Velocidade alta é mesmo a raiz de todo o mal em nosso trânsito?
Falta de bom senso entre usuários da via é outro ponto a ser discutido
A cidade de São Paulo (SP), onde circula a maior frota de veículos do país, vive forte polêmica em torno de limites de velocidade. Reduzidos na administração do ex-prefeito Fernando Haddad (2012-2016), os limites foram em parte reestabelecidos ao padrão anterior pelo atual prefeito João Dória.
O ponto nevrálgico da discussão é a velocidade nas vias expressas conhecidas como "marginais": dos 70 km/h da gestão Haddad voltamos aos 90 km/h.
Permanentemente superlotadas, tais vias são um foco de acidentes, muitos deles envolvendo motociclistas. Constatar se a recente elevação da velocidade as deixou mais perigosas seria simples se houvessem dados confiáveis, mas não é assim.
Os números divulgados pela CET, a Companhia de Engenharia de Tráfego, não batem com os informados pela Polícia Militar. Diante disso, a sensação é de que na gestão do trânsito na capital paulista não há clareza de propósitos nem seriedade.
Problema paulistano?
A maior metrópole do Brasil deveria ser um exemplo para o restante do país, estabelecendo políticas públicas baseadas em pesquisas aprofundadas dos problemas viários e com isso tornar o ir e vir dos cidadãos menos crítico e mais seguro. Mas o recente sobe e desce da velocidade expôs uma leviandade histórica na gestão do trânsito que não pode ser atribuída apenas aos dois últimos prefeitos.
Reduzir os limites nas áreas urbanas é uma tendência mundial, mas fazê-lo de maneira atabalhoada resulta em problemas. Não pareceu coerente a muitos paulistanos que a velocidade nas laterais das marginais, as chamadas "pistas locais", fosse reduzida a 50 km/h, limite de muitas outras ruas da capital com grande fluxo de pedestres, o que não é o caso das marginais.
Também não foi uma boa conduta estreitar faixas de rolamento para além dos limites mínimos estabelecidos pelo próprio Contran com o objetivo de criar faixas exclusivas para ônibus ou bicicletas, meio que tirando a roupa de um santo para vestir outro...
Haja número
Dirigindo há mais de quatro décadas em São Paulo e pelo mundo afora, acho inexplicável haver tantos limites diferentes em uma única cidade: 30, 40, 50, 60, 70, 90 km/h... Com isso, presta-se mais atenção nos tais limites (e na multa decorrente do desrespeito à eles) que na efetiva condução do veículo.
Para mim, rodar nas marginais sempre representou um perigo. De motocicleta ou carro, a 70 ou 90 km/h, tais vias são e serão sempre uma temeridade. São trajetos a serem usados em último caso, como um remédio que cura a doença mas traz efeitos colaterais quase tão ruins como a própria.
Agora, além de ter de prestar atenção no caminho, no que faz o veículo à frente, dos lados e atrás, é preciso lidar com limites variáveis e a fiscalização eletrônica que deixou "o jogo" mais arriscado do que era antes, já que os radares instituíram uma freada e posterior reaceleração, onde antes não havia.
E nas horas de pico, quando o fluxo de veículos aumenta, corredores entre os carros são terra de ninguém. A moda vigente entre meus "pseudocolegas" motociclistas é o pleno desrespeito ao bom senso. A buzina tornou-se mais importante do que o freio e o acelerador virou um interruptor, ou "on" ou "off". Completa a cena trágica a ânsia dos motoristas por ganhar metrinhos, mudando de faixa de rolamento de maneira atávica, contínua e inútil.
Descompasso
Será mesmo a velocidade o problema? Ou o pior é a falta de educação e o descompasso entre os usuários da via? O vício dos motociclistas em superar a qualquer custo e se enfiar por frestas impensáveis e o dos motoristas em trançar pelas pistas em vez de manterem suas rotas não são piores?
De moldura a este quadro horrível servem as regras de trânsito mutantes e impensadas, a deteriorada situação de pavimento e sinalização (especialmente a de solo), incentivando o ziguezaguear e a desorganização dos trajetos.
Julgar que a velocidade excessiva é o maior dos problemas parece uma redução indevida de algo que é múltiplo, complexo demais, e que para ser enfrentado corretamente exige uma seriedade que definitivamente não está sendo praticada por quem de direito. Concordam?
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