, foi justamente para acordar a gente e mostrar que podíamos fazer melhor", opina Quintaes, que tem quatro décadas de Carnaval.
Nas palavras de Alexandre Louzada, hoje na Tijuca, a partir daquele desfile o Carnaval ganhou mais diversidade. "O que é mais que necessário, essa pluralidade de estilos. O Paulo se manteve fiel às suas propostas, imprimindo a sua personalidade em seus trabalhos. O DNA é o DNA do Paulo", avalia ele, que tem seis títulos somente no Grupo Especial carioca em 40 anos de Avenida.
Escola não acreditou na mudança
Apesar disso, Paulo não foi poupado de críticas, a começar dentro da própria Tijuca. Em entrevista ao "O Globo" após o icônico desfile de 2004, o carnavalesco afirmou que muitos achavam que a escola desceria, por não entenderem a estrutura do carro.
"Na concentração, ficou o maior baixo astral, até o momento em que os componentes subiram na alegoria e começaram a cantar o samba e a fazer a coreografia. Todo mundo vibrou. Aquela euforia se espalhou pela escola e, dez minutos depois, o sentimento era outro. Entramos na Sapucaí como favoritos", ele falou para o jornal carioca.
Fora os próprios componentes da escola, carnavalescos fizeram críticas abertas ao seu trabalho com relação às alegorias humanas, como se ele estivesse descaracterizando o desfile.
Louzada discorda, e defende que "burlar, sair da caixa" é o dever de um carnavalesco. Quintaes segue a mesma linha:
"Muitos carnavalescos renegaram a importância do Paulo por muito tempo, e fizeram críticas abertas ao seu trabalho, mas desde o começo entendi que o Carnaval estava passando por uma certa monotonia, uma certa acomodação esteticamente falando."
Para Quintaes, Paulo viria para resgatar, inclusive, a importância da figura do carnavalesco na Escola, como outrora Joãosinho 30 o fez ao mudar a história da Beija-Flor:
"Sem menosprezar a capacidade das escolas enquanto entidade, mas sem dúvida nenhuma você tem uma Tijuca antes e depois do Paulo, como a gente tem um Carnaval antes e depois do Paulo também."
"Paulo Barros furou a bolha"
À frente da Beija-Flor de Nilópolis, o carnavalesco João Vitor Araújo lembra ter se encantado com a revolução artística de Paulo Barros quando, em 2003, ele celebrou o centenário do pintor Cândido Portinari com a Paraíso do Tuiuti, no Grupo de Acesso.
Entre os destaques, a comissão de frente veio com saias de pincéis giratórios e havia uma alegoria formada por espantalhos de campo de milho que assustavam um corvo. A agremiação levou o terceiro lugar e o trabalho rendeu o convite da Tijuca.
Campeão na Viradouro em 2014 pela Série A, João diz ter sugado muito da sabedoria de Paulo Barros quando os dois atuaram na própria escola de Niterói, em 2006, e na Portela em 2016.
Aos 38 anos, hoje figura na lista de jovens talentos na elite do Carnaval, e atribui a Barros essa "furada de bolha" do Grupo Especial.
"O Paulo vem de uma época em que dificilmente algum carnavalesco novo conseguia acessar a bolha do Grupo Especial. Vimos a Rosa Magalhães por 20 anos na Imperatriz Leopoldinense, o Renato Lage por 20 anos na Mocidade Independente de Padre Miguel. Eram os mesmos personagens, e o Paulo furou esse bloqueio. Foi quando as escolas começaram a apostar em outros artistas, e surgiu o Alex de Souza, Paulo Menezes, Fábio Ricardo, Annik Salmon, eu e tantos outros."
Amigo de Paulo "muito antes do início de suas aventuras carnavalescas", Louzada concorda que são esses novos nomes que estão dando mais respiro à festa.
"Hoje temos nomes como Leandro Vieira, Gabriel Haddad, Léo Bora, Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira. Eles já experimentaram a vitória, e cada um à sua maneira traz coisas novas para a festa. Eu continuo mordendo o calcanhar deles de vez em quando", brinca.
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