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Paula Gama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que a imprudência no trânsito rende tantos likes e dinheiro nas redes?

Youtuber acelera a 224 km/h em via pública - Reprodução
Youtuber acelera a 224 km/h em via pública Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

14/10/2022 11h00

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Enquanto muitos influenciadores automotivos se esforçam para produzir conteúdo de qualidade, com novidades do setor, reviews de carros e opiniões sinceras, os canais de YouTube com mais audiência são sempre os que publicam infrações e até crimes de trânsito.

Rachas, velocidade muito acima da permitida (chegando a 230 km/h) em via pública, ultrapassagens perigosas, caminhões arqueados, manobras de moto ilegais, "chutes" no retrovisor de outros carros e crianças dirigindo são algumas das infrações curtidas, compartilhadas e, o pior, remuneradas por plataformas de vídeo. No YouTube, vídeos com alta audiência são os mais bem remunerados. É por isso que, muitas vezes, quanto maior a "barbaridade" apresentada na tela, maior o lucro do canal.

Mas, afinal, por que esse show de horrores tem tantos likes e compartilhamentos? Apesar de todo brasileiro já ter perdido um parente ou um amigo para a violência no trânsito, a maioria não entende que a imprudência e a falta de limites é exatamente o que causa essas mortes.

Proponho um exercício simples: quantas pessoas você conhece que morreram por levar um tiro? E quantos você conhece que perderam a vida em um acidente de trânsito? Então por que você tem mais medo de assalto do que de motoristas imprudentes?

A maior parte das tragédias no trânsito é tratada como "acidente" ou "fatalidade", e isso pode ser um motivo para que a ficha não caia. Tratar como inevitável algo que poderia ser facilmente evitado reduz a gravidade dos fatos.

Mas vamos aos dados: estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que quando um pedestre é atropelado a 60 km/h, a chance de ser fatal é de 98% enquanto se o acidente ocorrer a 40 km/h essa porcentagem cai para 35%. Em resumo, uma redução de apenas 5% na velocidade média pode significar 30% menos mortes.

Outro estudo, do portal Estradas, analisando o Anuário Estatístico da Polícia Rodoviária Federal (PRF), chegou à conclusão de que quanto maior a velocidade na hora do sinistro, maior a letalidade. Isso porque, entre o momento que percebe o risco e inicia a frenagem, o condutor já percorreu vários metros.

Em média, dirigindo um automóvel, o motorista a 80 km/h percorre 15 metros até iniciar a frenagem que deve consumir mais 38 metros até a parada completa do carro. No total, serão 53 metros. Isto com reação em tempo normal, boas condições do pavimento, veículo e climáticas.

Já a 96 km/h a soma do tempo de reação e frenagem atinge pelo menos 73 metros. O equivalente ao comprimento de 18 carros parados na rodovia. No caso de estar conduzindo a 112 km/h serão necessários, pelo menos, 96 metros para frear totalmente o veículo - o equivalente a 24 carros. "No caso de a situação de risco ser uma carreta tombada na pista, é simplesmente a diferença entre a vida e a morte", avaliou o portal.

Segundo dados da PRF, em 2021, foram registrados 6.741 acidentes nas rodovias federais que tiveram como principal causa o excesso de velocidade, resultando em 675 mortes e 7.857 feridos.

Mas você deve estar se perguntando o que os vídeos têm a ver com esses dados, já que a maioria das gravações não causou acidentes. O grande problema é o incentivo, e até apologia, aos crimes e infrações de trânsito, principalmente entre os mais jovens.

Como jornalista automotiva, é de se imaginar que eu ame a adrenalina que acelerar um veículo até o fundo do pedal causa, mas aprendi - tão cedo quanto passei a admirar a velocidade - que guiar exige responsabilidade. Com apenas 7 anos, perdi um irmão em um acidente envolvendo carro e moto. Desde então ficou claro que alta a emoção de acelerar deve ser restrita a espaços propícios, como pistas fechadas, no trânsito, deve ser substituída por paciência e responsabilidade.

Lei para punir influenciadores infratores fracassou

No ano passado, o Congresso Nacional aprovou um então Projeto de Lei que tinha como objetivo punir infratores de trânsito com base em seus vídeos - atualmente, a autoridade de trânsito não pode autuar, mesmo que tenha imagens provando o crime. No entanto, o texto foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, que alegou restrição de liberdade de expressão e de imprensa. Se a Lei estivesse válida, até mesmo o mandatário poderia ser autuado a partir de suas imagens conduzindo moto sem capacete, ou com equipamento irregular.

A Câmara de Deputados optou por manter os vetos do presidente ao texto do PL130/20. A votação somou 174 votos pela manutenção dos vetos contra 134 que pretendiam a derrubada.

A base do governo federal, formada por deputados como Bia Kicis (PL), Daniel Silveira (PTB) e Eduardo Bolsonaro (PL), votou pela manutenção da decisão do presidente. Mas chamou atenção que integrantes do PT na Câmara, como Arlindo Chinaglia, Gleisi Hoffmann e Maria do Rosário, votaram em bloco apoiando os vetos presidenciais.

Apesar de o presidente não ter se preocupado com o "cidadão de bem" que pode morrer vítima do trânsito, nesta semana, ele se manifestou a favor dos que atropelam assaltantes. Ele afirmou que "de dentro de uma sala fechada e confortável é fácil criticar um cidadão indefeso e apavorado, que tenta lutar pela própria vida ou para proteger aqueles que amam".

Dentro de uma sala confortável, também é fácil vetar uma Lei que contribuiria para acabar com apologia a infrações de trânsito, o que faria com que diversas famílias não terminassem o dia incompletas.

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