Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
"Resto de rico": comprar carros de luxo usados é um bom negócio ou furada?
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No mês passado, um grande amigo pediu auxílio para realizar a manutenção do seu BMW X3 2013. Ele tem o carro há quatro anos, até então tinha feito todas as revisões em concessionárias, mas estava decidido a escutar meus conselhos e realizar as próximas em oficinas particulares.
A princípio, a queixa era de vazamento de óleo e de barulhos na suspensão. O carro nem é tão rodado, mas por ser blindado - portanto mais pesado - as peças de suspensão tendem a sofrer mais do que o normal.
Indiquei uma oficina de minha confiança e ele levou o carro para lá. Alguns dias depois, conversando com o dono da oficina, ele revelou que a conta do meu amigo já estava em quase R$ 30 mil.
Levei um susto e imaginei que meu amigo pudesse estar insatisfeito com minha indicação, mas para minha surpresa o dono da oficina disse que ele tinha autorizado todos os serviços sem "chorar" no preço. Ainda optou por comprar somente peças genuínas da BMW, que foram as principais causas da conta ter ficado tão alta. Como o leitor bem sabe, aqui no Brasil é muito comum o produto ser mais caro que o serviço.
Em paralelo a isso, um dos meus carros, o Escort Ghia 1994, também estava nessa oficina e o dia da retirada de ambos coincidiu de ser o mesmo. Combinei com meu amigo e fomos juntos buscar nossos possantes.
Nós nos encontramos em um horário próximo do almoço, pois ele tinha feito seu treino de tênis pela manhã. Faço questão de contar esse detalhe, pois demonstrou para mim a serenidade em que se encontrava meu amigo. E de fato, quando nos encontramos, pude confirmar que estava tudo bem com ele. Só conversamos de coisas boas e o custo da manutenção, que ele estava prestes a pagar, sequer entrou na pauta do assunto.
Chegamos na oficina e a primeira coisa que fiz foi mostrar meu Escort, que ele ainda não conhecia pessoalmente. Não só admirou a qualidade do velho Ford, como relembrou dos tempos que seu pai teve um XR3 nos anos 90 - mas confessou que não gostava do carro.
Comparado com o Chevrolet Monza que tiveram antes, o Escort era mais desconfortável. No momento de pagar sua conta, fiquei um pouco longe e fui gravar alguns vídeos. Mas aquilo que o dono da oficina tinha falado se concretizou. Meu amigo pagou sem reclamar de absolutamente nada, e em seguida foi embora com seu BMW X3 renovado, que certamente deu sorte de ter um dono como ele, preparado para mantê-lo.
Fosse eu o dono desse X3, imagino que meu coração teria parado por alguns segundos no momento em que o mecânico passasse o orçamento. Talvez ele nem voltasse a bater. Somente o par dos amortecedores dianteiros que foram substituídos neste SUV da BMW custaram mais caro que o meu Escort. Ali ficou claro para mim, que pelo menos no atual cenário financeiro que estou, que seria imprudente ser dono de um BMW.
O mesmo se aplica para modelos das marcas Mercedes-Benz, Volvo, Land Rover, Audi, Porsche e afins. Posso passar horas contando histórias parecidas de vários dos meus clientes, donos de veículos dessas marcas de luxo que gastam "fortunas" para manter seus carros. Enquanto estão nas mãos desses primeiros donos, que certamente estão em boas condições financeiras, esses carros sobrevivem com saúde.
O problema é quando a idade chega e os valores desses carros despencam no mercado de usados, fazendo com que sejam acessíveis para um público maior do que quando eram novos. Alguns desavisados acabam por enxergar apenas o preço da compra desses modelos, que podem até caber no orçamento, mas esquecem de pesquisar sobre custos de manutenção e de seguro, por exemplo.
Esses carros de luxo com certo tempo de uso são chamados de "resto de rico". Nos últimos, muitos famosos com atuação em diferentes áreas tem comprado veículos usados de marcas de luxo para ostentar nas respectivas redes sociais - casos por exemplo da ex-BBB Viih Tube, com seu Porsche Cayenne 2014, e do funkeiro Kevinho, que adquiriu um Audi R8 do mesmo ano.
Não acho correto chamar um automóvel de "resto", portanto é um termo que eu quase nunca utilizo. Quem de fato não tem condições ou disposição para manter um carro de luxo, que não cometa o erro de comprar um. É melhor deixar que outra pessoa mais apta encare o desafio de continuar fazendo história com esse modelo, para que ele nunca se torne um "resto".
Os sobreviventes que encaram anos com dignidade, como o X3 do meu amigo, são privilegiados por terem donos que insistem em mantê-los na ativa. Porém, a disposição para isso pode se perder com o tempo. Uma peça impossível de se achar ou que existe a um valor impagável, débitos com multas e impostos acumulados que ultrapassam o valor de mercado do carro, ou até mesmo desinteresse pelo modelo, tudo isso são causas que encurtam a vida desses carros de luxo.
Definitivamente o ciclo de vida deste tipo de carro é menor do que de automóveis de marcas generalistas. Isso afeta diretamente o preço, tanto que é comum encontrar carros de luxo usados pelo mesmo preço de modelos mais comuns fabricados no mesmo ano.
A tentação de comprar esses carros é grande. Eu mesmo já passei por algo semelhante, quando comprei meu Nissan Maxima 1995 há seis anos. Já contei toda história da compra numa coluna recente, mas para resumir fiz uma compra irracional naquele momento, pois não tinha condições de manter o carro.
As coisas só não foram piores para mim por eu ter conseguido comprar um carro mais racional e confiável para o uso diário, e pude deixar o Maxima como um carro de uso esporádico. Felizmente, as condições financeiras de hoje são melhores do que aquela do momento da compra. Com isso, pude fazer várias melhorias no carro, que hoje se encontra em bom estado de conservação. Mas certamente teria sido um pesadelo na minha vida caso estive nas mesmas condições do momento da compra.
Como consultor, tenho muitos clientes que não são propriamente ricos, mas mantém com muito amor e dedicação carros que estariam abandonados se não fosse por eles. Esses são os verdadeiros guardiões da história automotiva, pois não medem esforços para manter essas joias rodando.
De qualquer forma, vejo um futuro nebuloso para muitos carros da atualidade. Com a popularização da eletrônica embarcada, até mesmo os carros de entrada são recheados de equipamentos interessantes. Porém, fico imaginando como alguns desses equipamentos estarão em um futuro não tão distante.
Para ser mais claro, quantas vezes você já trocou de celular nos últimos cinco anos? As centrais multimídias dos carros são muito parecidas com um celular, portanto você consegue imaginar o bom funcionamento delas daqui a 10 ou 20 anos? Provavelmente não.
Para piorar, algumas englobam outras funções, como controles do ar-condicionado, aquecimento de bancos e computador de bordo. Quando o touch screen dessas centrais começar a dar problemas, a simples tarefa de regular a temperatura dependerá da solução desse defeito.
Tudo leva a crer que os veículos atuais serão apenas enfeites nos futuros encontros de carros antigos. Sem nenhuma funcionalidade, perderão o sentido de sua função e serão cada vez mais abandonados por seus donos.
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