Pandemia abre brecha para se discutir mobilidade e privilegiar o pedestre
Caminhar é preciso. Mesmo com a medida de isolamento social recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para reduzir o risco de contágio pelo covid-19, uma parcela significante da população não teve como cumprir desde o início da pandemia tal recomendação. Afinal, suas rotinas de trabalho permaneceram levando-as para a rua "obrigatoriamente".
As reduções dos transportes públicos aumentaram o nível de aglomeração e o risco de contágio, deixando a população que mais se utiliza desses serviços (que é de maioria periférica e afrodescendente) em extrema vulnerabilidade a contaminação pelo coronavírus.
Em Salvador (BA), o bairro mais negro da cidade (Pernambués) se encontra no topo da lista dos locais com maior nível de contaminação pelo covid-19, com 1.876 casos confirmados até 2 de agosto.
Nas últimas semanas, após quase seis meses do início da pandemia, a flexibilização da quarentena com a abertura de comércios tem levado cada vez mais a população a retomar à rotina. O impacto da crise sanitária vem exigindo uma readequação das pessoas e da cidade para as necessidades de distanciamento social imposta.
Muitos se encontram afetados com sedentarismo, já que o isolamento social culminou na diminuição das atividades físicas habituais. As limitadas idas e vinda têm colocado muita gente no ciclo vicioso sedentário, que consequentemente reflete na sua saúde e o bem-estar.
A circulação de pessoas nos espaços públicos ainda é indicada apenas para casos de necessidades essenciais como saúde e alimentação. Os exercícios devem ser feitos de forma isolada e preferencialmente ao ar livre, evitando aglomerações.
Os benefícios da caminhada são muitos, podendo contribuir para a diminuição do sedentarismo, do stress, ansiedade, obesidade, problemas de circulação, aumenta a imunidade, podendo ser atividade preventiva às doenças físicas e mentais.
Deveria ser o ato da mobilidade a pé uma readequação do indivíduo frente aos impactos da pandemia na nova dinâmica de vida? Diante dos riscos de enfrentar a superlotação dos transportes públicos, a possibilidade de caminhar até o trabalho, mercado, farmácia e espaços naturais, ou dividir seu percurso entre caminhada e transporte, poderia nos render o acesso à cidade de modo mais ativo e dinâmico, influenciado nas melhorias do modo de vida de quem não tem conseguido se dedicar pontualmente a prática de exercícios físicos.
Para isso é necessário criar soluções que acolham demandas antigas de infraestrutura, que agora se fazem ainda mais necessárias, como alargamento das vias para pedestres, instalação de ciclovias e ciclo-faixas, adaptação de rampas para pessoas com mobilidade reduzida, iluminação nas vias públicas e arborização dos espaços públicos.
Surge como solução até o colorir da cidade através de jardins e "grafites'' (elemento da cultura hip hop, representado através de desenhos simbólicos que reverberam a identidade da cultura negra além da subjetividade da artista). Ao contrário de que aponta ser vandalismo, o grafite é uma expressão artística periférica que tem cumprido o papel fundamental de incorporar a estética da identidade negra à cidade, fazendo estes se sentirem mais representados e tornando os espaços mais vivos e democráticos.
Agora é o momento de investir em soluções que gerem estímulos na redução da utilização dos carros e na aderência por modais de transporte que contribua para preservação do espaço/meio ambiente e para saúde humana - soluções que não contemplem somente os bairros e zonas nobres das cidades. As periferias são invisíveis como parte da cidade, sumariamente estereotipadas como subterritórios marcados pela violência, sofrendo o descaso do estado e com a ausência de infraestrutura e segurança.
A mobilidade sempre foi um mecanismo de controle na permanência da hegemonia nos espaços e no acesso aos recursos. Com a pandemia, muitas cidades estão construindo medidas para retomar a economia urbana. Retomemos junto os debates e interferência nos planos de mobilidade. A luta principal é nas condições do bem viver do povo, que deve ter voz ativa e participativa nas transformações que almejamos para cidade.
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