Topo

Motoesporte

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

MotoGP 2022: novos motores e o velho embate entre V4 e 4 em linha

Equipe Ducati nos treinos da pré-temporada 2022 da MotoGP, em Sepang, Malásia - Dorna/divulgação
Equipe Ducati nos treinos da pré-temporada 2022 da MotoGP, em Sepang, Malásia Imagem: Dorna/divulgação

Colunista do UOL

04/02/2022 11h39

A covid-19 infectou o Mundial de Motovelocidade bem no comecinho de 2020. O campeonato até rolou, mas sem público e com mil restrições. O faturamento despencou e, para conter gastos, equipes e organizadores decidiram fazer um congelamento técnico, proibindo qualquer atualização, especialmente nos motores.

A restrição acabou agora, e na temporada 2022, que na prática começa com os testes pré-temporada, em pleno andamento, em Sepang, na Malásia, novidades não faltam. A Honda, por exemplo, tem um modelo 100% novo, sendo a equipe que mais sofreu nos últimos anos, tanto por causa congelamento técnico como pelos azares físicos de Marc Márquez, seu piloto principal.

Às Honda nunca faltou potência bruta e velocidade máxima, todavia seus pilotos (Márquez menos que os outros) reclamavam de dificuldades na hora de acelerar na saída de curva, além de outros problemas, como fazer o pneu traseiro atuar na temperatura certa, coisa que em boa parte depende da geometria de chassi.

Sepang, pista onde todos estão rodando neste comecinho de fevereiro, é particularmente apropriada para testes. Faz um calor infernal e a umidade do ar quase permite ver peixes nos galhos das árvores, e não pássaros. Na longa reta de 920 metros os motores podem mostrar seus músculos. Há variedade de curvas e muitas frenagens intensas, boas para revelar qualidades (e problemas) de chassi. Quem sai dos treinos pré-temporada de Sepang bonito na foto tende a ter um ano promissor.

Treinos pré-temporada 2022 da MotoGP, em Sepang, na Malásia - Dorna/divulgação - Dorna/divulgação
Imagem: Dorna/divulgação

A Honda era a moto que mais precisava de mudanças, já a Ducati gostaria que tudo ficasse como estava. Há dois anos as máquinas de Bolonha faturam o título mundiail de construtores, mas não encaixam o mais apetitoso título de pilotos, que em 2020 foi para Joan Mir, da Suzuki, e em 2021 para Fabio Quartararo, da Yamaha.

É consenso que as Ducati são as melhores motos do grid. O chefão técnico da marca, Gigi Dall'Igna, soube acrescentar outras qualidades além do motor-canhão. Equilibradas, estáveis em frenagem, imbatíveis na aceleração e ágeis nas mudanças de trajetória, as Ducati só devem quando o tema é velocidade em curva, patrimônio das Suzuki e Yamaha. Aliás, uma qualidade tem tudo a ver com a arquitetura de seus motores, 4 cilindros em linha, enquanto todo o resto do grid - Aprilia, Ducati, Honda e KTM - usa motores V4.

Ducati MotoGP nos treinos em Sepang, Malásia - Dorna/divulgação - Dorna/divulgação
Imagem: Dorna/divulgação

Uma das graças da MotoGP se comparada com a Fórmula 1 é a diversidade das configurações técnicas. A Yamaha é fiel ao motor quatro cilindros em linha desde quando as 500cc 2 tempos saíram de cena, na temporada de 2001. A Suzuki voltou para a MotoGP em 2014 com um quatro em linha depois de frustrantes temporadas com um V4 no início dos anos 2000.

Muda o quê da arquitetura 4 em linha para a V4? Antes de mais nada, sendo um motor mais curto longitudinalmente, o 4 em linha é mais fácil de ser posicionado na chassi, o que facilita fazer uma moto mais compacta. Porém, não é possível extrair tanta potência bruta de um 4 em linha como de um V4, e o motivo está nas características do virabrequim, ou árvore de manivelas.

A peça que recebe a energia das câmaras de combustão no motor 4 em linha é mais longa, e por isso exige mais pontos de apoio. Já no motor V4, o virabrequim é mais curto, com menos pontos de apoio e, por consequência, oferece menor atrito. Porém, a maior razão da potência superior dos V4 vem do fato que o virabrequim, sendo mais curto e rígido, pode suportar rotações mais elevadas sem risco de quebra. Já o virabrequim do motor 4 em linha precisa maneirar nas rotações para evitar eventuais quebras causadas por flexão excessiva.

Então, se é assim, qual o motivo de Suzuki e Yamaha não adotarem o motor V4? Alguns imaginam que é uma questão mercadológica, uma vez que nenhuma destas marcas vende motocicletas esportivas com motores em V. Porém, a razão se encontra na filosofia construtiva. Os técnicos da Yamaha e Suzuki acreditam que uma motocicleta de competição deve ser sobretudo ágil, rápida em curva, fácil de jogar de cá para lá.

De fato, em termos de velocidade na curva, as Suzuki e Yamaha de MotoGP são imbatíveis. No entanto, como comprovaram as Ducati nos últimos dois anos e principalmente as Honda, a marca que mais venceu títulos na era 4 tempos do Mundial de Motovelocidade, a potência superior dos motores em V facilita a vida dos pilotos.

Ultrapassar em reta é manobra simples, todavia ter que recuperar terreno perdido em curva por causa de uma velocidade máxima e/ou poder de aceleração inferior é complicado, pois exige demais de pneus, da ciclística - o conjunto formado por chassi, freios e suspensões - e, principalmente, do piloto, que sofre psicologicamente quando um adversário simplesmente "some" na reta.

2022 começa com o descongelamento da evolução técnica, tão ansiada pela Honda mas também pela Suzuki, cujo motor é o menos potente do lote. Motos renovadas tornarão o espetáculo da MotoGP ainda melhor. A Honda quer voltar ao topo, a Ducati fazer jus à genialidade de suas inovações técnicas, que vão bem além de um motor potente (assunto para uma coluna futura...) e ganhar o mundial de pilotos outra vez. A Yamaha quer defender seu título fresquinho de 2021, reafirmando a validade de sua proposta técnica, idem a Suzuki.

Quanto a KTM e a Aprilia, não se enganem! Apesar de serem marcas com menor envergadura do ponto de vista financeiro, já demonstraram capacidade fazer frente às tradicionais dominadoras. Enfim, 2022 promete, e tudo está começando agora mesmo, em Sepang, na Malásia.