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Kelly Fernandes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Covid e o transporte público: segunda onda chegou e estamos no mesmo lugar

Colunista do UOL

05/03/2021 04h00

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Se antes eram comuns notícias sobre os riscos que a aglomeração de pessoas em ônibus, metrôs e trens significavam para a saúde de quem utiliza o sistema e para a propagação do vírus, agora artigos e reportagens sobre o tema são cada vez mais reservados aos sites locais que refletem os dramas do dia-a-dia ou aos portais especializados em transporte. Com destaque para o papel assumido pelo portal Diário do Transporte, de Adamo Bazani, um facho de luz no nevoeiro.

Nesse contexto, a crise do transporte público deixa aos poucos de fazer parte de análises de conjuntura social e econômica. No entanto, essa ausência de notícias não é motivada pela rápida capacidade de adaptação dos governos municipais, estaduais e muito menos do Governo Federal.

Tal efetividade apenas seria possível mediante a adequação do transporte público coletivo às medidas necessárias e seguras de distanciamento social, bem como de novos padrões sanitários e de higienização e de acessibilidade financeira ao sistema, já que voltamos rapidamente para o mapa da pobreza.

E pior, o sistema de transporte público coletivo do país está colapsando da região Norte à Sul. No Norte, especificamente em Rio Branco (AC), antes das enchentes que ocuparam casas, ruas e hospitais, o prefeito do município já entrava em choque com empresas de ônibus, que paralisaram a operação do sistema, deixando os pontos de embarque cheios de pessoas preocupadas com mais um dia de trabalho perdido. Enquanto isso, o prefeito da cidade, Tião Bocalom (PP), reitera: "Não darei dinheiro para empresário".

Na região ao lado, a prefeitura de Teresina (PI) busca soluções para manter os ônibus em circulação após quase um mês de greves consecutivas. Com a intenção de contornar o cenário, a prefeitura decidiu judicializar os contratos e declarar emergência. Enquanto alega que motoristas, cobradores e demais funcionários são manipulados em função dos interesses das empresas de ônibus.

No coração do país, o conflito entre os municípios que compõem a Região Metropolitana de Goiás (RMG) intensifica-se, chegando até ao STF (Supremo Tribunal Federal). O conflito é protagonizado pelo Estado de Goiás, 19 municípios que compõem a RMG e por cinco empresas que operam os serviços de transporte coletivo. Mas quem sofre os efeitos do impasse é a população que se desloca em ônibus cheios, mesmo após a prefeitura de Goiânia e municípios de RMG decretarem medidas restritivas de circulação (lockdown), em 26/02.

No Sul, Porto Alegre proíbe o transporte de passageiros e passageiras em pé. Apesar de a medida ter reduzido em 20% o número de pessoas dentro dos ônibus, contribuindo para amenizar os riscos de contágio de covid-19, o tempo de espera aumentou. Com a restrição, essas pessoas podem aguardar por até 1h30 nos pontos de ônibus antes de embarcar e voltar para casa, principalmente aquelas que aguardam em pontos localizados entre o centro, de onde já saem cheios, e os bairros destino.

No Sudeste, após uma série de greves que afetam o funcionamento do BRT (Bus Rapid Transit, em português: Ônibus de Trânsito Rápido), o sistema será operado provisoriamente pelo município do Rio de Janeiro. Essa medida será adotada até que o BRT seja novamente licitado, e o mesmo acontecerá com o sistema de bilhetagem eletrônica. Portanto, os dois sistemas deixaram de fazer parte do contrato de concessão vigente, o que é uma boa notícia - porém fruto de mais uma situação que chegou ao seu limite.

Ainda na região Sudeste, no município de São Paulo as pessoas continuam aglomeradas, uma ao lado da outra, torcendo para que ao final daquele dia cheguem em casa com saúde e segurança. Com problemas para fechar as contas, a capital paulista mira as gratuidades, benefício adquirido por determinados grupos. O primeiro benefício atingido foi o concedido às pessoas com idade entre 60 e 64 anos, já tão vulnerabilizadas pela tragédia humanitária e sanitária que vivemos.

Casos de falência de empresa de ônibus, judicialização de contratos, ônibus circulando com lotação máxima e redução da frota de ônibus estão se multiplicando pelo país. Por sua vez, a segunda onda do novo coronavírus chega e encontra um sistema de transporte público coletivo debilitado e desassistido, cuja condição atual contribui para a interrupção de futuros, 1.910 só na última quarta-feira (03/03).