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Pandemia deve devolver protagonismo ao carro, mas como serviço contratado

Carro da Ford passa por higienização - Divulgação
Carro da Ford passa por higienização Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

22/05/2020 04h00

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Enquanto pesquisadores e especialistas da saúde buscam tratamentos, remédios, vacinas e outras soluções para conter o avanço do novo coronavírus o setor automotivo se empenha, ainda em estado embrionário, uma espécie de brainstorm e com certo grau de abstração, em desenhar o futuro do mercado global de veículos.

Aquelas premissas que estavam quase se tornando unanimidade nos últimos anos, como o carsharing e a uberização nos grandes centros, agora são colocadas em dúvida: o contato com outras pessoas, antes um comportamento sem riscos, agora tornou-se algo a ser evitado.

Aqui no Brasil as locadoras de veículos, sempre antenadas e rápidas no gatilho, largaram na frente no campo das novas ideias. "Estamos diante de um novo cenário e temos de reescrever tudo o que foi feito até agora", disse Edmar Lopes Neto, diretor financeiro da Movida.

Segundo o executivo novos modelos de negócios serão acrescentados ao tradicional baseado na locação por períodos, como o carro por assinatura. Na visão da Movida existe a possibilidade de o consumidor pós-pandemia buscar alternativas para evitar o transporte público, por causa do risco de contaminação nesse meio de locomoção quase sempre com indesejadas aglomerações aqui no Brasil.

O sonho será contratar seu próprio meio de transporte na busca por confiança sanitária. A posse deixaria de ser uma necessidade. Até porque é certo que todos sairemos mais pobres dessa pandemia.

Abre-se, portanto, um amplo leque de novos produtos. A assinatura de veículos já é uma realidade oferecida por algumas empresas, de startups a locadoras, e traz vantagens ao consumidor pela dispensa de investir em manutenção preventiva, pagamento de impostos e seguro: está tudo incluído no pacote de assinatura.

Vantagem despercebida pelo cliente é a possibilidade de rodar com diferentes modelos no mesmo plano de assinatura: um carro compacto para o deslocamento na cidade, um sedã para acomodar a família ou um SUV para as viagens de fim de semana. Há opções a partir de R$ 1 mil por mês oferecidos no mercado.

Planos compartilhados, divididos entre dois, três CPFs diferentes, reduziria bastante o custo individual. E daria uma rotatividade na utilização do veículo, justamente o que as locadoras mais desejam. Por exemplo, esse veículo compartilhado estaria guardado na garagem ou estacionamento pago pelo cliente - reduzindo os custos fixos das empresas de locação.

Há também outras oportunidades, sinaliza o setor, que tem como perfil a redução de custos tanto para a locadora quanto para aquele que aluga. Assinaturas no modelo pague-pelo-uso encaixa o veículo, por exemplo, no bolso do motorista de aplicativo que viu a quantidade de corridas minguar durante o isolamento social.

A modalidade também diminui os riscos à locadora de perder um cliente e, ainda, arcar com inesperado custo de armazenamento do ativo em áreas terceirizadas, já que seus pátios não suportam grande volume de devoluções.

Diretamente interessadas - as locadoras são importante canal de escoamento da produção automotiva - as montadoras serão chamadas e participarão das conversas. Mas, e as concessionárias? Que papel terão nesse novo modelo de negócio? Hoje, são as distribuidoras, apoiadas na lei Renato Ferrari, que de certa forma travam o desenvolvimento de outra novidade que pode ter vindo para ficar: as vendas online.

São muitas perguntas, ainda, a serem respondidas nessa reflexão pela qual passa as empresas do setor automotivo. Os desafios não param aí: e o trânsito nas grandes cidades? E a necessidade de reduzir emissões?

O que pode se dizer é que essas mudanças não ocorrerão em um horizonte distante. A transformação do negócio automotivo foi acelerada pela pandemia.

Bonde. Pessoas envolvidas nessa transformação afirmam, a boca pequena, para não melindrar seus grandes parceiros, que as montadoras já perderam o bonde dessa modalidade que pode tomar conta dos negócios automotivos.

Titanic. Eles comparam a tomada de decisão nas montadoras com a mudança de rota de um transatlântico: é uma operação demorada. Os rituais internos com muitas reuniões, a elaboração da estratégia e, principalmente, a necessidade de um comitê de executivos dar o aval para a execução deixa as montadoras sempre em desvantagem contra startups e locadoras, muito mais ágeis nesse processo.

Capilaridade. Principalmente as locadoras, mas também startups, têm outras vantagens sobre as montadoras: estão prontas para oferecer o serviço de assinatura em qualquer região do País e também em diversos pontos de uma cidade grande. A facilidade de retirada e devolução do veículo será um diferencial competitivo nesse novo modelo.

Concessionários x montadoras. Consultores para o setor automotivo já apresentaram modelos de parceria entre montadoras e seus concessionários para criarem um serviço de assinatura próprio da marca. Mas de um lado estão os processos internos das montadoras que retardam as conversas. E do outro os grupos concessionários, muitos deles que ainda acreditam no velho modelo de venda em showroom e nos serviços de manutenção como os únicos negócios interessantes para eles nos próximo 20, 30 anos.

Sem motorista. A possível preferência pelo transporte individual com carro assinado pode ajudar, mas também colocar tudo a perder para a tecnologia de carros autônomos. Se por um lado traria comodidade ter um veículo e não precisar dirigir, por outro um veículo autônomo precisa ser muito eficiente para valer a pena o investimento: ou seja, o modelo de compartilhamento é o melhor para essa tecnologia. Só que surge a pergunta: quem vai entrar em um carro autônomo depois de outro cidadão espirrar lá dentro?