Nas palavras da rainha do axé — ritmo que completa 40 anos em 2025 — este foi um Carnaval "espetacular" e "importante para o gênero". Daniela Mercury emplacou "Axé Salvador" como um dos hits da temporada, reafirmando porque é um dos principais nomes do Carnaval baiano. Em São Paulo, arrastou uma multidão no sábado de folia, no bloco Agrada Gregos, e hoje encerra a festa paulistana com o próprio trio, um dos mais tradicionais da cidade: o Pipoca da Rainha.
Por maior que seja, precisou falar mais alto para ser escutada em uma discussão transmitida ao vivo quando o trio de Tony Salles se aproximou demais do dela, atrapalhando a apresentação. Ela lamenta a repercussão que o fato ganhou, tirando o holofote que deveria ser da festa.
No episódio, ainda enfrentou o machismo de muita gente que interpretou a reação da cantora como inapropriada.
Me posicionar e me impor diante de situações como essa é considerado por muitos como um chilique, um exagero, somente porque sou mulher e LGBT+. Foi violento o que ele fez. Não sei se ele faria com Bell Marques o mesmo.
Em conversa com UOL, Daniela Mercury ainda reflete sobre a profissionalização do Carnaval, a contribuição da própria carreira para o gênero e como usa a voz e a arte como instrumento político e de transformação social.
Tony Salles
Daniela Mercury interrompeu uma música para reclamar da aproximação do trio de Tony Salles na noite de segunda-feira de Carnaval.
É uma pena que um ato de total desrespeito de um colega comigo tenha chamado tanta atenção nesse Carnaval, que foi espetacular para mim e importante para o gênero. Acho que a violência contra as mulheres é tão naturalizada e banalizada que, mesmo eu tendo total razão, é fácil encontrar um artifício para culpar a vítima e diminuir a importância do fato. Sobre essa situação com Tony, se Malu, minha esposa, que é uma jornalista experiente, não tivesse esclarecido imediatamente o que aconteceu, a opinião pública estaria me culpando pelo atraso de Tony.
Foi desonesto da parte dele na televisão ao vivo tentar me responsabilizar pelo fluxo lento do Carnaval. Fico indignada com a constatação de que é fácil bater em mulher, mesmo que essa mulher seja eu. Fico feliz que ele tenha se desculpado.
Problema mecânico
Pela primeira vez em 40 carnavais, o trio de Daniela Mercury enfrentou um problema mecânico durante o desfile. O episódio aconteceu no circuito Campo Grande, já no fim do circuito. A artista se recusou a deixar o trio porque uma multidão esperava por ela.
Acho importante ser solidária e cuidadosa com as pessoas e cumprir meu compromisso. Tenho muito respeito e lealdade. Quis fazer o que foi combinado, ainda que tenha me custado tanto cansaço, me deu muito mais alegria e conforto ficar no trio e cantar até o fim do que abandonar o navio.
'Axé Salvador'
A aposta da cantora foi um dos hits do Carnaval 2025. Saulo Fernandes chegou a declarar publicamente que a música era a mais bonita deste ano.
Amo saber que posso derramar melodias, aquecer os corações e dialogar com o público através das minhas composições. Uma música é uma escultura, um monumento, uma marca na história de minha gente. Eu adoro poder contar histórias, fazer trilhas sonoras para a vida de tantas pessoas.
Relevância e renovação
Aprendi a fazer músicas para Carnaval, sei fazer as pessoas dançarem e cantarem. A questão é que não faço o que já sei que dá certo. Escolho sempre a música, o arranjo, os timbres mais bonitos; os versos e melodias mais originais. O critério é a música ser relevante dentro da minha obra e que a letra inspire, encante e faça a diferença na vida das pessoas. E fale de algo seja importante ser dito naquele momento.
Símbolo do Carnaval
Ser uma artista reconhecida no Carnaval é fantástico. O Carnaval foi se tornando mais e mais importante para o Brasil. Está maior, mais profissional. Deixou de ser uma festa do improviso para ser um festival profissional de grandes artistas. E eu me sinto parte da construção de tudo isso, desde do modelo de empresariamento criado por mim para a minha carreira, ao investimento em eventos, blocos, álbuns... A abertura de um novo circuito no Carnaval, o Barra-Ondina, a invenção do primeiro camarote de Salvador, em 1996, o Camarote Daniela Mercury, o investimento no Carnaval de São Paulo. Eu ratifiquei o termo axé no Sudeste, que se tornou um gênero nascido sobre o trio elétrico, mas que extrapolou os dias e os temas carnavalescos e se tornou um gênero da música pop mundial.
Propósito
Faço intervenções artísticas no Carnaval. Faço apresentações com propósitos. Faço arte em cima e embaixo do trio. Fazer arte dentro do Carnaval é mais difícil, porém em que outro lugar eu cantaria para tantas pessoas e de forma tão democrática? Me interessa fazer arte que eleve meu povo de todas as maneiras. Essa é a minha mais potente maneira de gerar consciência crítica e formar público para assistir um espetáculo dentro de uma festa tão caótica e fantástica quanto o Carnaval da Bahia.
Carnaval de rua em São Paulo
Sinto que os moradores da cidade são sedentos por Carnaval e pelo axé. Vejo um Carnaval ainda muito disperso, apesar de enorme e interessantíssimo. Gosto muito de desfilar em uma rua histórica e emblemática, me sinto fazendo história. Nas minhas músicas "Antropofágicos São Paulistanos" e "Triatro", ambas compostas por mim para a cidade e para o povo paulistano pular Carnaval, há versos que falam da minha paixão pelo Carnaval paulista, e por São Paulo.