Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
Como picape da Chevrolet que já foi galinheiro hoje leva noivas ao altar
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
(SÃO PAULO) - Quem vê essa Chevrolet 3100 no meio do casal Luana e Tiago no dia do casamento não imagina quantos perrengues a picape já driblou. Conduzir noivas até a porta da igreja chega a ser um conto de fadas para quem renasceu das cinzas - ou melhor, das titicas de galinhas.
Aos 59 anos, começou a vida cumprindo sua função de veículo de serviço. Logo virou fio condutor de laços familiares. Depois foi abandonada, resgatada, restaurada, premiada e ultimamente tem sido cobiçada pelas noivas da família - depois da Luana, conduziu a empresária Nati Santos às portas da igreja.
"A presença da camionete nas fotos do meu álbum de casamento representa para nós que ela é muito mais do que um simples carro. É um membro da família", diz Luana.
Nati relembra que "a ideia surgiu num almoço com toda a família para comemorar a restauração da camionete. Quando a vi, foi amor à primeira vista. Eu já sonhava em casar na igreja, e a ideia de chegar lá na caçamba da picape foi o estopim. Mas levei quatro anos para convencer meu marido".
Elas, que trocaram o banco de trás de um sedã de luxo pela caçamba de uma picape, nem eram nascidas quando seu Aristeu Marciano perambulava pela Piedade (SP) dos anos 1970 com os netos Noel e Orides (sogro da Luana).
Da escola os primos seguiam para o sítio do avô, onde desde moleques já ganhavam macetes sobre como guiar bem um automóvel. E de lá para tantos outros lugares da cidade. Aonde o avô ia, iam também os netos, quase sempre na caçamba. "Detalhista, quando escutava um barulho estranho no carro colocava a gente para caçar de onde vinha", rememora Noel.
Pena que durou pouco: com o sítio demandando cada vez menos um veículo utilitário cujos custos se tornaram injustificáveis, seu Marciano despachou a picape para a vizinha Salto de Pirapora. "Ele vendeu sem que pudéssemos dirigir, pois éramos garotos ainda", relembra Noel. Anos mais tarde, o querido avô também partiu.
Reencontro
Os primos cresceram, viraram advogados, casaram e tiveram filhos. Sempre unidos. Durante um evento em Águas de Lindoia (SP), viram uma 3100 Brasil igual à do avô. "Já tínhamos carro antigo nessa época, e ali despertou nos dois o desejo de ir atrás de uma picape igual àquela", conta Orides.
Por aqui, a dinastia de picapes da GM começou em 1948 com a Série 3100 Advance Design, logo apelidada de "Boca de Sapo" por conta do formato da grade frontal. Primeiro lançamento da marca no Brasil após a 2ª Guerra Mundial, chegava desmontada dos Estados Unidos. Em 1955 recebeu um tapa no visual e virou "Marta Rocha", em homenagem à então Miss Brasil.
Só em 7 de julho de 1958 foi lançada oficialmente a terceira fase da Série 3100 por aqui - a protagonista dessa história é de 1962. É o segundo veículo e primeira picape nacional da GM. E o único carro da fabricante a carregar no logotipo o contorno do território de um país - daí o apelido "Brasil".
Foi uma picape popular na sua época, e portanto não seria difícil encontrá-la. Tanto que acharam uma ali perto de Piedade, em Salto de Pirapora, o destino da picape do avô Marciano décadas atrás. "Fomos lá ver, mas o carro estava destruído, totalmente abandonado. Para você ter uma ideia, tinha um varão de porta a porta que servia de galinheiro. A caçamba estava separada da cabine, toda enferrujada, sob uma jabuticabeira", detalha Noel.
Mesmo assim, fecharam o negócio por R$ 3 mil. Mas, quando o vendedor viu o talão de cheques, empacou: "só aceito dinheiro". Diante de tal intransigência, os primos desistiram: "não é para ser nossa, e nesse estado não vale o esforço", concluíram os primos.
Um mês depois, a mesma 3100 apareceu na oficina de um amigo. Orides, quando viu aquela picape que dias atrás tentara comprar, parou o carro, desceu, e não levou mais do que cinco minutos para arrematá-la.
Acomodaram-na numa garagem e foram atrás da documentação. Na hora da transferência do documento, a grande revelação: aquela Chevrolet 3100 era a do avô, a mesma que décadas atrás carregava os primos e que serviu de palco para a construção de uma amizade que transcende o parentesco.
"A partir de então, não medimos esforços para recuperá-la", conta Noel.
Do abandono aos eventos
Passado o susto, começaram a restauração. Que não foi fácil, tanto pelo estado do carro quanto pela dificuldade de encontrar peças. "Tivemos que comprar tudo em feiras de automóveis e contamos com a ajuda de um especialista em peças desse carro, que vasculhou ferros-velhos para encontrar o que precisávamos. E tivemos problemas com funileiros, que começavam o serviço e desistiam", relembra Noel.
Quando chegaram ao quarto, Ivan Fávero, a reforma engrenou. No meio do caminho, uma nova caçamba tivera que ser fabricada e trazida de Londrina, no Paraná. Entre a compra e finalização passaram-se oito anos.
Tanto esmero, investimento e tempo renderam à picape três prêmios que celebram seu estado de conservação e originalidade. Fora os dois buquês.
Nada mau para quem quase virou sucata.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.