Império aponta preconceito em Harry Potter, Batman e outros contos famosos

"O bilionário pensa que é morcego e faz justiça com as próprias mãos. Na Gotham City das desigualdades, Coringas se espalham por aí." É com esses versos em um samba-enredo de contos de fadas, cultura pop e mangás que a Império de Casa Verde, escola do Grupo Especial paulistano, entrará no Sambódromo do Anhembi.

Por trás de personagens lúdicos da literatura e do imaginário popular, a agremiação quer jogar luz em preconceitos e discriminações que recheiam as várias histórias conhecidas do público. A aposta é para buscar um desfile que desafie o óbvio e fuja do convencional.

Figuras conhecidas das histórias entram em cena, como Romeu e Julieta, Homem-Aranha e Mulher-Gato. A referência ainda se estende para autores famosos, como os irmãos Grimm e Clarice Lispector.

Diretor de Carnaval da escola, Rogério Tiguês afirma que a agremiação quis fazer um "negócio diferente". "[Mudamos pela] mesmice do Carnaval. A gente decidiu fazer um lúdico de protesto para poder transformar os contos de fadas no que é real. Contamos a realidade dos personagens, trazendo para uma leitura nova".

Tema também discute sobre a dualidade das pessoas, que convivem com lados bom e ruim ao mesmo tempo, assim como o arqui-inimigo do super-herói Batman. "Quando você pega a parte literal do Coringa, por exemplo... as pessoas falam que ele é o louco da história. Na verdade, todo mundo é Coringa de uma certa forma. Às vezes, o cara está deprimido, vai discutir no trânsito e fica p*** com alguma coisa. Ele não é necessariamente um vilão, é simplesmente um cara que está em um dia ruim".

Para ele, é necessário uma "nova roupagem" para o Carnaval, mas sem tirar a "provocação" que as escolas levam para as avenidas. Tiguês cita outras duas entidades que, na visão dele, farão desfiles inovadores: Águia de Ouro, com a homenagem a Benito de Paula, e Dragões da Real, que vai fazer um desfile inspirado na música "Aquarela", de Toquinho.

Fizemos homenagem para a Fafá de Belém ano passado e não virou. O povo do Carnaval entende que o Império merecia uma melhor sorte. Então, vamos na contramão do negócio para ver se a gente consegue, pelo menos, trazer uma ótica diferente.
Rogério Tiguês

No ano passado, a escola homenageou os 50 anos de carreira de Fafá de Belém. A agremiação destacou o lado místico que a artista demonstra ao enfatizar o folclore e a beleza do povo e da terra amazônica.

Dá samba?

Em fóruns ligados ao Carnaval de São Paulo, muita gente criticou o enredo da Império de Casa Verde. Há quem dissesse que a história misturava muitos personagens sem relação uns com os outros e quem defendesse ser difícil fazer um samba que representasse a sinopse adequadamente.

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Darlan Alves, um dos compositores do samba-enredo, enalteceu a história que a escola prepara para o Carnaval. "O enredo é muito atual. Tem assuntos, por exemplo, sobre padrões estéticos e segurança pública. Será que o Coringa realmente é esse bandido, o vilão? Ou um cara injustiçado e largado pela sociedade, pelo sistema? Quando a gente fala "um bilionário pensa que é morcego e faz justiça com as mãos". [O bilionário] acha que é o dono do mundo e pode tudo", ressaltou.

Segundo Darlan, que também é intérprete da Estrela do Terceiro Milênio, muita gente esperava ver um conto de fadas após o anúncio do tema. "Não é. O samba veio para mostrar que, nas entrelinhas de todas as histórias e todos os contos, tem alguma coisa que não bate ali".

Por que a Tia Anastácia, uma preta, está na cozinha e a sabedoria foi ofertada ao Visconde? É uma visão distorcida. É a arte imitando a vida. É uma herança de um Brasil colonial. Fala de muitas coisas, não só de racismo, mas de um preconceito social também.
Darlan Alves, compositor da Império de Casa Verde

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