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Desperdício na produção nacional de veículos chega a R$ 47 bilhões
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Há muitos e muitos anos escutamos dos principais executivos da indústria automotiva nacional que "da porta para dentro" suas fábricas são das mais eficientes e produtivas do mundo. A partir destas afirmações de presidentes e diretores de produção, as maiores autoridades no assunto, nós, os jornalistas especializados, temos que aceitar como verdadeiras estas informações e argumentar que o preço do carro nacional tem apenas nos tributos, ou outros custos "da porteira para fora", impacto suficiente para torna-los inviáveis para a maioria dos consumidores deste País.
Seria injusto afirmar que as fábricas brasileiras não são eficientes. Há casos de operações no Brasil que realmente estão dentre as melhores numa comparação com unidades da mesma empresa em outros países. Porém, há muita oportunidade para melhorar e, quem sabe, tornar o preço final dos veículos muito mais próximo da realidade do consumidor.
Para trazer à tona temas como este, assim como fizemos há três semanas quando fomos os primeiros a ouvir de executivos da indústria sobre a necessidade de discutir a volta dos carros populares, publicamos esta semana em AutoData estudo inédito que aponta desperdício de R$ 47 bilhões nos processos produtivos.
Acompanhe agora a íntegra desta reportagem de Soraia Abreu Pedrozo:
Desperdício na indústria automotiva chega a R$ 47 bilhões
O processo produtivo do setor automobilístico, por envolver diversas etapas e extensas áreas do chão de fábrica, está sujeito a perdas, seja pelas diferentes formas de realizar o trabalho de montagem ou devido à gestão dos processos, o que reflete no tempo e, consequentemente, no faturamento. A startup Cogtive realizou estudo em que identificou que a indústria em geral desperdiça o equivalente a R$ 500 bilhões por ano e, a pedido da Agência AutoData, levantou que na cadeia automotiva o valor chega a R$ 47 bilhões anuais.
Essa cifra, que corresponde a 2% do PIB industrial brasileiro de 2022, de R$ 2 trilhões 360 bilhões, refere-se ao potencial de produção que deixa de ser aproveitado com a mesma estrutura física e igual número de funcionários. É o que o presidente e fundador da Cogtive, Reginaldo Ribeiro, chama de capacidade oculta, que fica escondida por falta de informações acerca do dia a dia do chão de fábrica.
Ele aponta que, em média, a indústria automotiva opera com capacidade 30% abaixo do esperado justamente por não conseguir identificar os principais gargalos e pontos de melhoria na produção. Na prática, ao tomar conhecimento desses dados, hipoteticamente quem produz 1 mil veículos por mês, por exemplo, conseguiria fabricar 1,3 mil com a mesma capacidade, sugere Ribeiro. E, diante da demanda pelo produto, é possível deduzir que o faturamento pode ser elevado em um terço.
O levantamento tomou como base estudo da McKinsey, de 2021, que traz esse entendimento do processo industrial ao mostrar o tamanho das oportunidades que existem, porém, só a tecnologia pode solucionar: "Trata-se de uma capacidade disponível, de uma oportunidade oculta aos olhos humanos. A tecnologia era a barreira para entender isto e, agora, está disponível".
A Cogtive, startup que nasceu em Anápolis, GO, em 2018, identificando pontos de melhoria na produção de indústria farmacêutica local a partir do recurso de internet das coisas, ao longo dos anos desenvolveu sistemas para melhorar o aproveitamento dos processos produtivos deste e de outros ramos, como o alimentício e o de cosméticos.
No ano passado, porém, recebeu o desafio de adaptar a tecnologia ao ramo automotivo e, para tanto, adotou sistema de câmaras e de inteligência artificial para fazer uma varredura na operação e levantar onde havia a possibilidade de correção.
"Foi bem diferente do que fazíamos porque não temos de medir um carro passando em uma esteira, assim como ocorre nesses outros setores, em que temos um sistema de IoT contando latinhas. Neste caso temos um veículo entrando na estação de trabalho, o operador se aproximando para realizar a tarefa e, depois, finalizando."
Simulação com brinquedo gerou tecnologia que evita perdas
Sediada no Cubo, em São Paulo, desde março de 2022, Ribeiro contou que, frente ao desafio, e por não dispor de fábrica nem oficina para desenvolver seu software, simulou uma espécie de maquete moderna ao recorrer aos brinquedos Hot Wheels:
"Construímos ambiente industrial automobilístico sobre nossas mesas para conseguir, a partir dessas miniaturas, treinar a inteligência artificial. Treinamos bastante e, só depois, levamos ao ambiente industrial para aprimorar a tecnologia".
