Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Fiat, 45: relembre dez carros definidos pela ousadia da marca no Brasil
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(SÃO PAULO) - Aos 77 anos, já tendo atravessado duas guerras mundiais, enfrentado greves e terrorismo e se desnudado em dramas familiares, a Fabbrica Italiana Automobili Torino inaugurou sua planta em Betim, Minas Gerais, em 9 de julho de 1976.
Na primeira cartada por aqui já entregava que pioneirismo seria a credencial para se apresentar aos brasileiros. Baseado no 127, grande sucesso na Europa, mas bastante moldado às realidades, necessidades e frescuras nacionais, o 147 desmontou o conceito de carro urbano.
Menor automóvel em fabricação no país, espaçoso, estável e o primeiro nacional a carregar um motor montado na transversal (com comando de válvulas no cabeçote), o 147 parece não ter ido ainda mais longe - segundo a fábrica foram produzidas 709.230 unidades até 1987 - por culpa da fama de frágil e impreciso do câmbio.
Em 3,63 metros, o carrinho trazia tecnologias inéditas amiúdes, em alguns casos nítidas (desembaçador elétrico do vidro traseiro, freios a disco na frente e pneus radiais de série), noutros nem tanto (suspensão independente nos dois eixos, duplo circuito dos freios, estrutura monobloco de deformação progressiva, coluna de direção retrátil...).
Corajoso, o 147 levantou a bandeira do carro a álcool na indústria nacional: em julho de 1978 aquele modesto Fiat se tornou o primeiro modelo produzido em série a beber o combustível vegetal. O "Cachacinha", como ficou conhecido, deixara um grande legado: em 1987, mais de 90% dos automóveis nacionais zero-quilômetro usavam etanol.
Dele formou-se uma família. O primeiro membro, de 1977, foi o Furgão, que nada mais era do que a versão básica sem vidros traseiros, substituídos por uma chapa branca. A sacada era ampliar o volume de carga, uma necessidade de frotistas.
Se a Strada domina há duas décadas o segmento das picapes compactas, em parte é porque um 147 recortado na coluna B desbravou tal caminho. Revelado no Salão do Automóvel de 1978, o 147 Pickup não foi ali nem de longe a estrela que seria a Strada salões mais tarde. Foi uma resposta para algo que ninguém havia perguntado.
No entanto, a receita provou-se bem-sucedida e a concorrência foi atrás. Mal chegara ao país e a Fiat passava a perna na GM, que perdeu a chance de ter inaugurado o lucrativo segmento dos utilitários derivados de automóveis três anos antes do 147 Pickup: a linha 1975 do Opala contaria não apenas com a estreia da Caravan, mas também de uma picape baseada no sedã.
Com senso de oportunidade apurado, a Fiat se firmou como fabricante de modelos compactos ainda mais em 1980, quando lançou a Panorama. Desenvolvida para nós, tinha no porta-malas de 669 litros seu grande apelo. Um ressalto no teto de função estrutural, da coluna B para trás, servia para ampliar a capacidade para bagagens - e revelava as gambiarras da Fiat para conquistar território no mercado nacional.
Em 1983, a conhecida frente da série Europa foi substituída pelo conjunto do Spazio (o 147 reestilizado). Isolamento acústico reforçado e câmbio de cinco marchas acompanhavam a mudança estética. Foram as últimas intervenções na Panorama, que em 1986 se aposentou para que a Elba, baseada no Uno, assumisse seu lugar.
Por falar em Uno, em 1984 ele deu outra sacudida no mercado. Desenhado pelo estúdio Italdesign, de Giorgietto Giugiaro, foi eleito Carro do Ano na Europa, não sem sentido: oferecia um real aproveitamento de espaço interno, além do conforto da suspensão independente nas quatro rodas e de bossas como o limpador de para-brisa de braço único.
Catorze anos depois de desembarcar no Brasil, a Fiat testemunhava, de novo, um carro compacto seu mudando o rumo das coisas. Corria 1990 quando o Mille nasceu de uma mudança tributária do governo Collor, que reduziu de 40% para 20% a alíquota do IPI exclusivamente para carros com motores de 800 cm3 a 1.000 cm3.
O que, "curiosamente", beneficiava a Fiat, que então resgatou o antigo propulsor Fiasa do 147 e reduziu seu tamanho, de 1.049 cm3 para 994 cm3. Claro que uma depenada nos equipamentos foi necessária - entre elas, a retirada do retrovisor direito.
