Motos entram na moda do crossover e aventureiras ficam presas na cidade
O Salão de Colônia, realizado na Alemanha um mês atrás, foi uma espécie de antepasto para o mais consistente menu a ser servido em breve na Itália, no 70º Eicma (Esposizione Internazionale del Ciclo, Motociclo e Accessori, também chamado por aqui de Salão de Moto de Milão), principal mostra do ano do setor motociclístico.
A menor importância da resenha alemã face à italiana não a impediu de confirmar uma importante tendência, que há tempo vem se insinuando no segmento das motos "pau para toda obra", as máquinas dedicadas aos motociclistas para os quais rodar mil quilômetros por dia, ou mais, é rotineiro. Nesta tribo os roteiros não são pontuados por cidades, mas sim por países e dar a volta ao mundo é algo literal, não apenas uma figura de retórica.
As marcas europeias BMW, Ducati e KTM mostraram em Colônia três novos modelos de suas motos aventureiras, na verdade aperfeiçoamentos de modelos já existentes, segmento no qual a excelente vendagem motiva investimento, que mira conquistar cada vez mais clientes para o aquecido nicho.
Aliás, quem é este cliente das novas BMW R 1200 GS, Ducati Multistrada 1200 e KTM 1190 Adventure, motos vendidas como ideais para dar volta ao mundo, assim como suas pares nipônicas Honda Crosstourer, Kawasaki Versys 1000 e Yamaha XT 1200Z Superténéré, entre outras.
Na verdade poucas delas vão parar efetivamente nas mãos de genuínos aventureiros. A maioria de seus donos limitará a "aventura" a pacatas viagens de fim de semana, ou nem isso, contentando-se apenas em exibir a devoradora de quilômetros em trechos curtos, que em alguns casos mais extremos, mal ultrapassarão a periferia da cidade.
KTM, especialista em off-road, aposta em potência e eletrônica embarcada na 1190 renovada
Por conta deste tipo de usuário, mais interessado em possuir uma motocicleta transcontinental do que em efetivamente cruzar continentes, as novidades de Colônia continuaram o processo de substituir uma suposta e intrínseca rusticidade por alta tecnologia. Sai a essencialidade e o poder de superar terrenos ruins, entram os gadgets. Tais motocicletas estão, resumidamente, bem menos off e bem mais on-road.
A prova cabal desta contínua metamorfose vem da própria denominação aplicada pelos fabricantes. Antes chamadas de big-trails ou maxi-enduros, de um tempinho para cá comparecem como "crossovers" no vocabulário dos departamentos de marketing. O termo crossover, surrupiado da indústria automotiva, cai como uma luva a esta classe de motos.
Nos carros designa veículos cuja plataforma deriva de automóveis, mas às quais foram aplicados maneirismos e equipamentos dos mais profissionais utilitários esporte, os SUV, vale dizer os assentos elevados, a grande distância livre em relação ao solo e, em alguns casos, transmissões 4x4. Exemplo visibilíssimo em nossas ruas: o Mitsubishi Pajero, um genuíno SUV, e o irmãozinho Mitsubishi ASX, crossover puro.
Deixar as motos do segmento citado mais afeitas ao uso no asfalto da Piaçaguera-Guarujá do que às areias do Atacama é, portanto, ir de encontro à realidade da massa de usuários. A BMW R 1200 GS, líder mundial deste segmento, ícone dos aventureiros pela sua fama de robustez, traz na versão 2013 um significativo aumento de potência através de seu reprojetado motor, fiel ao conceito boxer, de cilindros contrapostos, mas que agora tem cabeçotes refrigerados a água em vez de óleo, assim como um dotes eletrônicos ainda mais elaborados.
Mesmo caminho trilhou a austríaca KTM, marca especialista em off-road. Sua nova 1190 substitui o modelo anterior, 990 cc, e adivinhe? Mais potência e eletrônica! E para não deixar frustrados seus fiéis clientes, os mais radicais, a KTM oferece a Adventure R, onde a letra R distingue versão com rodas aro 21 na dianteira e 18 na traseira, medidas bem mais "profissionais", adequadas a maus pisos, do que o aro 19 e 17 da versão Adventure sem o R. E também a BMW também deverá oferecer uma GS mais radical ao seus clientes mais xiitas.
