Como mudança na regra pode acabar com avalanche de vendas de carros PCD
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O leitor já deve ter ouvido por aí que fulano de tal comprou um carro todo equipado acessando o programa de benefícios para pessoas com deficiência. Virou moda no Brasil e nunca esteve tão fácil realizar o sonho de rodar com um veículo zero km, geralmente com transmissão automática e uma série de acessórios.
Basta comprovar que alguém da família possua umas das 52 patologias do programa PCD com dois laudos médicos e pronto: é concedida a isenção de IPI, ICMS, IOF e IPVA, além do emplacamento para modelos que não ultrapassem o preço máximo de R$ 70 mil.
O que deveria ser uma lei que permite acesso às pessoas realmente com deficiências que impossibilitam o uso de um modelo básico, com transmissão manual, por exemplo, passou a ser uma distorção no mercado. Os modelos PCD representaram 8% das vendas totais no ano passado e cresceram 40% sobre 2018. Foram negociadas 370,5 mil unidades em 2019.
Como consequência, o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) publicou novo texto na segunda-feira (3) excluindo os benefícios para as deficiências consideradas leves no conjunto de perfis do chamado convênio PCD.
A medida ainda poderá ser revertida porque as novas regras do convênio devem ser ratificadas pelos governadores de todos os estados em quinze dias após sua publicação. Mas, se aprovada, o que é bem provável, começará a vigorar em 2021.
A reportagem de AutoData apurou que a alteração é um pleito das entidades que representam pessoas com deficiências e que, nos últimos meses, recebeu o apoio da Anfavea e da Fenabrave em reuniões realizadas com representantes do Confaz.
As montadoras e seus concessionários captaram que seus clientes estão preocupados com o aumento dos preços sob alegação de câmbio valorizado e o acréscimo de itens de segurança obrigatórios nos veículos. A tendência é a de que os SUVs, muito requisitados por consumidores PCD, deixem de figurar no teto de R$ 70 mil estabelecido pelo convênio fazendário desde setembro de 2009.
A grande procura no mercado tem feito algumas fabricantes oferecer versões mais simples de seus modelos PCD até o teto de R$ 70 mil, ou concedendo descontos e vendendo pacotes para deixar os veículos mais equipados - faturando os pacotes em nota fiscal separada, garantindo, assim, o desconto de tributo.
Para corrigir esse, digamos, jeitinho, o Confaz teria requisitado a exclusão das deficiências leves do incentivo e, em contrapartida, estaria abrindo um debate dos secretários do conselho sobre o aumento do teto dos preços dos veículos PCD para contemplar modelos mais equipados.
Até 31 de dezembro, quando expira o atual convênio de ICMS com o programa, novas regras poderão ser anunciadas pelo Confaz. Enquanto isso, entidades e especialistas da área da saúde avaliam que a exclusão de deficiências leves é um retrocesso para o PCD pois, sob o argumento de mitigar as fraudes na obtenção de laudos médicos, estão excluindo indivíduos que precisam do benefício para se locomover.
Do lado da indústria há expectativa de corrida às concessionárias: os portadores das deficiências consideradas leves deverão aproveitar os últimos meses da regra em vigor para garantir seu modelo zero km. Segundo a Anfavea, as vendas para pessoas portadoras de deficiências leves representam 10% do volume total requisitado pelo programa PCD.
O outro lado. O repórter de AutoData Bruno de Oliveira ouviu o professor Márcio Válio, especialista em direito de pessoas vulneráveis, que argumentou sobre os motivos que levam o brasileiro adotar a gambiarra do PCD: "O que deveria importar é a necessidade da pessoa com deficiência ter um veículo adaptado, e não lhe tirar um direito com base no argumento do laudo fraudatório. Se o problema é a fraude, que seja combatida a fraude, não excluído um contingente de pessoas que buscam o direito".
Liderança turbinada por PCD. O primeiro SUV a liderar as vendas mensais do mercado brasileiro deve muito às vendas ao público PCD: segundo Gustavo Schmidt, vice-presidente de marketing e vendas da Volkswagen, a versão Sense do T-Cross, dedicada a esse consumidor, respondeu por 65% dos emplacamentos do mês passado.
Apontando para cima? Os 175 mil veículos vendidos em julho superaram as expectativas de varejistas. Mas, de novo, é resultado do famoso jeitinho brasileiro: muitas marcas emplacaram carros para as concessionárias para garantir pontinhos de market share.
Bancos generosos. Sete de cada dez fichas de financiamentos de veículos enviadas pelas concessionárias aos bancos são aprovadas, segundo o presidente da Fenabrave, Alarico Assumpção Júnior. Outras boas notícias: a taxa média de juros para aquisição de veículos por pessoas físicas recuou de 19,5% em maio para 19%, em média, em junho. A inadimplência caiu de 4,5% para 4,3% no período, segundo dados do Banco Central.
* Colaboraram André Barros, Bruno de Oliveira e Caio Bednarski
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