'Olhai por nós, as p*tas': bloco exalta corpos e desafia igreja no Bixiga
As ruas do bairro Bixiga foram tomadas pelo samba, axé e os discursos de empoderamento pela liberdade sexual do bloco Pelvika neste domingo (11). Diverso e acolhedor, o cortejo toca em pautas sociais importantes, agita o público, e não tem papas na língua ao se expressar de forma mais polêmica.
"Nossa senhora da boa pélvis"
Se por um lado o bloco Pelvika destaca a importância do respeito à espiritualidade, o mesmo não pode ser dito sobre as instituições religiosas. Em frente à Paróquia de Nossa Senhora Achiropita, Thiane Nascimento, uma das fundadoras do bloco, lembrou daqueles que não são "bem-vindos" dentro do catolicismo. Não à toa, ela escolheu o local para fazer uma oração com bastante liberdade poética.
"Bendito é o fogo em nossos ventres
E em nossos c*s, sem tabus
Santa pélvica, mãe de todos
Olhai por nós, as piranhas
As p*tas, as devassas
As libertinas e desviantes
Agora e na hora do nosso gozo
Amém."
Ambiente seguro
O Pelvika, apesar de ser um bloco pequeno em relação a outros de SP, já foi ainda menor lá atrás em sua criação. O primeiro desfile, ocorrido antes da pandemia da covid-19, foi fruto da união de Thiane Nascimento e Yara Lopes.
O trabalho de Thiane estudando a dança por meio da pélvis e outros pontos teve uma influência direta na proposta do bloco. Não à toa, por diversas vezes os foliões são convocados para rebolar, agachar e enaltecer essa parte do corpo, que ganhou uma escultura artística grandiosa toda prateada.
Quem olha de fora pode até se assustar ao ver uma "defumação coletiva" com ervas, ou então as paradas do bloco incentivando que todos sentem na rua. Com o sol torando, Thiane faz um discurso sobre a "revolução horizontal" e se blinda de um grito ou outro que exige: "volta a cantar!"
"É um bloco artístico, a gente luta pelo rio Saracura, pelo Bixiga, por tudo nesse bairro", Yara Lopes.
O que não dá para negar é que o bloco Pelvika brilha quando o assunto é o acolhimento. A diversidade é muito bem-vinda, por isso é comum ver diferentes expressões artísticas circenses, danças, raças, corpos e orientações sexuais. O respeito ao próximo que está ali é a máxima e funciona muito bem.
"Estudar sobre a pélvis é você pensar que são corpos. Não tem gênero, raça, é se mexer! É viver! Nosso bloco abraça toda a diversidade. As pessoas se sentem seguras de estarem aqui, você percebe isso. As pessoas vão se conhecendo e indicando [o bloco] uma para a outra]", Yara Lopes.
Para colocar o bloco na rua, o Pelvika vendeu cangas personalizadas e fez uma vaquinha online para pagar o equipamento de som. Outras funções foram acolhidas conforme as pessoas foram se disponibilizando, como os músicos, que tocam no bloco sem receber cachê.
"O resto é só juntar a galera e fazer festa. Fomos convidando as pessoas para ajudar de alguma forma, isso que foi formando o bloco. Pessoas que querem ajudar. Eles gostam do que estamos fazendo, da nossa ideia. Está aqui quem queria estar aqui. Um bloco de artistas não tinha como dar errado", Yara Lopes.
Uma causa maior
O Pelvika não abre apenas as portas para todos os corpos, credos, estilos, como também serve de palco para causas importantes, como o Salve Saracura. Fundado em 2019, o coletivo luta pela preservação da memória do rio, das nascentes ainda existentes e do meio ambiente em seu entorno.
Entre as lutas travadas até aqui, o coletivo já bateu de frente inclusive com empreendimentos imobiliários que colocavam em risco as nascentes do rio Saracura. Trazer essas pautas à tona em meio a folia passou ser uma forma de expandir o trabalho do Salve Saracura e engajar aqueles que são os mais interessados, os moradores da região do Bixiga.
"[O cortejo] também é uma forma de publicizar a luta, chamar mais pessoas, divulgar mais para o bairro, para aquelas pessoas que de repente não estão por dentro de tudo que está sendo conversado e pelo qual estamos lutando aqui. Estar na rua é uma forma de estar junto e festejar também, porque não dá pra ser só luta de um jeito duro", Nina Neves.
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