Na prática passou a funcionar assim: por meio das câmaras coleta-se dados no chão de fábrica acerca do que está ocorrendo efetivamente nesse ambiente. Estes dados vão para a nuvem, a plataforma da startup organiza toda essa informação dentro de painéis de funcionalidades e de relatórios e, com o uso de inteligência artificial, transforma tudo em informação para as lideranças empresariais.
"A partir da tecnologia tem-se uma clara visão a respeito de onde as oportunidades estão, assim como onde elas estão perdendo desempenho produtivo".
É possível, segundo ele, verificar em quais fases estão os veículos, quais peças estão sendo produzidas, qual o desempenho do robô ou do operador e o tipo de comportamento que ele está empenhando ali.
Sendo assim, se um funcionário demora 20 minutos para realizar um trabalho e, outro, 90, para desempenhar a mesma atividade, isto impacta sobremaneira sobre a velocidade de execução de determinada etapa. Isso porque nem todos os operários fazem a mesma sequência, o que faz com que os tempos de produção sejam distintos.
"Mas, muitas vezes, aquele que demora mais leva mais tempo porque não sabe o padrão daquele que faz em 20 minutos", ponderou Ribeiro. Ao complementar que a inteligência artificial é capaz de captar isso e mostrar qual é o comportamento adequado e de que maneira aquele processo pode ser melhor desempenhado. Ou seja: isto pode ser compartilhado e todos ganham.
"É possível reduzir o tempo sem correr nem trabalhar mais. Às vezes é a simples mudança de ordem das atividades, do processo de montagem. Antes da nossa tecnologia esse tipo de avaliação era praticamente impossível. Sem isso o gestor teria de andar pela fábrica e sair procurando, perguntando para as pessoas. A grande diferença é a digitalização. Tudo em tempo real e na tela do computador."
O CEO da Cogtive contou, sem dizer os nomes das companhias, que tem trabalhado em projetos que visam à padronização no pós-venda, o que inclui o andamento dos elevadores e a velocidade do recondicionamento dos veículos, e também dentro da fábrica, para ajudar a localizar veículos e peças, há quanto tempo estão ali, se o operador poderia otimizar sua atividade, quanto tempo está sendo gasto com atividades não relacionadas à produção.
"Um exemplo é na área de solda, em que a ferramenta usada exige manutenção regular e, a cada duas horas, é necessário reparar o equipamento. O recondicionamento não é elemento relacionado diretamente à produção. Mas, a partir do momento em que o tempo levado nesse processo começa a ficar superior ao da própria produção, é identificado um ponto que pode ser melhorado."
De Goiás para o mundo
Além da sede no Cubo a Cogtive abriu, no mês passado, um escritório em Chicago, nos Estados Unidos, após desbancar sessenta projetos de países latino-americanos e vencer a competição de Pitch LTNtech, promovida por uma das principais aceleradoras estadunidenses, a 1871.
A apresentação do software que identifica gargalos no chão de fábrica garantiu prêmio de US$ 15 mil e suporte de especialistas para ajudar a quebrar barreiras no processo de internacionalização.
Nesse contexto a startup traçou como meta que, em cinco anos, 80% de sua receita provenham do Exterior. Hoje 10% são gerados fora do País. O faturamento, cujo valor não foi declarado, dobrou de tamanho em 2022. Para este ano a expectativa é que a receita, mais uma vez, dobre. E, em 2024, triplique.
O ramo automotivo atualmente representa 10% da receita da Cogtive, porcentual que, em cinco anos, deverá chegar a 30%: "Estamos aprimorando esta tecnologia para diferentes aplicações dentro do setor e nos preparando para, comercialmente, avançar a mais montadoras e em seus respectivos supply chain".
Ribeiro contou que dedicarão uma equipe somente para esta frente. Hoje a startup emprega trinta profissionais e, até o fim de 2024, o plano é chegar a duzentos, incluindo a equipe internacional.
A Cogtive, que até o momento caminhou com aporte próprio e sem investidores externos, agora está captando recursos para buscar o crescimento e a aceleração no Exterior. Embora não possa dizer os nomes dos envolvidos o valor do cheque que está sendo negociado para a rodada seed, ou semente, é de R$ 10 milhões. O céu é o limite.
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