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Termo abusivo: lojas de carros usados exigem renúncia ao direito a garantia

Cópia de termo em que loja de carros usados pede que cliente renuncie ao direito de garantia de 90 dias - Reprodução
Cópia de termo em que loja de carros usados pede que cliente renuncie ao direito de garantia de 90 dias Imagem: Reprodução

Felipe Carvalho

Colunista do UOL

09/02/2023 04h00Atualizada em 09/02/2023 18h50

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Recentemente, passei por uma situação bizarra na compra de um carro usado para um cliente.

O carro em questão, um Nissan Sentra 2014, que estava em uma concessionária aqui de São Paulo, foi inteiramente vistoriado em pontos importantes, como documentação, estrutura, funilaria, pintura, mecânica e elétrica.

No fim, o carro foi aprovado com louvor, já que tinha sido de um único e cuidadoso dono, que nunca se envolveu em acidentes e sempre fez as revisões preventivas.

O carro era tão bom, que antes mesmo de o cliente receber as fotos e o relatório, foi feito um sinal de reserva, para não correr o risco de perder o negócio para outro interessado.

Foi combinado que o pagamento total seria feito no dia seguinte, os contatos do vendedor e do comprador foram compartilhados, e a transação seguiu adiante.

No dia seguinte, fui surpreendido com uma mensagem do cliente, assustado com o termo que a concessionária exigiu que assinasse.

Termo de renúncia a garantia do carro - Reprodução - Reprodução
Loja condicionou venda de veículo usado à assinatura do termo acima, que meu cliente recusou
Imagem: Reprodução

No termo, ele estaria ciente que o carro que estava comprando tinha problemas de motor, transmissão, freios, sistemas elétricos e suspensão.

Levei um susto, mas logo imaginei que fosse engano.

Entrei em contato com o vendedor, que confirmou o termo e disse que é solicitado em todas as vendas de carros usados com mais de oito anos ou mais de 140 mil km rodados - independentemente de estarem bons ou não.

Essa, infelizmente, não é uma prática isolada no mercado de veículos usados.

O que diz a lei

Carro usado tem de ser vendido com garantia de 90 dias, independentemente de quilometragem e ano de produção - Shutterstock - Shutterstock
Carro usado tem de ser vendido com garantia de 90 dias, independentemente de quilometragem e ano de produção
Imagem: Shutterstock

Carros usados são produtos duráveis, portanto o Código de Defesa do Consumidor, em seu Artigo 26, determina que tenham garantia de 90 dias, que vale a partir da data da compra.

Lojas e concessionárias de carros, obviamente, sabem disso, mas geralmente fazem de tudo para criar dificuldades no momento em que são acionadas para solucionar defeitos dentro do período da garantia.

O mais comum é dizer que a garantia vale somente para motor e câmbio, mas não é bem assim.

É importante destacar que a garantia vale para o carro como um todo, e não somente para uma ou mais partes.

Na teoria, um defeito elétrico ou hidráulico também deve ser coberto.

Já o termo exigido no caso citado, foi uma surpresa para mim, mas depois descobri que tem sido aplicado por outras empresas do ramo.

Termo não tem valor legal

Sendo assim, o tal termo não tem valor.

Ele não pode se sobressair ao Código de Defesa do Consumidor.

Mesmo assinando o documento, o comprador poderá exigir um reparo em garantia, por mais que a concessionária ou loja multimarcas recuse.

Na pior das hipóteses, a Justiça é acionada e o comprador ganha o caso.

O próprio vendedor confessou isso na conversa por áudio, na esperança de não perder o negócio por conta de um termo tão bizarro.

Ele estava apenas seguindo uma norma da empresa - que, convenhamos, não está acima da lei.

Cliente desistiu no negócio

Infelizmente, termo de renúncia à garantia não é caso isolado entre concessionárias e lojas multimarcas - Juca Varella/Folha Imagem - Juca Varella/Folha Imagem
Infelizmente, termo de renúncia à garantia não é caso isolado entre concessionárias e lojas multimarcas
Imagem: Juca Varella/Folha Imagem

Eu não autorizei que o cliente assinasse o termo, mesmo sabendo que ele era nulo e que o carro era bom.

O negócio foi desfeito, mas não sem antes gerar um grande desconforto.

Acontece que, antes de receber o termo polêmico, meu cliente foi convencido pelo vendedor a fazer polimento na pintura do carro, e higienização interna, ao custo de quase R$ 2 mil.

Como o negócio foi desfeito, ele precisou solicitar a devolução desse valor, que já tinha sido pago, além do sinal de reserva do dia anterior.

Essa solicitação precisou ter autenticação da assinatura, o que exigiu que perdesse um bom tempo dentro de um cartório.

Por que lojas fazem isso

Nós podemos e devemos discutir se o prazo de garantia de 90 dias é justo para ambos os lados.

Na minha opinião, como alguém que conhece muito bem carros usados, o prazo é longo para um produto tão complexo como um carro, que pode apresentar problemas a qualquer momento.

Em contrapartida, o preço mais alto praticado por revendedores sugere que tenham margem para arcar com isso.

Enfim, algumas coisas poderiam ser consideradas, mas hoje é assim que funciona e a lei deve ser respeitada.

Se a idade do carro ou a respectiva quilometragem forem muito avançadas a ponto de a revenda não querer assumir o risco de garantir a qualidade do mesmo, que ela não aceite colocar carros com essas características no seu estoque.

Mas revendedores fazem isso, e tenho certeza de que conseguem se livrar dessas obrigações.

Nem todos clientes estão dispostos a brigar por seus direitos na Justiça.

Sabemos que isso é desgastante e custoso, portanto nem todos vão até o fim.

Se ninguém reclama, logo vira prática comum, como aquela da garantia de motor e câmbio, que, de tão velha e comum, muitos acreditam na veracidade.

Fica o alerta: jamais aceite assinar um termo abusivo como esse.

Quem pede isso não pode ser levado a sério e, por melhor que o carro seja bom, vire as costas, vá embora e procure outro.

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