Bloco fetichista de SP começa na rua e acaba sem fantasia em casa de swing
Uma fila de homens e mulheres usando máscaras de coelho se prepara para subir no trio elétrico estacionado na alameda dos Pamaris, em Moema, por volta das 15h. Começa o primeiro desfile do Bloco das Coelhinhas, único que mescla a temática fetichista e liberal à tradição carnavalesca em São Paulo.
Neste ano, o evento aconteceu no dia 11 de fevereiro, domingo de Carnaval. Já é a terceira edição do bloco que fica em frente à Spicy Club - casa de eventos liberais que abriga festas como a Let's Play, de BDSM. Ali, tudo ocorre como em qualquer outro bloco de Carnaval: trio elétrico, música e looks carnavalescos pintam o ambiente.
Quem compra o abadá pode desfrutar do open bar da boate e ter acesso aos quartos das 10h às 18h, enquanto o bloco acontece. Lá dentro, os jogos e o sexo são liberados. Na rua, só orelhas de coelho, fantasias e adereços não explícitos. Depois das 18h, a balada continua dentro da casa até as 6h.
O open bar fica para dentro. Os foliões podem aproveitar todas as áreas como banheiros, fumódromo e lounge de descanso longe do sol. O bloco é organizado por Camila Voluptas, criadora de uma das maiores redes privativas liberais do Brasil.
"A ideia é justamente trazer esse quê de fantasia mais fetichista", comenta Camila.
O desfile foi idealizado por Mandala, a criadora da festa de BDSM para iniciantes Let's Play. É ela quem faz a seleção dos participantes. Antes das coelhinhas se exibirem no trio, Camila e Mandala conversam com o público, explicam alguns acessórios e como encontrá-los.
Nesta ano, as atrações do lado de fora foram Raíssa Real, cantora de funk e filha de Mr. Catra, MC Fadinha, funkeira que canta sobre temas liberais, e o Grupo Acontece, de samba e pagode.
'Não precisamos esperar o Carnaval para nos satisfazermos'
Em 2023, o Bloco das Coelhinhas foi eleito um dos mais tranquilos pela Polícia Militar de São Paulo, de acordo com Camila. Anda-se normalmente com o celular nas mãos sem maiores preocupações durante o evento na rua, por exemplo.
Quando você sugere que o bloco é liberal, parece que pode tudo. E não é bem assim. Não precisamos esperar o Carnaval para nos satisfazermos. A gente faz isso o ano inteiro. No dia do Carnaval, do bloco, o que a gente faz é se encontrar para consolidar a nossa amizade, para comemorar o nosso estilo de vida. Tem muito respeito, alegria e diversidade. De fato, as pessoas estão ali para comemorar e se divertir.
Camila
Vanessa Valério, 35, e seu marido Ricardo, 46, saíram de Cajamar, município da Região Metropolitana de São Paulo, para curtir o bloco.
"É a primeira vez que a gente vem para um evento desse e eu amei de verdade. Com certeza vamos voltar todos os anos. É bem organizado e foi bem diferente de tudo que imaginei que seria", diz Valéria.
Já Reinaldo e Cláudia Gomes, ambos de 43 anos, são casados há sete anos e entraram no meio liberal há seis. O plano dos dois era ficar até a casa fechar.
"O bloco está delicioso, conhecemos muita gente e já encontramos muitos amigos. Aqui temos muito mais interação, as pessoas têm mais liberdade para ser quem elas são. Tem as festas LGBTQIA+, então isso abriu portas. O meio do swing ainda é muito hétero em alguns lugares", aponta Cláudia.
O casal afirma se sentir mais confortável na Spicy Club do que em outros lugares que já frequentou. De acordo com Camila, a boate tem cerca de 21 festas diferentes durante o mês, uma para cada tipo de público. "A ideia é se tornar a única casa de swing brasileira que é de fato pluralista. Se, por exemplo, você curte ménage masculino, vai encontrar uma festa só para isso. Vai encontrar a festa só para lésbicas, só para gays, para bissexuais, fetichistas", diz.
A ideia do bloco é passar a ideia de que não é preciso se esconder, de acordo com Camila.
Queremos passar a ideia de que sim, somos liberais e não temos vergonha de estar em um bloco à luz do dia. Estamos fazendo algo que é nosso direito constitucional, de viver a nossa sexualidade da nossa maneira.
Camila
O que rola lá dentro?
Além dos quartos privados e coletivos, glory hole, pole dances e bares, os foliões podiam aproveitar alguns brindes dentro da Spicy Club. Um dos presentes era a equipe da Que Pasa Tattoo, que montou um espaço para fazer tatuagens. Quem quisesse colocar piercing, também ganhava a joia e só pagava pela aplicação.
A namorada de Vitor Morgão, 31, tatuou "Seu Nome" no cóccix. Ele frequentava o meio liberal desde os 18 anos. Quando a conheceu, começaram a frequentar juntos e ela curtiu a ideia. Eles acabavam de conhecer um outro casal liberal, César* e Natália*, que assistiam enquanto ela fazia a tatuagem.
Quem propôs que começassem a frequentar as casas de swing foi César. "Ele que me trouxe e eu estou me adaptando. É a primeira vez que a gente vem ao bloco. Tem muitas pessoas que tivemos contato por meio de aplicativos e que conhecemos aqui hoje. E mesmo que a gente não tenha interação, a gente faz amizade. Tem muito respeito", comenta Natália.
Às 21h, MC Fadinha continua dentro da casa o show que começou no trio elétrico durante o dia. Agora, o espetáculo é mais explícito. A funkeira, seus dois dançarinos e a DJ fazem acrobacias, se insinuam no pole dance, se beijam, provocam a plateia com temas picantes e chamam alguns espectadores para participar no palco. Natália foi uma das selecionadas para dançar no colo de um dos bailarinos e levar algumas sarradas.
Os quartos coletivos e privados estão cheios de pessoas transando e observando. Na pista, há pessoas dançando, conversando e até fazendo sexo oral.
Ao andar pela casa, vê-se dominadores puxando seus submissos pela coleira, pessoas praticando wax play ou só bebendo.
Há os que trocaram de fantasia. E os que já se livraram completamente dela. "Cada dia é único, cada festa é única. Um não tem que se encaixar na cartilha do outro", conclui Camila Voluptas.
*Nomes fictícios, a pedido dos entrevistados
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