Furto e roubo de moto crescem com comércio irregular e imbróglios técnico e legal
Furto e roubo (quando há abordagem com uso de arma) são pesadelo recorrente de todo motociclista, e infelizmente eventos cada vez mais frequentes. A moto de uma candidata a prefeita de São Paulo foi levada recentemente durante a madrugada, diante de seu prédio. Dias depois, a TV mostrou imagens de uma câmera de segurança com uma truculenta abordagem na Praia Grande, na Baixada Santista: a dupla de bandidos derrubou a vítima que entrava na garagem e levou a moto. As imagens mostram que a cena foi monitorada à distância por um terceiro assaltante, também sobre uma moto. E comprovando que ninguém está livre da bandidagem, há o assassinato de um delegado da Polícia Civil de São Paulo, ocorrido no início de agosto. O policial foi cercado na Marginal Tietê, às 21h de um sábado, por um quarteto em duas motos, provavelmente reagiu e foi baleado, morrendo no local.
A candidata possuía uma moto considerada de baixo risco, a teoricamente pouco visada Kasinski CRZ 150. Já no caso do roubo do litoral, o modelo era uma Honda CB 600F Hornet, uma espécie de queridinha dos bandidos. Já o delegado pilotava a CB 1000F Hornet, a irmã maior da 600F, possivelmente uma "queridona" da ladroagem. Da Kasinski, até agora, não há sinal de recuperação. Já a Hornet da Praia Grande foi encontrada meia hora depois do crime graças a um rastreador instalado. A 1000 do policial não chegou a ser levada, eventualmente por conta da reação mal sucedida de seu proprietário.
Três destinos diferentes para o mesmo, grande e crescente problema de insegurança. É do senso comum que há muitos motociclistas que, diante deste cenário, abdicaram do uso da moto como veículo no dia-a-dia. Já outros, especialmente os usuários de motos pequenas, continuam circulando por simples impossibilidade de recorrer a alternativas válidas de transporte, ou por conta do uso profissional que fazem da moto. Tal massa de usuários se vale de "n" expedientes para salvaguardar o bem material e a integridade física: travas, alarmes, correntes, patuás, santinhos... Há também aqueles que adotam a moto apenas como meio de lazer, e não de transporte, e em vista disso restringem suas saídas a ocasiões específicas, geralmente em grupos de motociclistas nos finais de semana, o que diminui a probabilidade de problemas.
DESMANCHE É DESTINO
Uma navegada básica por fóruns de aficionados por motos na internet resulta em um turbilhão de relatos sobre o tema, trazendo algumas informações úteis. A própria polícia vem ciclicamente à mídia para alertar sobre os principais pontos ditos "de risco" e dicas sobre como minimizar a chance de ver sua moto sumir, seja mediante furto ou, pior, roubo.
O delegado Marcelo Bianchi, titular da 3ª Divecar (Delegacia de Investigações sobre Furtos e Roubos de Veículos) do DEIC (Departamento Estadual de Investigações Civis) da capital paulista, ouvido pela coluna, foi bem direto: "O destino da maioria das motos roubadas e furtadas é o desmanche. As grandes, especialmente, são as que vão mais depressa para os locais onde se transformam nos chamados "pacotinhos", modo pelo qual chegam às lojas que revendem peças usadas."
Para o delegado, coibir este comércio ilegal encontra um entrave grande por conta da legalidade da venda de motocicletas em leilões, o que faculta aos comerciantes desonestos a possibilidade de "esquentar" lotes de peças, tornando o controle desse comércio criminoso uma tarefa praticamente impossível. Para ele, uma efetiva ajuda para a redução deste tipo de crime seria a chamada vacina antifurto, a marcação das peças das motos com número do chassi, o que facilitaria o trabalho de identificação de componentes.
"Hoje há métodos eletrônicos, como o rastreador, que podem ser efetivos em alguns casos, porém, entre os criminosos há a figura do "desliga", que é justamente o responsável por, rapidamente, desativar os sistemas de alarme e rastreamento. Assim, o ideal mesmo é que as peças tivessem identificação", revela o delegado. A lógica é simples: havendo uma maioria de motos "vacinadas", o comércio de peças, que segundo o policial é o que alavanca a maior parte dos furtos e roubos, perderia a força.
