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Asas na MotoGP, uma solução que virou problema?

Asas se tornaram comuns na MotoGP, sendo a italiana Aprilia uma das motos com o dispositivo mais vistoso - Dorna/Divulgação
Asas se tornaram comuns na MotoGP, sendo a italiana Aprilia uma das motos com o dispositivo mais vistoso Imagem: Dorna/Divulgação

Colunista do Uol

12/06/2022 01h20Atualizada em 12/06/2022 02h16

Para domar as atuais MotoGP e seus mais de 250 cavalos de potência entrou em cena, nos últimos anos, uma refinada aerodinâmica. A aparência das motos se transformou, especialmente na área frontal, onde apêndices brotaram como ervas daninhas. Aletas, asas, asinhas, spoilers e defletores foram surgindo, tudo para tentar criar "downforce", a carga aerodinâmica que mantém um veículo colado ao solo, como bem nos ensinou a Fórmula 1, na qual essa história de asa, ou aerofólio melhor dizendo, tem mais de meio século de uso.

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Pegar o vácuo na MotoGP atual se tornou algo complicado em função da turbulência gerada pelos aparatos aerodinâmicos
Imagem: Dorna/Divulgação

Consta que a Honda, a marca mais poderosa do planeta quando o assunto é motocicleta, testou nos anos 1990 aerofólios em suas motos de competição. Chegou à conclusão que os aparatos podiam melhorar os tempos de volta. No entanto, o depoimento dos pilotos de teste à época fez a empresa desistir de usá-las por causa da grande dificuldade na transição da reta para a curva, o que tornava a pilotagem cansativa e, segundo o pensamento da Honda à época, mais perigosa.

As MotoGP atuais são cavalos bravios, é certo, mas não dão mais coice e nem corcoveiam tanto como faziam as antigas motos da categoria 500. Aquelas sim, eram chucras e indomáveis, menos potentes mas bem mais difíceis de levar ao limite. A evolução no controle das motocicletas de competição se deveu, em boa parte, ao progresso da eletrônica, que por meio de sensores aplicados às dezenas "lêem" o que está acontecendo em tempo real, e fazem seu trabalho: o piloto soca a mão no fundo, quer tudo em termos de performance, mas a eletrônica obedece mesmo a... eletrônica, que libera somente a potência viável para o momento, levando em conta a inclinação da moto, a marcha que está engatada e outros tantos parâmetros.

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A Ducati GP22 de Jack Miller, com a suspensão traseira abaixada para tornar a largada mais eficiente
Imagem: Dorna/Divulgação

Porém, se o progresso trazido pela eletrônica é indiscutível, tendo migrado inclusive para nossas motos do dia a dia, a existência dos aparatos aerodinâmicos vem suscitando polêmica. Há quem sustente que eles deveriam ser simplesmente abolidos, com as motos voltando à aparência que tinham alguns anos atrás, ou seja, sem asas. Isso se deve, basicamente, a problemas relacionados à segurança.

Ninguém cogita eliminar os aerofólios da F1, mas se isso está ocorrendo nas motos a razão pode ser encontrada nas relevantes diferenças entre estes dois tipos de veículo. O primeiro tem quatro rodas com pneus bem largos plantados no asfalto enquanto as motos tem ínfima (em comparação com a F1) área de contato com o solo. Mas o "X" da questão é a complexa dinâmica das motos, que se inclina para fazer curvas, e onde o corpo do piloto participa ativamente do equilíbrio.

Um rastro de "ar sujo" se forma atrás destas MotoGP aladas, criando problemas na costumeira tarefa de pegar o vácuo para fazer uma ultrapassagem. Por "ar sujo" entenda-se um fluxo de ar bagunçado, turbulento, que torna a vida de quem está na cola um tormento. Atualmente colar na rabeta do adversário para ganhar posições ficou difícil, e muito perigoso. Desta maneira, as corridas da MotoGP estão virando procissões, com cada vez menos ultrapassagens. Fora isso, o sempre importante bom posicionamento no grid de largada agora ficou ainda mais crucial tendo em vista a dificuldade em superar.

Na enorme reta de 1,1 km da pista de Mugello, palco do recente GP da Itália, o recorde de velocidade máxima da MotoGP foi quebrado este ano com a insana marca de 363,6 km/h. Durante os treinos, o português Miguel Oliveira protagonizou um momento de puro calafrio quando, ao ser ultrapassado por Aleix Espargarò nesta enorme reta, foi jogado para fora da pista. Percorreu dezenas de metros na grama a mais de 330 km/h mas, felizmente, não caiu. Questionados sobre o episódio, ambos pilotos declararam que ninguém esbarrou em ninguém, mas que naquele ponto a velocidade é tanta que o efeito das asas acaba sendo uma faca de dois gumes: deixa a moto pregada no solo, mas causa turbulências capazes de desequilibrar o adversário, como ocorreu com Miguel. Quem anda de moto sabe bem o que é isso: basta ultrapassar um ônibus ou caminhão em rodovia a meros 80 ou 100 km/h. Imaginem a 300?

O que fazer para resolver o problema? Certamente a providência a ser tomada demandará estudo e tempo. Muitos pilotos já defendem abertamente banir as asas, voltar ao tempo das carenagens lisas. Todavia, isso implica em praticamente projetar motos novas, pois as MotoGP atuais tem uma ciclística (chassi, suspensões e freios) que prevê a existência dos aparatos aerodinâmicos. Outros defendem ir além, e fazer uma revisão geral no regulamento técnico da categoria principal, pois não seria só a aerodinâmica o problema.

O dedo acusador aponta também para um excessivo uso da eletrônica, com os pilotos tendo que gerenciar uma infinidade de botões durante as corridas, algo que na F1, nos volantes dos carros, é corriqueiro, mas nas motocicletas, problemático. Outras novidades técnicas de caráter mecânico também estão sendo questionadas. São truques engenhosos, certamente, mas que complicaram a vida dos pilotos. Exemplo disso é o "abaixador", desenvolvido pela Ducati, que como diz o nome abaixa a suspensão traseira na hora da largada, tornando o pulo mais eficiente. Mas aí surgiu a evolução desse bicho, o abaixador da suspensão dianteira, para ser acionado nas retas e melhorar a aceleração. Como se vê, a busca pelo progresso é constante, todavia há quem pense que tudo isso não está valendo muito a pena, exigindo demais dos mais diretos beneficiários (ou afetados?) de toda esta escalada técnica em nome da performance, os pilotos.