'Sobrevivendo no inferno': como é a ala da Vai-Vai que irritou delegados
De Splash, em São Paulo
13/02/2024 12h12
Os delegados de polícia de São Paulo divulgaram uma nota de repúdio ao desfile da Vai-Vai na noite do último sábado (10) no sambódromo do Anhembi. Segundo o sindicato da categoria, a escola "tratou com escárnio a figura de agentes da lei".
Como era ala da Vai Vai
Ala que irritou delegados se chamou "Sobrevivendo no Inferno", mesmo nome do álbum dos Racionais MC lançado em 1997.
A escola representou o batalhão de choque como demônios. Nas fantasias, eles usavam chifres e asas vermelho-alaranjadas.
Vai-Vai desfilou no primeiro dia do Anhembi. Com o enredo "Capítulo 4. Versículo 3 - Da Rua e do Povo, o Hip Hop: Um Manifesto Paulistano", a escola fez um manifesto contra o preconceito. O tema é assinado pelo carnavalesco Sidnei França.
Escola fez manifesto contra o preconceito. Nas letras, representou os locais ocupados por pessoas negras e a sua importância na criação e manutenção do rap e no hip-hop.
Na avenida, Mano Brown marcou presença, além dos rappers Dexter e Rappin Hood. Uma das alegorias também teve a presença da cantora Glória Groove e do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.
"Sobrevivendo no Inferno", a obra
Disco dos Racionais foi entregue ao Papa em 2015, como presente da Prefeitura de São Paulo. A música que dá nome ao enredo da Vai-Vai, "Capítulo 4, Versículo 3", leva trechos bíblicos e fala sobre racismo, a vida na periferia e a repressão policial.
60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial / A cada 4 pessoas mortas pela polícia, 3 são negras / Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros / A cada 4 horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo / Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente.
'Capítulo 4, Versículo 3', Racionais MC
Obrigatório para vestibular da Unicamp. Em 2018, o álbum dos Racionais MC virou livro e entrou para a lista dos obrigatórios para o vestibular da Unicamp. Foi a primeira vez que um disco de música foi recomendado para a prova.
O que dizem os delegados
'Extrema indignação'. O sindicato que representa a categoria afirma que a escola "tratou com escárnio a figura de agentes da lei". "Com direito a chifres e outros itens que remetiam à figura de um demônio, as alegorias utilizadas na ala Sobrevivendo no Inferno, demonizaram a polícia — algo que causa extrema indignação", diz a nota.
Em nome do que chama de 'arte' e de liberdade de expressão, [a escola] afronta as forças de segurança pública, desrespeita e trata, de forma vil e covarde, profissionais abnegados que se dedicam, dia e noite, à proteção da sociedade e ao combate ao crime, muitas vezes, sob condições precárias e adversas, ao custo de suas próprias vidas e famílias.
Sindpesp
Sindpesp quer retratação. A nota afirma ainda que espera que a Vai-Vai reconheça que "exagerou e incorreu em erro na ala em questão, e se retrate, publicamente". "Não estamos falando, afinal, apenas dos policiais, sejam civis ou militares, mas, sobretudo, de uma instituição de Estado que representa e está a serviço de toda a sociedade bandeirante."
O que diz a Vai-Vai
Escola afirmou que fez série de recortes históricos. Procurada, a Vai-Vai afirmou por meio de sua assessoria que fez "longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum "Sobrevivendo no Inferno", dos Racionais MCs, em 1997.
A ala retratada no desfile de sábado, da escola de samba Vai-Vai, à luz da liberdade e ludicidade que o Carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação, mas sim uma ala, como as outras 19 apresentadas pela escola, que homenageiam um movimento.
Vai-Vai, em nota
'Segurança pública era questão latente'. "Vale ressaltar que, neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica."
Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundo, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado para a época. Ou seja, o que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile.
Vai-Vai, em nota
De volta ao Grupo Especial. A Vai-Vai retornou este ano ao Grupo Especial do Carnaval de São Paulo, após ter vencido o Grupo de Acesso 1 no ano passado. Com 94 anos, a escola fundada em 1930, no Bixiga, está em busca da redenção e do seu 16º campeonato.