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Como é ter a única Ferrari F50 no Brasil? Ex-dono revela sufocos e prazeres

Ferrari F50 - Arquivo pessoal
Ferrari F50 Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

13/06/2020 05h00

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"Dirigir na rua não é agradável, porque é muito baixo. Até instalei protetores para não estragar o para-choque, mas perdi todos e ele ficou todo raspado embaixo. Minha mulher andou comigo duas vezes e detestou, porque não tem isolamento acústico nenhum, nem rádio, vidros elétricos, nada. É um carro de pista com uma placa. Teve amigo meu que achou uma merda".

Assim Enrico* descreve como é ter uma Ferrari F50 no Brasil. Ex-dono do único exemplar desse modelo a pisar por aqui, o administrador de fortunas e colecionador vendeu o superesportivo há cerca de três meses. Ainda com a memória vívida, descreveu a esta coluna as experiências - quase sempre incríveis - que viveu ao longo de quase cinco anos de relacionamento com o superesportivo.

Que foi vendido porque a oferta deve ter sido irrecusável. "No mercado internacional, a F50 subiu de preço. E quando comprei, o dólar era R$ 3. Hoje está em R$ 5. O preço do carro mais que dobrou", explica. Valores e identidade do novo proprietário são secretos.

F50 lateral  - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Mas, para se ter uma ideia de valores, a F50 exibida no estande da Ferrari no Salão de Frankfurt de 1995 foi ofertada, no fim do mês passado, por US$ 2,5 milhões (R$ 12,2 milhões). Ninguém arrematou, e o esportivo continua à venda pela RM Sotheby's.

Impiedosa, rebelde e escandalosa entre semáforos e outras urbanidades, a F50 prefere desfilar numa rodovia - e mesmo assim..."raspei o assoalho na estrada, tamanho é o efeito solo em alta velocidade", relembra Enrico. Seu habitat, na real, são as pistas.

F50 traseira  - Sposito Studio/divulgação  - Sposito Studio/divulgação
Imagem: Sposito Studio/divulgação

"É um carro largo, extremamente estável, te deixa seguro no traçado mesmo não tendo nenhum recurso de controle, mas não é fácil. Cometeu qualquer erro e vai para a parede. É perigoso para quem não sabe dirigir. Mas se respeitar o carro, é um tesão. Tocada raiz de verdade", avisa o ex-dono.

Entre ruas, estradas e pistas, Enrico rodou cerca de imperceptíveis 1.000 quilômetros. Às vezes, dava uma volta no quarteirão, ou uma esticada na Marginal ou em alguma estrada. Para o circuito de Interlagos, onde chegou a bater 255 km/h de velocidade máxima, foi umas quatro vezes. "Mas nunca freei na placa dos 50 metros antes da curva, sempre antes dos 150 m", pondera.

F50 painel  - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Nós, mortais, jamais nos perdoaríamos por ter uma Ferrari F50 e não guiá-la todo santo dia. Mas é a receita para manter um carro tão valioso ainda em condições de novo: rodar pouco.

"Em 2018, o carro foi para Florianópolis, de lá para Araxá e depois para Campos do Jordão. No total, não rodou 10 km. Isso porque ele sai de um evento e já entra direto na cegonha", explica Enrico, que só começou a usar a máquina um ano após tê-la comprado. "Deixei encapado", relembra.

F50 interior  - Sposito Studio/divulgação - Sposito Studio/divulgação
Imagem: Sposito Studio/divulgação

Claro, há o aspecto financeiro ao redor de uma obra-prima cada vez mais valorizada: "quanto mais roda, menos vale", professa o ex-proprietário, que já teve doze Ferraris (entre elas duas Testarossa), mas agora só tem seis. "Comprei para sentir o prazer do carro. Só não gosto de perder dinheiro", conclui.

Única no Brasil

Quando Enrico sentou pela primeira vez ao volante daquela F50, não imaginou que, 17 anos depois, se tornaria dono do superesportivo. O primeiro proprietário foi o empresário chinês Lawrence Pih.

F50 aberta  - Sposito Studio/divulgação - Sposito Studio/divulgação
Imagem: Sposito Studio/divulgação

"Eu prospectava negócios com ele e, em um certo dia de 1998, ele me chamou à sua casa para ver o carro. Sentei ao volante, apreciei suas linhas e fui embora. Em 2015, reencontrei o carro por acaso na garagem do Natalino Junior", relembra, se referindo ao empresário dono da importadora independente Platinuss.

Enrico conta que coleciona automóveis raros desde 2006 e que nunca teve prejuízo. Com a F50 não foi diferente. "Olhei mais o aspecto financeiro, apesar da paixão. Achei que o carro estava subvalorizado no mercado e decidi apostar", admite.

F50 teto  - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Aqui, com a capota de lona instalada
Imagem: Arquivo pessoal

Desde então, revela, sempre teve alguém cobiçando sua F50. Um deles foi justamente o dono da única F40 do Brasil, um empresário do interior paulista.

Pudera: a F50 que fora de Enrico não é uma das 349 produzidas em série (o que já faz desse modelo um dos mais raros da marca), mas sim um pré-série. Mais especificamente o P2, irmão do P1 e do P2. Chassis final 101919. Trata-se da F50 que veio para o Brasil para o Brasil Motor Show de 1997, segundo o colecionador.

E carrega, ainda de acordo com ele, um atestado do especialista em Ferraris Marcel Massini, ratificando ser esta a segunda unidade de pré-série da F50.

F50 chassi - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Quem é?

Sucessora da também fantástica F40, a F50 manteve o DNA de carro de corrida com permissão para rodar em vias públicas. Quando pensou na F50, a Ferrari queria basicamente um Fórmula 1 de rua.

O chassi é em fibra de carbono, enquanto a caixa de câmbio (manual de seis marchas) é composta por liga de magnésio, mesmo material aplicado nas rodas. Até o tanque, emborrachado e com design aeronáutico, é sofisticado.

Todo o esforço em aliviar peso, as técnicas aerodinâmicas e o monstruoso motor 4.7 V12 de 512 cv levam a F50 aos 312 km/h de velocidade máxima.

Mas ao painel, aparentemente, a Ferrari não dedicou tanta tecnologia. "Ele tem um problema crônico: uma bateria igual àquelas de relógio vai colada atrás do painel e estoura, vazando e destruindo o circuito. E não é todo mundo que conserta. Achei um cara na Califórnia (EUA), onde cheguei a levar o painel três vezes, até resolver", conta Enrico.

No mais, segundo ele, a F50 é um carro simples de manter.

*O ex-proprietário preferiu manter anônima sua identidade.