FOGUETE
Alma estradeira e esportiva da Ducati se converte em potência típica de pista na Multistrada 1200
Já a Ducati, que certamente entre estas três marcas é a de maior verve estradeira e esportiva, e escassa tradição off-road, oferece sua Multistrada em três versões de exuberante potência e tecnologia, capazes de performances no asfalto comparáveis à de motos especificamente voltadas para uso esportivo em pista.
Tal caminho, aproximar as maxi-enduro ou big-trails, como queiram, de um cliente menos exasperado, não é exclusividade destes fabricantes europeus: em breve desembarcará no Brasil a Honda Crosstourer, cuja leitura da ficha técnica indicaria, em épocas passadas, ser ela mais uma genuína puro-sangue esportiva do que uma moto de uso misto. Potente motor V4 e -- pasmem -- câmbio automatizado de seis velocidades com dupla embreagem são itens desta Honda, inéditos no segmento.
É de se perguntar se o motociclista disposto a usar suas férias para conhecer Ushuaia, subir o Macchu Picchu ou fazer um bate-e-volta do Chuí ao Oiapoque será mesmo seduzido por suspensões de ajuste eletrônico, controle de tração e variadas opções de mapeamento da gestão do motor, itens que as motos acima nominadas trazem, saborosos aos fanáticos pela tecnologia, e que certamente transformam a pilotagem em uma experiência fantástica. Porém, e a essencialidade, simplicidade mecânica, pequena participação da eletrônica e a facilidade de pilotagem em terrenos adversos decorrente de baixo o peso, onde fica? Há, evidentemente, um grande ponto de interrogação na lógica prática destas motocicletas para o uso aventureiro que elas escancaradamente prometem.
Tal fenômeno ou tendência espelha o que vemos com cada vez mais naturalidade à nossa volta: donas de casa buscando filhos na escola ou senhores engravatados rumando suavemente para seus escritórios em volumosos 4x4, projetados para superar terrenos difíceis onde jamais colocarão suas rodas, e escolhidos pela enganosa segurança que parecem oferecer, ou pela capacidade de ignorar nossa maldita pavimentação e por que não, principalmente, estão na moda.
MOTONOTAS!
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Husqvarna Nuda 900 é supermotard bicilíndrica feita sob gestão da BMW
+ A Husqvarna, tradicional marca de motos fora de estrada de origem sueca, está de volta ao Brasil, onde no passado teve como representante o finado e polêmico Grupo Izzo. Em 2007 a Husqvarna foi adquirida pelo Grupo BMW e, desde então, intrincadas negociações visaram a volta, ocorrida recentemente, dos direitos de comercialização em nosso país às mãos do grupo alemão.
+ A BMW comprou a Husqvarna do industrial italiano Claudio Castiglioni, falecido em 2011, que por sua vez adquiriu a marca sueca em 1987. Então proprietário da Cagiva e da Ducati, Castiglioni transferiu a produção da Husqvarna para o norte da Itália, em Varese, onde deu novo impulso à marca. Modernizou os modelos e conquistou inúmeros campeonatos mundiais: três no motocross e mais de duas dezenas no enduro, o que se refletiu em boas vendas.
+ O objetivo declarado do Grupo BMW ao comprar a Husqvarna foi o de ter uma marca específica de modelos off-road, com a qual pudesse atingir a um segmento de público mais jovem. Pesquisas indicavam que as motos BMW eras associadas a produtos caros, voltados para usuários mais maduros. Já as "Husky", apelido das Husqvarna, além da boa fama esportiva ofereciam à BMW uma completa gama de motos off-road de pequena e média cilindrada de excelente qualidade já pronta.
+ O maior mercado para o segmento off-road de motocicletas é o norte-americano, e a BMW não só mirou no cliente dos EUA com a compra da Husqvarna como também em projetos de motos mais inovadores, de design arrojado, e que se lançadas com a logomarca BMW poderiam naufragar por conta da mencionada imagem de produto mais sofisticado, assim como afugentar o cliente clássico das motos BMW.
+ Como fez a Audi em relação à Ducati, a BMW também manteve a estrutura industrial da Husqvarna na Itália, assim como os funcionários-chave dedicados à pesquisa, desenvolvimento e design são todos italianos. O exemplo mais recente da ousadia estética e técnica da Husqvarna sob gestão BMW é a Nuda 900, lançada no final do ano passado, uma arrojada bicilíndrica estilo supermotard.
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