'Órfãos de bloco' criticam cancelamento em SP: 'Era onde ia sem julgamento'
Parte dos blocos de rua que estavam credenciados pela Prefeitura de São Paulo para desfilar no Carnaval cancelou seus cortejos. Eles alegam falta de dinheiro, patrocínio e de diálogo com a gestão municipal. Foliões de grupos como Bloco Emo e Pirikita em Chamas, que estavam com desfiles agendados, lamentam a decisão e tentam se programar para achar outros cortejos interessantes.
'Órfão de bloco'
"Fiquei órfão de bloco neste dia, para ser sincero", afirmou o analista contábil Marcelo Bueno, 29. Morador de Osasco, ele curte o Carnaval de rua da capital paulista desde 2015 e bate ponto desde a primeira edição no Meu Santo É Pop, que anunciou o cancelamento do desfile há poucos dias.
Mesmo após duas festas recentes, não conseguimos obter recursos suficientes e, infelizmente, não obtivemos o apoio financeiro de nenhuma marca para o evento.
Meu Santo é Pop, nas redes sociais
Foram registrados 118 cancelamentos de blocos, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, de 31 de janeiro. Estão previstos 536 desfiles e 15 milhões de foliões, de acordo com a prefeitura.
Fantasia já estava comprada
Marcelo conheceu o bloco em 2015. Desde então, o Meu Santo É Pop virou seu cortejo favorito do Carnaval — a programação dos outros dias pode até mudar, mas o dia desse bloco já ficava reservado por ele e os amigos. "Sempre foi a única opção que nunca mudava. É onde podemos ir sem julgamentos e onde acontecem encontros inesperados."
Ele já tinha comprado fantasia. Todos os anos, Marcelo se veste de algum personagem pop para o desfile: Anitta, Mia Colucci, Regina George, Ariana Grande. Em 2024, o analista contábil iria vestido de Anahí, em homenagem à cantora do RBD. "Vou ter de usar em outro bloco."
Rola muita expectativa. Todos os anos, meus amigos perguntam qual a roupa do bloco, esse ano não foi diferente. Eu já tinha comprado a roupa, porque levo muito a sério.
Marcelo Bueno
Folião vai procurar outros blocos. "Tento ir em pelo menos um bloco por dia no Carnaval e no pós, finalizando com Daniela Mercury. Ainda não sei o que vou fazer. Fiquei muito triste, porque tem um significado na minha vida."
Outras opções também foram canceladas
Ronaldo Abreu iria pela segunda vez no Bloco Emo, que também foi cancelado em 2024 por falta de patrocínio, segundo os organizadores. O designer de 35 anos curte o Carnaval de rua da cidade de São Paulo desde 2017, e estava ansioso para a edição deste ano.
Cresci ouvindo emo e é um estilo de música que marcou muito a minha adolescência. E esse é o diferencial, trazer um tipo de música que não é típica, mas traz nostalgia e amplia a diversidade.
Ronaldo Abreu
Ele e os amigos estavam na expectativa. "Tenho um acervo de fantasias que fui acumulando desde que comecei a ir em blocos, e para esse ano tinha algumas ideias. Algumas, talvez, a gente não consiga usar em outros blocos, já que o Bloco Emo tem uma temática e estética bem específica." Neste ano, ele iria inspirado na cantora Avril Lavigne.
Outro bloco que Ronaldo ia também não vai desfilar. "Dois que vou todos os anos são o Minhoqueens e o Meu Santo É Pop, e esse último também foi cancelado. São blocos LGBTQIAP+ e que tocam música pop, e os dois blocos que fizeram eu me apaixonar pelo Carnaval."
Como esse ano alguns dos que eu mais queria ir foram cancelados, eu e meus amigos estamos procurando outros que tenham propostas parecidas que a gente possa ir. Mas alguns até desistiram de ir e vão ficar em casa ou fazer algum outro rolê.
Ronaldo Abreu
Folião fala em negligência e vê descaso da prefeitura. "Para gente que espera o ano todo por um feriado e evento como esse, fica a sensação de descaso com a cidade, com a cultura e com a população", diz Ronaldo.
'Você se sente abraçada'
Fã de bloquinhos de rua. A designer Tatiany Almeida, 29, é natural de São Luís e só conheceu o Carnaval em 2017, em Olinda. No ano seguinte, ao se mudar para São Paulo, começou a intercalar as celebrações. "Apesar de serem bem diferentes, a energia que existe no brasileiro é quase universal: você se sente abraçada, especialmente em bloquinhos de rua."
Ela tem preferência por blocos menores. Foi assim que Tatiany conheceu o Pirikita em Chamas, que também cancelou seu cortejo em 2024 pelos mesmos motivos: falta de dinheiro e apoio. Segundo ela, o bloco era cheio de mulheres, famílias e crianças.
No meu primeiro Carnaval em São Paulo, as expectativas não estavam muito altas já que os blocos grandes não me agradaram, eram muito cheios e me sentia pouco segura. Ele foi o primeiro bloco que realmente me senti bem e à vontade.
Tatiany Almeida
A cada ano vai se perdendo a força pela falta de apoio financeiro. É um momento para você se divertir e também um ato político.
Para ela, a data é um respiro para o dia a dia. Segundo Tatiany, se fantasiar é sua parte favorita. Ela é formada em moda e fica na expectativa de como vão ser as fantasias, com pouco dinheiro e muita criatividade. "É uma espécie de fuga para o dia a dia corrido e às vezes até monótono após o começo de ano."
Sem o bloco, Tatiany vai se reorganizar. Outras opções de blocos que ela tinha também não vão mais acontecer. É o caso do bloco Domingo Ela Não Vai e do Bunytos de Corpo.
Vou precisar me reorganizar. Sei que há muitos, mas agora é chegar e descobrir se vai ser bom mesmo ou cilada. E, se for, é Carnaval. A gente torce para não ter perrengue no outro dia.
Tatiany Almeida
O que diz a Prefeitura
Procurada pela reportagem sobre o cancelamento de blocos, a Prefeitura de São Paulo afirmou que a empresa que está patrocinando o Carnaval de rua e os blocos é a Ambev — e que ela é a responsável pelo repasse de verbas, após edital. Já a Ambev disse, por meio de nota, que é "a maior apoiadora do Carnaval do Brasil".
"Em São Paulo, parte do nosso patrocínio ao município é utilizado para apoiar os blocos da cidade, a partir de critérios definidos pela Prefeitura. Além disso, qualquer empresa pode patrocinar os blocos de forma direta. Em São Paulo, por exemplo, estamos patrocinando individualmente diversos blocos, entre eles Maluco Beleza, Monobloco, Bem Sertanejo, Explode Coração, Charanga do França, além de apoiar programas que incluem o ecossistema de ambulantes e catadores."