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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Grandes obras públicas nem sempre trazem progresso, mas sim gentrificação

Divulgação/Governo da Bahia
Imagem: Divulgação/Governo da Bahia

Colunista do UOL*

23/02/2021 04h00

A violência tem cada vez mais se expandido para os territórios que antes se configuravam como espaços de "calmarias". Ainda ontem, conversando com algumas companheiras, falávamos como os interiores das cidades, as ilhas e até mesmo as periferias urbanas têm sido atravessadas mais e mais pela violência de facções e a violência policial, que diz declarar "guerra às drogas" enquanto causa danos maiores que as mesmas.

O alastramento dessa violência é instrumento do projeto hegemônico de urbanização, que traz consigo a gentrificação. É quando o poder público ou privado investe recursos em determinado território com o fim de trazer "melhorias" para o grupo social que se pretende instalar por ali, o que gera a expropriação de terras de comunidades, desapropriação de pessoas de forma coercitiva ou através do aumento do custo de vida. E isto são formas de genocídio.

O acordo que o governo do estado da Bahia, no fim de 2020, fez com parceiros comerciais chineses para construção de uma ponte de quase 16 km ligando a ilha de Itaparica a Salvador é um exemplo das ações do projeto urbanístico hegemônico, que ignora as questões sócio-ambientais que esta obra megalomaníaca vai produzir.

Toda parte das águas que circunscrevem a baía de todos os santos será afetada com a maquinaria e a poluição da construção. E a mão de obra que será contratada neste empreendimento? De que classe será? Quantos morrerão?

Sem contar aquilo que minhas companheiras suscitaram em nossa conversa: o sentimento de paz, segurança e conexão com a natureza que os moradores de classes populares das ilhas e interiores vivenciam será afetado bruscamente com este projeto. A conexão com Salvador através da ponte será um veículo do recrudescimento da violência estatal e de toda parafernália capitalista com sua moralidade de privatizar espaços.

O sistema faz com que se possa acreditar que isto trará benefícios como geração de emprego e renda, fortalecimento do turismo, entre outras falácias que são utilizadas para convencer o cidadão que isto é um "boom de desenvolvimento". Mas o que vale mais: as carteiras assinadas ou territórios vividos e sustentáveis?

Não que estejamos aqui dizendo que a Ilha de Itaparica hoje seja autosustentável. Mas e se R$ 1,5 bilhões que o governo da Bahia gastou na construção da ponte fossem investidos diretamente no território, na execução de obras e serviços que levassem em consideração reais necessidades da população?

E os bilhões de reais de recursos públicos que são investidos em obras que não partem do interesse público, e sim de acordos e alianças do governo com empresas privadas? É o dinheiro dos nossos impostos favorecendo a quem exatamente?

Negam a todo custo a insatisfação da sociedade e os impactos negativos que tais empreendimentos causam ao território, ao meio ambiente, às culturas, aos modos de vida existentes ali. Matar esses modos de vida é outra dimensão de um genocídio fruto do racismo estrutural.

Não precisamos acreditar nas promessas vazias dos projetos de estado, que dizem que a Polícia Militar, diante de territórios majoritariamente pretos (tal como a ilha de Itaparica), é "um artilheiro em campo frente ao gol", como afirmou o governador Rui Costa em 2015 diante da chacina do Cabula.

Este projeto urbanístico hegemônico não traduz em nenhum sentido o bem-estar do povo à longo prazo. Se a governança do estado e os cargos nos poderes públicos fossem ocupados por quem realmente é comprometido com reduzir as desigualdades sociais e levassem em conta as vontades da população preta e indígena, o meio ambiente seria mais importante do que pontes, os espaços privados não estariam em detrimento dos espaços coletivos e a cultura do povo seria transmitida em cada palmo da cidade, inclusive em todo sistema educacional.

O nosso orgulho em ser de onde nós somos seria menos atravessado pelos interesses invasores que acometem o funcionamento de comunidades negras e indígenas desde a colonização.

* Colaborou Macaulay Pereira