Musa da Beija-Flor faz homenagem à comunidade trans: 'Respeito e empatia'
A história de Xica Manicongo, ex-escrava e considerada a primeira travesti negra do Brasil, será retratada neste Carnaval pela Paraíso do Tuiuti, no Rio de Janeiro. E foi inspirada por esse enredo que a musa de outra escola carioca, a Beija-Flor, aproveitou um encontro entre as duas agremiações, no domingo, dia 11, para homenagear a comunidade LGBTQIAP+. Identificada como uma mulher cis -- que se reconhece no gênero com o qual nasceu —, Savia David, 36, desfilou com as cores da bandeira que representa essa comunidade e reforça que não é preciso ser para se solidarizar e lutar por uma causa.
"É uma comunidade que está em busca de respeito na sociedade, de colocação no mercado de trabalho, mas ainda enfrenta muitos desafios. Ainda são poucos os que alcançam grandes oportunidades. No Carnaval, eles ganham acolhimento, trabalham como aderecistas, maquiadores, cabeleireiros e lutam cada vez mais por espaços", afirma.
Arrisco a dizer que, sem eles, talvez nem tivéssemos Carnaval. Eles dão vida à folia com sua alegria e criatividade, se tornam visíveis e amplificam suas vozes por meio da arte.
O samba como espaço de inclusão
A empresária e ex-fisiculturista acredita que o Carnaval é um ambiente acolhedor com o diverso, em especial a comunidade LGBTQIAP+, e destaca a importância de valorizar o trabalho dessa comunidade tanto nos bastidores quanto na Avenida. "Já temos mulheres trans no posto de rainha de bateria, e tenho muito orgulho disso."
Essa relação de proximidade com a comunidade LGBTQIAP+ já lhe proporcionou momentos inesquecíveis ao longo da carreira. Um dos mais marcantes, conta, aconteceu quando ainda era rainha de bateria em São Paulo e conheceu a drag queen Gysella Popovick:
"Ela e meu maquiador, Rodrigo Souza, me transformaram em uma drag queen, me ensinaram os trejeitos e como evoluir na Avenida. Foi um aprendizado que marcou minha vida."
Sentir-se pertencente
Sávia ressalta o acolhimento que sente ao homenagear a comunidade: "Ser uma aliada me faz sentir pertencente à comunidade também. Sinto muito carinho, sou cuidada e amadrinhada. Mesmo sendo uma mulher cis, me sinto privilegiada por esse acolhimento. Aliás, a comunidade LGBTQIAP+ não exclui, e isso é algo que sempre me chamou atenção."
Para ela, solidarizar-se e lutar por uma causa não exige um lugar de fala. "Eu não preciso estar nesse lugar para entender e apoiar. É sobre respeito e empatia."
Uma relação de vida com a Beija-Flor
Sávia começou sua história no samba por acaso, após ser convidada por uma aluna que era passista da Inocentes de Belford Roxo. Em 2008, ao visitar a Beija-Flor, chamou a atenção de Laila, que a convidou para desfilar na escola. "Ele desceu do palco, parou ao meu lado e disse: 'Você vai desfilar na Beija-Flor'", lembra. O carnavalesco morreu de Covid em 2021 e será homenageado da escola este ano.
De passista show, Sávia tornou-se musa e, no caminho, conheceu o marido, Roberto David, sobrinho de Anísio Abraão David, patrono da Beija-Flor. O casal tem dois filhos. "A Beija-Flor é muito mais do que um lugar de diversão. Ela faz parte da minha vida", diz ela, que ficou um tempo afastada do Carnaval do Rio para ser rainha de bateria da Vila Maria, em São Paulo.
Novas bandeiras para o Carnaval
Comprometida com causas sociais, Sávia já planeja levantar novas discussões no samba. "Tenho muita vontade de falar sobre o gasto excessivo no Carnaval. Muita gente abre mão de coisas importantes na vida para investir em fantasias. Defendo que, com criatividade e os profissionais incríveis que temos, é possível fazer fantasias lindas com reciclagem e materiais alternativos. Esse é um tema que quero abordar mais no futuro."
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