Novamente pioneira, a Fiat desbravou um segmento que chegou a representar 70% do mercado nacional. Quando saiu de linha no Brasil, com a edição especial Grazie Mille, em dezembro de 2013, o Uno somava 3.638.669 unidades vendidas.
Mandando no jogo dos populares, a Fiat decidiu se arriscar em campos onde jamais jogara. Assim foi com o Tempra, de 1991. Moderno, confortável e na versão 16V veloz, fez parte - ao lado do Volkswagen Santana e do Chevrolet Omega - da trinca de sedãs mais cobiçados da década.
Com padrões de dirigibilidade e conforto inéditos para um Fiat, o Tempra teve uma carreira bem-sucedida. Só não conseguiu emplacar sua versão perua, mesmo após uma redução do imposto de importação (de 35% para 20%) transformar a importada Tempra S.W. em um bom negócio de US$ 29.400.
A era turbo
Na Europa dos anos 1980, os hot hatches eram cultuados. A briga girava em torno de exemplares como Renault 5 Turbo, VW Golf GTI e Peugeot 205 GTi. O Uno Turbo, de 1985, comia poeira dos rivais, mas compensava com o sempre imbatível apelo da esportividade acessível.
Aqui, a quilômetros de distância dos concorrentes, o Uno Turbo brilhou mais. Não apenas pelos chamativos tons vermelho ou amarelo (havia o preto também) da carroceria, mas sobretudo pelo motor 1.4 sobrealimentado, de 118 cv e 17 kgfm de torque. Em um teste da Quatro Rodas, em abril de 1994, cravou 8,96 segundos até os 100 km/h, enxotando do topo do ranking da revista o Chevrolet Vectra GSi e os seus agora intermináveis 9,22 segundos.
Não se tratava apenas de um motor mais potente. A Fiat caprichou, mexendo na resposta da direção, nos engates e relações do câmbio e nos ajustes da suspensão, mais baixa em 10 milímetros. Era a coroação de uma tradição de esportividade atingível, começada com o 147 Rallye, passada para o Oggi CSS e confiada à dupla Uno 1.5R/1.6R.
Produzido entre maio de 1994 e abril de 1996, o Uno Turbo somou 1.800 unidades. É uma raridade, que faz do pequeno esportivo um modelo bem cobiçado por colecionadores de clássicos nacionais.
E se o Uno Turbo fizera sucesso, por que não faria um Tempra Turbo? Pouco depois do hatch era lançado o sedã, ainda mais veloz: dotado de um 2.0 8V de 165 cv e 26,5 kgfm de torque, rompia os 100 km/h após 8,2 segundos e alcançava os 200 km/h (segundo a Fiat). Nacionais tão rápidos quanto somente os sucessores Tempra Stile e Tempra Turbo Stile, que associavam a mesma mecânica a uma carroceria de quatro portas.
Já sem o brilho de antes, o Tempra dava lugar ao Marea, lançado em maio de 1998, dois anos depois da Europa. Gozou, o Marea, do status de carro nacional mais avançado de seu tempo. Teto solar elétrico, comandos de som no volante e faróis com tecnologia elíptica eram ineditismos; nas configurações de topo de gama, HLX, havia airbags laterais.
Fonte de amor e ódio, o sofisticado motor cinco-cilindros em linha de 20 válvulas (primeiro com 2 litros e 142 cv e a partir de agosto de 2000 com 2,4 litros e 160 cv) foi castigado pela equivocada recomendação da Fiat para que se trocasse o óleo a cada remotos 20 mil quilômetros.
Mas, o pior foi o comportamento dos próprios donos, muitas vezes sem cultura automotiva e/ou condições financeiras para preservar um automóvel complexo como o Marea. Daí que, vira e mexe, aparece um pegando fogo na internet.
Em 1996, a Fiat lançava o Palio. Que tinha também suas modernidades para a época, como airbags frontais. Contudo, sua principal contribuição foi dar origem à Strada, que desde 1998 se desdobra em versões de cabine estendida, dupla e recentemente dupla com quatro portas para ser um dos modelos mais versáteis e prolíficos da indústria nacional.
Sem falar na família Adventure, outro pioneirismo da marca.
No entanto, nem sempre engenharia e marketing acertavam: Siena 6 Marchas, Palio Citymatic e Siena Tetrafuel podiam fazer algum sentido na teoria mas, na prática, não emplacaram.
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