Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Quem foi José Ramis, designer anônimo criador da única limusine nacional
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(SÃO PAULO) - Difícil encontrar quem conheça José Maria Ramis Melquizo, autor e co-autor estilístico de alguns carros nacionais quase sempre tão desconhecidos quanto ele. E não dá para argumentar que o anonimato é efeito de uma jornada monótona do espanhol de 82 anos radicado no Brasil.
Aos 19, foi estudar anatomia na Escola de Medicina e virou fotógrafo de procedimentos médicos. Íntimo da câmera e do corpo humano, foi convidado por antropólogos suíços para documentar uma expedição no Xingu.
Dali pulou para a TV Tupi ser cenógrafo, o que o levou à cenografia da Companhia Vera Cruz (baluarte das produções audiovisuais nos anos 1950). Também consta em seu currículo diretor de arte de agências de publicidade. Qualquer semelhança com Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas (Tim Burton, 2003) é mera coincidência.
Uma vida que daria um livro rendeu raras páginas nos jornais. Uma delas foi na edição de 12 de maio de 1964 da Folha de S. Paulo, quando Ramis conquistou o "Concurso Presidente", promovido pela Indústria Brasileira de Automóveis Presidente (IBAP). Da gincana sairia a versão sedã do Democrata.
No Salão do Automóvel do mesmo ano, a Willys Overland do Brasil apresentava o Capeta, esportivo que se colocaria acima do Interlagos. Projetado pelo conterrâneo Rigoberto Soler, "é provável que os traços finais tenham sido de Ramis", arrisca José Vignoli, autor de "Aero-Willys: o carro que marcou época".
O carro que dá título ao livro também atravessou o caminho de Ramis, que participou da equipe de desenvolvimento da versão 2600 - daí a missão de Vignoli de resgatar a história do designer. "É inacreditável que isso não esteja registrado em lugar algum", lamenta.
Limusine e Juca Chaves
Contudo, criação mais notória do espanhol foi o Willys Itamaraty Executivo, a única limusine nacional e uma das poucas no mundo originais de fábrica. Já era chefe de estilo da marca, supervisionando o trabalho de outros gênios da indústria automotiva, como Márcio Piancastelli, amplamente reconhecido como autor das linhas dos Volkswagen Brasília e SP2.
E talvez venha daí tal anonimato: Ramis foi autor ou co-autor de carros ora perdidos na história, ora raros: da limusine, apenas construíram 25 unidades, quase sempre destinadas a órgãos governamentais; o Capeta também não foi adiante, tendo restado dele apenas o protótipo, hoje esquecido em um museu de portas fechadas em Brasília; e o sedã da IBAP - assim como ela própria - também ficou apenas nos planos de seus idealizadores.
Querem outro exemplo? Rolava 1967 quando o músico e humorista Juca Chaves anunciou que lançaria o esportivo Bettina, um cupê construído em fibra de vidro, de 560 kg, com plataforma Volkswagen e motor de Porsche 911. E desenhado por Ramis.
"Não estou nem um pouco enciumado dos muitos namorados que Bettina já arrumou: Ronnie Von, Trio Tamba e os Vips se mostraram interessados", debochou Chaves sobre potenciais compradores do carro, em entrevista ao Jornal do Brasil de 15 de abril de 1964.
De acordo com Vignoli, Ramis ainda desenhou um trator para a empresa Valmet, um buggy e em algum nível se envolveu com o projeto do Brasinca Uirapuru. "O tempo foi passando e só essas reportagens esparsas conservavam sua história. O próprio livro sobre o Aero-Willys tem apenas uma menção. Do desenho da limusine nem uma palavra, pois isso só veio ao meu conhecimento muitos anos depois por recorte de jornal enviado por um amigo. A partir daí iniciamos uma verdadeira caçada para encontrá-lo, e não foi nada fácil", explica.
Contrariando o destino da maioria dos desenhistas automotivos, Ramis não fincou sua carreira ali. Em 1972 foi contratado para o departamento de criação da Embraer, de quem o espanhol já era próximo: o logo da fabricante de aviões fundada em 1969 é dele. E o interior do modelo Bandeirante também.
Escultor de tantos automóveis, Ramis viveu seu pior revés dentro de um deles: em 1985, um acidente na Rodovia Dutra o debilitou severamente. Abandonou as pranchetas, mas não arte. Se converteu em artista plástico e, sem movimentos na mão direita, passou a pintar com a esquerda.
O que não conseguiu mais foi falar ou escrever para contar detalhes de sua passagem quase invisível pela indústria automotiva.
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