Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Por que um "cidadão de bem" não deve sair atropelando assaltantes por aí
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O número de assaltos no trânsito brasileiro é tão alto que, corriqueiramente, cenas em que a vítima faz justiça com as próprias mãos e atropela o criminoso são aplaudidas nas redes sociais. Na última semana, UOL Carros ouviu especialistas para explicar se a prática pode ser punida. A reportagem viralizou e até mesmo o presidente Jair Bolsonaro (PL) deu sua opinião sobre o assunto em seu Instagram.
Para o mandatário, "é o bandido, não essas pessoas [que atropelam os criminosos], que escolhe ameaçar pais e mães de família e tomar à força o que foi conquistado com muito suor". Bolsonaro completou dizendo que "enquanto 'especialistas' preferirem falar que um inocente morreu por causa de um celular, ao invés de dizer que um vagabundo escolheu matar um pai ou uma mãe de família por isso, eles se sentirão no direito de fazer o que fazem".
Apesar de haver verdade na fala do presidente, pois os bandidos, de fato, assumem o risco de morrer a qualquer momento ao ingressar no crime, não é uma boa ideia incentivar a justiça com as próprias mãos, principalmente do olhando do ponto de vista da vítima do assalto, que terá sua vida virada de ponta à cabeça para sempre por revanchismo. E sua consciência, como vai ficar depois de matar uma pessoa atropelada por impulso?
Deixarei de lado a discussão ética sobre atirar o carro propositalmente contra uma pessoa, mesmo que seja um criminoso, para me ater à parte prática. O quesito acima será definido por cada um, de acordo com seus valores e princípios, e não cabe a esta colunistas fazer julgamentos. Mas a grande questão é que a decisão de reagir a um assalto atropelando o assaltante, mesmo que feita em milésimos de segundos, é algo para a vida inteira.
Em primeiro lugar, nem sempre, atropelar o ladrão será considerado legítima defesa. A Lei permite que se use os meios necessários para se proteger de uma agressão injusta contra si ou terceiros, ou até mesmo o seu direito à propriedade. No entanto, a linha é tênue e pode ficar a cargo da Justiça definir se o assunto será tratado como legítima defesa ou homicídio.
Por exemplo, se ao fazer menção ao atropelamento o assaltante se afastar e, ainda assim, a vítima seguir com o plano, pode ser visto como abuso do direito à legítima defesa. A questão é, em um momento de extrema emoção, como distinguir?
Outro perigo sempre presente quando se fala em reação a assaltos é o contra-ataque do criminoso. Segundo especialistas, a reação dá certo em uma parcela mínima dos casos, em uma proporção de uma a cada 10 tentativas. Ninguém está treinando para atropelar, mas os bandidos certamente têm reação mais rápida e podem acabar atirando.
Se a intenção é proteger o celular ou a carteira, é importante saber que o prejuízo pode ser ainda maior, já que o seguro não vai cobrir um acidente que você causou propositalmente. Portanto, o conserto do carro sairá do seu bolso, junto com o custo do advogado para se defender na Justiça, se necessário.
Veja bem, não estou falando em tentativas de homicídio ou estupro, quando é a integridade física da vítima versus a do bandido que está em jogo, e sim dos corriqueiros assaltos em busca de bens materiais.
E, por fim, na minha opinião, o maior problema do incentivo à justiça com as próprias mãos em caso de assalto no trânsito é incluir um comando na cabeça da pessoa dizendo "em caso de assalto, atropele". Isso antecipa uma decisão que deveria ser tomada no momento, de acordo com a necessidade e risco-benefício da situação.
Chegando à situação de "caso pensado", o risco é transformar nossas ruas em um verdadeiro bang-bang sem real necessidade, fragilizando a saúde mental de "pais e mães de família". Afinal, não dá para subestimar o peso de "matar alguém" - culpado ou inocente - na consciência de um cidadão de bem.
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