COMÉRCIO ILEGAL
A coluna também ouviu outros policiais que, informalmente, revelaram mais destinos das motos subtraídas de seus donos. Um deles destacou o uso da moto grande e chamativa como forte elemento de status no mundo do crime. “O bandido rouba a moto e fica circulando com ela na periferia por alguns dias, locais onde a fiscalização é mais difícil. Bandido não é bobo, sabe onde pode e onde não pode circular e infelizmente a polícia tem limitações sérias. Falta pessoal e investimento em equipamento, isso não é novidade”, comentou um delegado que prefere não ser identificado.
Também não quer ser identificado, por evidentes razões, um assíduo frequentador da chamada "boca" paulistana, nas imediações da rua General Osório, no centro da cidade. Segundo ele, há lojas onde as motos -- predominantemente as pequenas utilitárias -- entram em plena luz do dia trazidas por jovens que recebem à vista pela "mercadoria", que é velozmente desmontada atrás de biombos, resultando nos tais pacotinhos.
Segundo a fonte, os comerciantes deste tipo de comércio ilegal contribuem mensalmente com dinheiro vivo para pessoas que garantem que o ambiente ficará calmo, sem fiscalizações de nenhuma ordem. Tais contribuições variariam de acordo com as dimensões do negócio.
LOCALIZAÇÃO QUESTIONADA
A maior fabricante do país, a Honda, foi procurada pela coluna e confrontada com a afirmação do delegado Bianchi, que vê na marcação de peças o cerne da solução do problema. Todavia, o engenheiro Alfredo Guedes alerta que o recurso faz perder a garantia nas motos novas.
"Há peças, especialmente as de importância grande em termos estruturais ou de funcionamento do motor, que já têm uma marcação que nos permite um rastreamento da origem do componente. Mas isso é diferente da dita vacina, pois visa identificar lotes de produção para intervir em caso de falhas técnicas. Algumas concessionárias nossas ofereciam no passado a gravação do número de chassi em componentes, mas identificamos que muitas vezes tal ação poderia resultar em problemas técnicos, o que nos levou a não recomendar o recurso", explica o engenheiro.
Paulo Takeuchi, diretor de relações institucionais da Honda, revela que qualquer atitude do fabricante no sentido de dotar as motos de dispositivos que ajudem a coibir o roubo de motos, adotando processos que implicariam em grande investimento como a citada marcação do número do chassi em todos os componentes, devem ter uma contrapartida por parte do Estado, ou seja, um investimento coerente visando uma efetiva melhoria da fiscalização.
Guedes ainda lembra que a instalação de rastreadores em todos os carros e motos fabricados no Brasil, ação programada pelo Contran para 2012, foi postergada para 2014 no caso das motos. Tal iniciativa, na opinião do engenheiro da Honda, poderia reduzir a ação da criminalidade mas implicaria em aumento de custo. Além disso, segundo Guedes, não há unanimidade entre fabricantes sobre a adequação da medida, e tampouco sobre a aceitação dos consumidores ao sistema, que inclusive envolve aspectos relacionados à quebra da privacidade individual.
Como se vê o problema é grande, e que cresce ao sabor da proliferação de motos de todo o tipo e tamanho. No passado era restrito às grandes cidades, enquanto atualmente ter a moto furtada ou roubada é uma realidade disseminada por todo o Brasil. Mais do que recursos técnicos para evitar tal tipo de crime, seria necessária uma óbvia tomada de consciência do usuário de motos, que na busca por uma vantagem financeira não vê que a compra da peça sem procedência é o que se chama popularmente de "tiro no pé".
MOTONOTAS
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+ Violência desmesurada é uma característica inerente aos criminosos que roubam motos a mão armada. Segundo o delegado Marcelo Bianchi os assaltantes são na maioria jovens, muito habilidosos ao guidão e que reagem atirando à menor menção de tentativa de fuga ou reação.
+ Demanda em alta é, segundo um comerciante da "boca" na General Osório, a evidente explicação para o crescente roubo de motos grandes. O envelhecimento da frota é outro fator que explica o aumento do roubo de motos de alta cilindrada. O custo de aquisição de modelos ainda atraentes, mas com mais de dez anos de uso, é abordável, mas a manutenção se revela dispendiosa demais.
+ "Tiradinha" é um nome dado a peças originais em excelente estado retiradas de motos seminovas, evidentemente roubadas ou furtadas. Outra modalidade que abastece esse mercado é a fraude nos seguros: motos são desmontadas e dadas como furtadas pelos seus proprietários.
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