Topo

Blocos criticam cobrança do Ecad por direitos autorais no Carnaval

Bloco Filhos de Gil arrasta foliões pela avenida Sena Madureira Imagem: Marcelo Justo/UOL

Gilvan Marques

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/02/2024 04h00

Artistas e organizadores criticaram a cobrança feita pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) devido à utilização de músicas e marchinhas em blocos de Carnaval. Outros até elogiaram a iniciativa, mas pedem cálculo "justo e correto".

O que aconteceu

Os blocos carnavalescos precisam pagar uma taxa por músicas e marchinhas que são tocadas durante o Carnaval. Isso se aplica tanto às músicas mais tradicionais quanto às versões adaptadas e aos blocos temáticos. A regra está regida pela leis 9.610/1998 e 12.853/13, que tratam sobre os direitos autorais.

Relacionadas

Canções que estão em domínio público podem ser utilizadas sem o pagamento. Um exemplo de marchinha em domínio público é "Ó abre alas", de Chiquinha Gonzaga, que morreu em 1935. Essa é a primeira marchinha registrada no Brasil, em 1899.

O Ecad (que é o responsável pelo monitoramento e pela cobrança) permite a utilização em execuções públicas, como o desfile de blocos nas ruas, mas com o pagamento. O cálculo da taxa leva em conta a importância da música para o negócio, o local onde é tocada, o tipo de utilização, entre outros.

As prefeituras também podem ser responsáveis pelo pagamento dos direitos autorais, especialmente se forem as organizadoras e promotoras dos eventos de Carnaval. O pagamento deve se dar previamente à utilização das músicas.
Advogado Scott Rocco Dezorzi, do escritório Rocco Advocacia

O valor arrecadado é distribuído entre os titulares dos direitos. A reportagem do UOL ouviu artistas e organizadores de blocos sobre a questão que ainda divide opiniões.

Para o músico Pedro Keiner, o Carnaval é um evento público, que não gera receita para os organizadores, e que, por isso, considera a cobrança abusiva. Ele é integrante do bloco temático Filhos do Gil, que celebra as músicas de Gilberto Gil.

Não é evento privado, não se paga ingresso, não está gerando receita. É um evento público. Eu classificaria essa cobrança como abusiva, sem dúvida nenhuma, porque o bloco de Carnaval é um .... O Filhos do Gil, no caso, é uma coisa que a gente se esforça para transformá-lo numa situação profissional. Eu dependo disso para pagar as contas, mas para sair nas ruas, a gente faz das tripas o coração. Então para as pessoas curtirem essas músicas de graça, elas não têm que pagar o ingresso. Então por que onerar o bloco? Estamos falando de uma manifestação cultural.
Pedro Keiner em entrevista ao UOL

O empresário Zé Cury, fundador do Bloco Me Lembra Que Eu Vou, vai na mesma linha e avalia que a entidade não pode interferir naquilo que considera uma manifestação cultural espontânea.

Dos 600 blocos, temos 500 que usam a música sem critérios, brincam com as músicas. E se um bloco 'calça' num artista... tem bloco aqui em São Paulo que tem a autorização do artista. Não temos cunho comercial, não tocamos a música do artista para ganhar dinheiro, a gente toca a música porque ele é querido. Estamos exaltando o artista e não usurpando o direito autoral das músicas dele. Nem tenho dinheiro para pagar o Ecad. Já pensou num 'Carnaval mudo', sem nada para tocar?
Zé Cury

Já Ronny Meolly, do bloco Eduardo e Mônica, que surgiu para transformar as músicas do cantor e compositor Renato Russo (1960 - 1996) em batucada, é mais diplomático: elogia a iniciativa, mas pede um cálculo "justo e correto".

Achamos justo que o Ecad faça a cobrança. São músicos, compositores e artistas envolvidos nessa cadeia. Nada mais justo que cada um receba sua parte referente à execução de suas obras. A única ressalva é que esse repasse seja feito de forma justa e correta.

Acordo entre Prefeitura de SP e Ecad

No caso do Carnaval de São Paulo, a secretaria municipal de Cultura assumiu o pagamento dos direitos autorais em 2020 e, desde então, divulga a relação dos blocos que são de sua responsabilidade e efetua o licenciamento musical, segundo explicou o Ecad ao UOL. Os blocos que não fazem parte da lista ficam com a responsabilidade de procurar o Ecad para solicitar o licenciamento.

O UOL pediu à Prefeitura os nomes dos blocos que fazem parte da lista de sua responsabilidade, mas não obteve o retorno.

O Ecad realiza o monitoramento das músicas que são tocadas durante o Carnaval por meio de um sistema de fiscalização, que pode incluir a presença de fiscais nos eventos, relatórios dos próprios blocos e outras formas de acompanhamento.

Caso não seja feito o pagamento, o Ecad pode ajuizar uma ação judicial e pedir, em medida liminar, que a música não seja executada, conforme explica o advogado Nichollas Alem, especialista em direitos autorais, sócio do escritório Borges Sales & Alem.

Em outras palavras, a entidade pede a suspensão da execução pública da música e, consequentemente, do evento. Porém, tanto esse impedimento do uso da música como uma ordem de pagamento dependerão sempre da decisão judicial. O Ecad em si não tem poder de polícia para cancelar ou suspender uma apresentação.
Nichollas Alem

Ecad cobra Prefeitura, que contesta

Na semana passada, a Prefeitura do Recife (PE) recebeu uma notificação extrajudicial do Ecad devido à falta de pagamento dos direitos autorais de músicas utilizadas nas celebrações da cidade este ano

De acordo com o órgão, o município também tem dívidas pendentes relacionadas ao Carnaval de 2023, ao São João de 2022 e 2023, além dos últimos dois Réveillons.

Em comunicado, a FCCR (Fundação de Cultura Cidade do Recife) disse que a prefeitura não repassa os valores, pois considera que as atividades promovidas pelo governo municipal têm como único propósito fins sociais, culturais e simbólicos, sem a intenção de obter lucro financeiro.

E ainda, que todas as programações oferecidas pela prefeitura, incluindo os shows musicais, são realizadas em espaços públicos sem fins lucrativos e abertas ao público gratuitamente.

O que diz o Ecad

Em nota ao UOL, o Ecad rebateu um dos principais questionamentos feitos tanto por blocos quanto prefeituras.

A obrigatoriedade do licenciamento musical prévio é uma determinação da legislação brasileira, que estipula, inclusive, que não é necessário que um evento tenha finalidade de lucro para que os seus responsáveis e organizadores tenham que efetuar o pagamento dos direitos autorais pelas músicas tocadas. A música é um bem, e o seu criador deve ser remunerado pelo seu uso.

A entidade informou ainda que, como nem todos os promotores de eventos fazem o licenciamento prévio, o Ecad tem feito campanhas de conscientização sobre o pagamento dos direitos autorais anualmente.

Em 2024, foi feita uma ação voltada para quem vai utilizar música publicamente em programações e eventos carnavalescos, como organizadores e promotores de shows, trios elétricos, blocos de rua, prefeituras, boates, clubes e outros.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Blocos criticam cobrança do Ecad por direitos autorais no Carnaval - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

CarnaUOL