Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Carnaval é ocupação de espaço público, mesmo contrariando bairros elitistas
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"Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua" é o título e refrão da música de Sérgio Sampaio.
A música tornou-se parte dos blocos de Carnaval, provavelmente, por dar ritmo ao desejo das multidões que ocupam as ruas das cidades durante o Carnaval, com trios elétricos, cordões, fantasias, fanfarras, marchinhas e toda a sorte de vozes, instrumentos musicais e cores que transformam tristes ruas cinzentas em um alegre mar de cor e corpos das mais distintas origens.
A origem do Carnaval é na rua, mas a repressão contra manifestações populares em áreas públicas chegou a restringir a festa aos ambientes fechados e privados, o que não durou muito tempo.
Reivindicações populares fizeram o Carnaval voltar às ruas e avenidas, mesmo que contra a vontade de quem mora em bairros elitistas.
Com a intenção de mediar essa relação, organizar a folia e conter conflitos sociais, algumas cidades criaram circuitos específicos onde os cordões, blocos e fanfarras são bem-vindos. Alguns deles ganharam projeção mundial, como os soteropolitanos circuito Dodô (Barra-Ondina) e o circuito Osmar, no Campo Grande, o mais tradicional de Salvador/BA.
O circuito também é um convite para conhecer a história da cidade entre uma pipoca — como são chamadas as multidões de pessoas que seguem os trios - e outra, visitando lugares turísticos como o Elevador Lacerda, o Teatro Castro Alves e o Forte de São Pedro.
Para além de o Carnaval ser um convite para conhecer nossa história, a festa marca a ocupação do espaço público, um autêntico exercício do Direito à Cidade.
Vivencie os blocos de rua
Por serem tomadas por carros privados, frequentemente esquecemos que as ruas e avenidas da cidade são espaços públicos, o que acredito ser a principal mensagem deixada pelo Carnaval enquanto um anúncio de retomada por quem desfruta da cidade a pé, ou até um convite para novas formas de conhecê-la e vivenciá-la.
Nessa época, durante uma semana ou mais, é permitido ocupar a via, enchê-la de cor, caminhar lentamente, dançar e pular no ritmo do axé, afoxé, maracatu, frevo e samba-enredo - gêneros musicais históricos que nos convidam a refletir sobre os efeitos da nossa sociedade racista e desigual, mas também a construir um mundo melhor.
Como moradora de São Paulo, na época, o Carnaval chegou para mim em 2015, quando a prefeitura decidiu colocar a cidade no roteiro das melhores festas carnavalescas do país, de olho na dinâmica socioeconômica gerada pela folia.
Antes disso, existiam blocos espalhados em regiões da capital paulista onde pessoas moradoras organizavam por conta própria encontros de fanfarras, cordões e marchinhas, como o "Cordão Barra Funda". Esse cordão dá origem ao percurso de um movimento que desencadearia na criação criação de cordões em bairros negros e de pessoas libertas da escravidão, como a Baixada do Glicério e o Bixiga.
Hoje, quem vai a São Paulo encontra um Carnaval mais consolidado, com lindas fanfarras, como a Charanga do França e a Cornucópia Desvairada; blocos afro, como o Ilú Obá De Min; grupos de maracatu, como o Bloco de Pedra; e trios que atraem milhares de pessoas e ocupa a Área Central, como o Acadêmicos do Baixo Augusta. Existem também blocos que povoam as ruas das periferias da capital paulista, que você pode conhecer através do "Mapa do Carnaval na Quebrada: 58 blocos para curtir da ponte pra cá".
A iniciativa é realizada pela Periferia em Movimento e convida o público a vivenciar a cidade para além da Avenida Paulista.
Inclusive, foi durante o Carnaval, com o bloco Banda da Conceição, que eu conheci o Morro da Conceição e o Jardim Suspenso do Valongo - bairro histórico da cidade do Rio de Janeiro que registra os primeiros estágios da urbanização da capital carioca e carrega o peso do passado escravocrata da Baía de Guanabara.
Foi lá também que encontrei a escritora e linguista Conceição Evaristo na porta de sua casa desfrutando das marchinhas. A região ainda oferece um novo jeito de fazer a travessia até a cidade vizinha, Niterói, acompanhada pela Sinfônica Ambulante. O cortejo começa na bilheteria da balsa, percorre as ruas niteroienses passando em frente à Universidade Federal Fluminense e terminando no Museu de Arte Contemporânea (MAC), obra do arquiteto Oscar Niemeyer.
Cadê a infraestrutura?
Há quem reclame do Carnaval, porém grande parte dos problemas apontados podem ser atenuados com a melhoria da qualidade da infraestrutura para quem trabalha durante e desfruta do Carnaval.
Por exemplo com a disponibilidade de sanitários, lixeiras e segurança pública.
É importante lembrar que o Carnaval volta às ruas após três anos de suspensão imposta pela pandemia de Covid-19. Agora, quem circula pelas ruas das cidades com os carnavais mais tradicionais do país já encontra comerciantes, vendedores e vendedoras ambulantes e pessoas proprietárias de pousadas que, depois de quase terem fechado as portas devido à pandemia, estão otimistas com o aumento do volume de pessoas e, consequentemente, do volume de vendas. Só na cidade do Rio de Janeiro, de acordo com a Prefeitura, é esperado que o Carnaval de 2023 movimente R$ 4,5 milhões.
Por fim, aproveite o Carnaval e bote o bloco na rua com cidadania e consciência! Ainda que partindo do princípio de já ter tomado as três doses da vacina, seguimos precisando de cuidados especiais porque o vírus continua circulando, infectando e matando pessoas.
Quanto à mobilidade, se estiver em Salvador ou Recife/PE, aproveite os esquemas especiais de ônibus oferecidos pelas prefeituras nesta época do ano para chegar aos blocos e desfrutar da folia; caso esteja em outras cidades, busque saber dos programas disponíveis para ir e voltar do bloco com segurança ou, se possível, vá a pé e de transporte coletivo!
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