Viúvos do Carnaval: 'Pessoas não sabem quão caro é colocar um bloco na rua'
Muitas memórias são feitas no Carnaval. Como no caso de Marcos Paulo, que encontrou seu paquera no aplicativo no meio da folia do bloquinho "Meu Santo é Pop", que estava previsto para acontecer neste sábado pós-Carnaval. Mas, nenhuma dessas memórias serão feitas esse ano, pois o bloco em questão e outros 128, muitos dos quais voltados para o público LGBTQIAP+ foram cancelados em São Paulo.
"As pessoas não sabem o quão caro é colocar um bloco na rua"
Marília Castelli é uma das idealizadoras do "Meu Santo é Pop", com Jorge Minoru e Raphael Malaquias. A ideia que surgiu com o grupo de amigos que queriam levar a música pop para os trios de São Paulo. "A gente queria começar com uma coisa pequena, só para os nossos amigos, alugamos aquele carro de comício pequeninho", relembra dando risada.
Mas, as coisas mudaram quando o trio anunciou o evento no Facebook, em 2014. "Confirmaram mais de 7 mil pessoas e a gente viu que a brincadeira entre amigos virou um negócio sério. Cada ano, fomos crescendo e em 2023, por exemplo, foram mais de 50 mil foliões para o bloquinho", conta.
Apesar de que qualquer um pode se inscrever para colocar um bloco na rua, a burocracia não é fácil, e os idealizadores afirmam que o apoio da prefeitura é quase nulo. "Eles fornecem o banheiro químico e também o policiamento, mas o resto é tudo a gente", acrescenta Marília.
"As pessoas não sabem o quão caro é colocar um bloco na rua. Um do nosso tamanho sai em média uns 40 a 50 mil reais. Contratamos o trio, segurança, ambulâncias, atrações. Então, por mais que fizemos festas para levantar fundos, o atraso do alvará da prefeitura também fez que a gente não conseguisse o apoio de marcas que a gente contava todo ano. Foi com dor no coração que a gente cancelou esse ano, mas a gente não teve escolha", pontua.
Quanto rende um Carnaval em São Paulo?
Em 2023, com a retomada dos carnavais de rua em São Paulo, os foliões movimentaram R$ 2,9 bilhões na economia da cidade, segundo estimativa do Observatório de Turismo e Eventos, da São Paulo Turismo.
Um dos primeiros a cancelar e deixar o público chocado foi o "Domingo Ela Não Vai", idealizado pelos amigos Rodrigoh Bueno e Alberto Pereira Jr., que fizeram de tudo para colocar o bloco na rua, como fazem há seis anos. Por falta de verba e a demora da autorização da prefeitura, não conseguiram.
"A ideia sempre foi fazer um bloco para as pessoas se sentirem livres e bem sendo quem elas são. O Domingo Ela Não Vai é para a minha criança interior de seis anos que dançava axé. Não é só o nome da música, é também algo do tipo, 'hoje você não vai mais sofrer', sabe? O Carnaval de rua de São Paulo é conhecido por sua diversidade e esse ano não vai ter isso", pontua.
Dessa montante, estima-se que R$ 1,2 bilhão foi movimentado por parte dos moradores da cidade e R$ 1,7 bilhão de visitantes da Grande São Paulo e turistas do interior, outros estados e estrangeiros. "Querendo ou não, grande parte desse lucro é por conta dos bloquinhos de rua, e o poder público não repassa nada para gente. A gente tem que se virar, tirar dinheiro do próprio bolso e mesmo assim, eles não ajudam em nada", ressalta Rodrigoh.
Rodrigoh ainda acredita que devido ao cancelamento dos bloquinhos, os maiores terão acúmulo de pessoas. "Serão poucos blocos que vão sair na rua esse ano, então terá um acúmulo de foliões nesses carnavais, e as chances de virar um caos são bem grandes. Acho que vale uma reflexão nao só do poder público, mas também das marcas, de olharem com atenção o que de fato faz o Carnaval de rua de São Paulo ser o que é", completa.
O Blocão
Com os cancelamentos, onze blocos decidiram se unir e formar o 'Blocão'. São eles: "Acadêmicos do Baixo Augusta", "Agrada Gregos", "Bloco Pagu", "Bloco Tatuapé", "Casa Comigo", "Domingo Ela Não Vai", "Explode Coração", "Ilú Obá de Min", "Minhoqueens", "Tarado Ni Você".
O Blocão surgiu com o intuito de abordar essas questões e expressar sua voz de forma conjunta. É uma entidade sem fins lucrativos destinada a promover o Carnaval de rua na cidade. Os blocos participantes são reconhecidos por seus desfiles de grande magnitude, que atraem uma parte significativa do público, e desempenham um papel crucial no cenário carnavalesco da metrópole.
"Para avançar em tais questões e se manifestar coletivamente, 10 grandes blocos de São Paulo fundaram o Blocão, uma associação sem fins lucrativos que irá atuar em prol do Carnaval de rua da cidade. Os blocos aqui reunidos se consolidaram com desfile de grandes proporções, responsáveis por atrair boa parte do público e estão na linha de frente do imaginário carnavalesco da cidade", manifestou a entidade em nota.
Para Marília, uma das co-fundadoras do Meu Santo é Pop, afirma que apesar da tristeza do trio não sair esse ano, ela acredita que em 2025 as coisas irão voltar ao normal. "Já fui prestigiar amigos em outros blocos, o Carnaval não acabou e nem o nosso bloco. A gente volta ano que vem mais forte do que nunca", finaliza.
O que diz a prefeitura
Segundo a Prefeitura de São Paulo, a Secretaria Municipal das Subprefeituras mantém reuniões regulares com os organizadores dos blocos em todas as 32 subprefeituras desde dezembro do ano passado.
A administração afirma que em conjunto com a comissão especial do evento, analisou minuciosamente todos os trajetos e assegura que os blocos devidamente cadastrados receberão a infraestrutura necessária para a realização dos desfiles.
Contudo, até o momento da última atualização desta reportagem, a prefeitura ainda não forneceu uma resposta em relação ao cancelamento dos desfiles.
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